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sábado, 17 de agosto de 2013

Litorânea


Quiosque na beira da praia. Frio uma barbaridade. Vento nordestão cortando. Ele se perguntando "O que foi, mesmo, que eu vim fazer aqui?"... Lembrou-se. Marcar presença. O problema de a casa de veraneio ser da família. Vez que outra o vivente tem que dar um pulo na casa pra deixar claro que sabe que ela está lá e que ele tem o direito de ir quando quiser. Mais ou menos como um cachorro dando aquele spray de urina em todas as árvores que outros cachorros já mijaram na redondeza.
Se arrependimento matasse... "Mas fazer o que, sozinho em Porto Alegre em um final de semana sem estreias de peso no cinema e nem programas com os amigos?", perguntou-se. Respondeu a si mesmo que ficar em casa, quieto, embaixo das cobertas vendo TV a cabo, lendo, jogando videogame e navegando na internet eram alternativas perfeitamente viáveis. Mas fazer o quê?
Fora vencido pela vontade de ver o oceano.
Encosta-se no balcão do quiosque, o único aberto na beira da praia naquela manhã e olha mar adentro.
Vira-se para o dono do quiosque, um baixinho que faz isso já deve ter mais de vinte anos. Pede um milho verde com bastante manteiga.
Manteiga é o caralho.
Todo mundo sabe que é margarina e daquela bem vagabunda que vem num balde e está escondida embaixo do balcão. Nem gosta de milho, apenas torce para que água quente que escorre do sabugo cozido aqueça-lhe as mãos frente à inclemência gélida do vento nordeste litorâneo.
Enquanto o dono do quiosque prepara seu milho, ele dá dois passos pra fora da estrutura. Pés descalços na beira da praia, a areia empurrada pelo vento açoita-lhe as canelas. Tem certeza absoluta de que quando Slattibartfast fez o litoral gaúcho já tinha construído todo o resto e estava de saco cheio de erigir fiordes na Noruega. Só isso explica uma costa tão sem graça quanto a do Rio Grande do Sul:
De um lado, uma extensa e reta faixa de areia. Sem pedras. Sem morros, montes, nem colinas. Plano como a bunda de uma gueixa.
Do outro, mar.
Não há como ser mais básico que isso. Parece até que o litoral do estado era feito pra ser um corredor do vento. Vento este que iria erodir as pedras do restante da costa brasileira. Isso mesmo. Catarinenses, cariocas, nordestinos, vocês têm que agradecer a nós, os gaúchos, pela beleza do seus litorais cheios de frescura. Nós ficamos aqui, aguentando o frio do vento nordeste, os argentinos, a areia fina que nos faz querer vir à beira do mar de botas e caneleiras para que vocês desfrutem de maravilhas naturais.
Nós somos o equivalente à Patrulha da Noite.
O dono do quiosque diz que o milho está pronto.
Aaaaaaaaaaaaah...
Quentinho, afinal... A água quente escorre pela folha que envolve o sabugo oferecendo um pouco de alívio ao frio. Deveria ter vindo de calças compridas. E um casaco sobre a jaqueta. E meias de lã e pantufas...
Uma moça entra no quiosque. Não é bonita, mas é atraente. Alta, esguia, cabelo curtinho. Segura um chapéu, calças compridas...uma camisa branca... Está claramente com frio dada a forma como seus mamilos estão evidentes sob o tecido.
Tenha decência, tarado. Pare de encarar os peitos da mulher. O dono do quiosque dá bom dia. Pergunta o que ela vai querer. Ela ri. "Um banho na panela do milho, pode ser?". Presença de espírito. Isso é legal numa mulher.
Ela pede uma caipirinha de vodca.
Mas que pinguça. São dez da manhã, não estamos na Sibéria pra escovar os dentes com vodka.
O atendente pergunta qual Vodca. As opções são Popokelvis e Natasha.
Ela tem cara de quem bebe Absolut, vai pedir Natasha, certo.
"Quanto é a Natasha?", ela pergunta.
Eu sabia.
"Treze pila.", responde o baixinho com cara de marisqueiro detrás do balcão. Ela faz cara de quem foi esfaqueada. "Bah... E de Popokelvis?", quer saber. "Oito pila", responde o baixinho, rindo. "Dá uma dessa, então.".
Errei... Ela encara Popokelvis. Uma mulher que encara Popokelvis é aventureira, sabe beber e não tem lá muito amor pelo fígado. Vou comer essa magrona, bravateia para si mesmo, em silêncio.
Vou convidá-la pra conhecer minha casa na praia:
"Tem pelo menos quatro cômodos lá onde eu nunca fiz sexo..." vou dizer, fazendo cara de Clark Gable.
E nem vou estar mentindo... Na adolescência fiz sexo na sala, e nos três quartos da casa. Nunca fiz sexo no banheiro, na cozinha e nem na despensa. Ah, nunca fiz sexo junto à churrasqueira, nem em nenhum dos quartos da garagem.
E a menos que masturbação conte, também nunca fiz sexo na garagem... Mas isso eu não vou dizer pra ela.
Se ela se der ao respeito vai me ignorar. Se ela for sanguínea, vai me dar um tabefe na cara e depois um beijo ávido e resfolegante. Se ela for uma pessoa normal apenas vai levantar e ir embora.
Rá... Uma pessoa normal jamais viria à praia em pleno inverno num sábado de manhã. Dá a primeira mordida no milho, a água que escorria dele esfriou, melhor comer. Limpa a boca engordurada da margarina com um guardanapo, a mulher recebe sua caipirinha de vodca Popokelvis. Olha pra ele, ergue o copo, e sorri. Ele sorri de volta e ergue o milho. Dá-se conta do ridículo de brindar com um milho ainda durante o brinde e ruboriza.
Ela continua sorrindo.
-Praia no inverno é foda, né?
Ele pensa em responder "Se fosse foda, era bom", mas a timidez o vence, acha que o comentário seria de baixo calão e apenas balança a cabeça.
Ela continua:
-Podia ter ficado em casa lendo embaixo das cobertas... Alugado um filminho...
Ele sorri. Engole o milho.
-Mas acabou aqui, na beira da praia...
-É... Bebendo vodca de manhã pra afugentar o frio do nordestão... - Ela respondeu rilhando os dentes e esfregando os braços num gesto de frio.
-Coisas que acontecem... O que houve? Precisava ver a casa? - Ele perguntou, amigável.
-Fui vencida pela vontade de ver o oceano... - Ela disse, olhando pra dentro do mar.
Ele ficou olhando pra ela. Corrigiu-se em pensamento:
Não ia comer aquela magrona. Ia casar com ela.

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