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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Canivete


Foi um canivete suíço.
A primeira arma branca que eu tive na vida. Ganhei ele de aniversário, dado por um tio quando completei oito anos.
Minha mãe, claro, ficou tão apreensiva quanto uma mãe poderia ficar, horrorizada pela perspectiva de que o presente que meu tio me dera pudesse resultar em um olho vazado ou em uma cicatriz abdominal do tamanho de um cinto.
A questão é que meu aniversário se dá em fevereiro, e em fevereiro, na infância, eu estava na praia, e praia era sinônimo de uma liberdade inédita para um guri de apartamento como eu.
Com toda aquela liberdade, eu flanava pra longe das vistas de minha mãe, canivete suíço no bolso, e se não matei nenhum outro moleque da praia naquele verão, foi unicamente porque era tímido demais pra interagir com as outras crianças e discreto demais pra chamar a atenção de eventuais sádicos pré-adolescentes a quem, hoje em dia, convencionou-se chamar "bullys".
Entretanto, se não matei, nem feri gravemente nenhum outro infante praiano em Rainha do Mar no verão de 89, cometi atrocidades inomináveis contra formigas o tempo todo.
Foi apenas ao ter minha atenção chamada pela Vanessa, uma menina linda, loira de olhos verdes que morava na casa em frente (e que envelheceu muito mal...), e entender que as formiguinhas só queriam trabalhar e fazer suas coisas sem precisar se preocupar com um esquartejador gigante as atacando à traição e as desmembrando, que me dei conta do sadismo do que eu fazia, e arrependido, aposentei meu canivete para esse tipo de atividade.
Nunca mais matei nenhum tipo de animal com tais requintes de crueldade de lá pra cá, na verdade, acho que não matei nada intencionalmente exceto baratas, pois as baratas me parecem o tipo de criatura vil que não merece nenhum tipo de consideração.
Baratas e, a coisa de duas semanas, uma lagartixa, a quem matei esmagada ao fechar uma janela, e devo dizer que me condoí sobremaneira por ter matado a pobre bichana, tendo minha consciência assombrada pela visão do seu corpo branquela caindo no parapeito da janela quando a abri no dia seguinte e a vi se contorcer brevemente antes de exalar seus últimos estertores.
Nunca mais quis matar nada, nem ninguém após aquelas formigas.
Exceto por uma pessoa:
O vizinho do 74. Que na hora do gol do grêmio no clássico de ontem, colocou a TV a todo o volume na hora da batida do pênalti (duvidoso) convertido por Barcos.
Juro, estive a dois passos... Não. Um passo de correr à janela e avisá-lo que ele se preparasse para ficar em casa o resto do domingo, pois eu me colocaria de plantão junto à escada e o surraria como ele jamais havia sido surrado em sua vida se ele tivesse a ousadia de descer.
Claro... Não fiz isso. A cabeça esfriou, o Inter logo em seguida fez o gol de empate, mesmo sendo vergonhosamente roubado pelo árbitro Fabrício Neves Corrêa (um que eu teria surrado no calor do momento...), e as coisas se acalmaram, especialmente pelo desagravo de comemorar o gol do Inter, de Leandro Damião, logo em cima do gol gremista bradando "chupa que é de morango, gazela de perfex".
A questão é essa.
No calor do momento nós tomamos decisões precipitadas, podemos até mesmo fazer coisas terríveis como esquartejar formigas com requintes de crueldade, ou colocar um banquinho no corredor do prédio para encontrar nosso vizinho torcedor do time adversário e transformá-lo em purê num ground and pound de condomínio, mas, se pararmos pra pensar, nossas decisões mudam. Nossas percepções mudam. Nossas disposições mudam.
Muita coisa muda. E se por um lado é bom mudar certas ideias, como desmembrar insetos ou espancar vizinhos, por outros, é triste pensar que, talvez, tenha sido ingenuidade imaginar que, a despeito de tudo, tu fosse passar o resto da vida ao lado da pessoa que tu ama.

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