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quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Quase Feliz


Ela estava deitada atravessada por cima dele, os dois formando um "X" sobre a cama.
Ele assistia TV, enquanto ela lia um grosso volume encadernado do Superman.
Ela fechou o encadernado após virar as duas ou três últimas páginas de capas alternativas, empurrou o livro pro lado e cruzou os braços sob o queixo. Sem se mover da posição em que estava, ainda na perpendicular sobre ele, encarou a janela e disse:
-Bem bom esse quadrinho, mesmo...
Ele, de olhos colados na TV, respondeu enquanto afagava de leve as nádegas dela:
-Achei que tu fosse gostar. Acho que é uma das minhas preferidas se não for a preferida...
-Tu sempre me fala daquele... - Ela hesitou. Virou a cabeça de modo a conseguir observá-lo com o rabo dos olhos. -Como chama?
Ele sorriu, ainda sem desviar os olhos do televisor:
-Assim fica difícil.
Ela suspirou:
-Ai... Um lance do Beethoven, ou do Mozart...
Ele franziu o cenho... Olhou pra cima. Teve um estalo.
-Ah! As Quatro Estações.
-Isso. As Quatro Estações... É Mozart ou Beethoven? - Ela inquiriu, mordendo o lábio inferior.
-É Vivaldi, eu acho... - Ele respondeu, incerto.
-Não... É Mozart. Tenho quase certeza que é Mozart. - Ela retrucou.
-Deve ser Mozart, então. - Ele aquiesceu, mais pra evitar o conflito do que por realmente concordar com ela.
Ficaram em silêncio, ela ainda sobre ele, as pernas esticadas bem pra fora da cama espaçosa, comprida que era, a claridade da TV tornando azul a fina penugem dourada que ela tinha sobre as nádegas. Estava nua, completamente, e ele vestia uma boxer cor de laranja com motivos de halloween.
Ela tomou fôlego:
-Tu me empresta?
-O quê? - Ele inquiriu.
-As Quatro Estações. - Ela respondeu.
-Empresto, claro. - Ele respondeu.
Continuaram em silêncio. Ela começou a se remexer, esticando os braços longos pra uma escrivaninha sob a janela do quarto. O movimento dela, totalmente nua, sobre ele, o deixou estranhamente envergonhado:
-Que é que tu tá fazendo, criaturinha?
-Quero pegar meu I-Pad... - Ela respondeu, espichando os braços e alcançando o aparelho dentro da capa de couro.
-Pra quê? - Ele perguntou, se encolhendo sob ela.
-Eu quero ver se As Quatro Estações é do Mozart ou do Beethoven...
-Não é de nenhum dos dois, é do Vivaldi. - Ele disse.
Ela largou o aparelho ao lado da cama, e se moveu languidamente por cima dele até estarem cara a cara:
-Ah, é? Então por que foi que, quando eu disse que era do Mozart o senhor concordou? - Ela perguntou agarrando ele pelos cabelos.
Ele fez uma careta, agarrou ela com firmeza pelos pulsos, livrando o cabelo de seus dedos finos, e respondeu:
-Porque tu pode não ser uma loira burra, mas certamente é uma loira teimosa.
Ela rilhou os dentes, franziu o nariz e imitou um som de rosnado, beijando-o na boca em seguida.
Ele correspondeu.
Ela continuou deitada sobre ele, mas se endireitou, deitando a cabeça sobre seu peito.
-Isso é uma ideia de felicidade perfeita? - Perguntou.
-Poderia ser, eu suponho... - Ele conjecturou. - É a tua? - Quis saber.
-É. - Ela respondeu.
Ele afagou os cabelos dela, fazendo rescindir o aroma cítrico que ela sempre trazia em si.
Ela ergueu os olhos, buscando os dele:
-E pra ti? É uma ideia de felicidade perfeita? - Perguntou.
Ele sorriu e a beijou sem dizer nada.
"Quase", pensou.
Acordou sozinho em casa, com As Quatro Estações sobre o peito, envergonhado da própria lascívia onírica.

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