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terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
Ovinho de Codorna
Eu vou te confessar...
Quando eu fui atrás de ti, não foi espontâneo. Não foi "amor à primeira vista", nem uma singela e honesta admiração pela tua pessoa.
Não... Quando estive contigo, foi por interesse. Interesse puro. Não foi mais, senão isso.
Interesse.
Na primeira vez que eu te vi, eu já achei que podia me dar bem. Coloquei os olhos e vi o mapa da mina. Logo percebi que tu tinha o que eu precisava, e não me furtei da possibilidade de tentar conseguir. Eu confesso:
Sou interesseiro, mesmo.
E ardiloso.
Enquanto todos os guris da rua te achavam linda e inalcançável, e te tratavam como se tu estivesse em um pedestal de cristal, eu, interesseiro que sou, mesmo sendo feio e maltrapilho, consegui atrair tua atenção indo no sentido oposto. Fingindo desinteresse, te fiz me notar. Sendo malcriado e antipático, atraí tua atenção, e calculando friamente cada passo do trajeto, consegui te fazer namorar comigo.
A menina mais bonita da rua, conquistada por um sujeito que estava com ela apenas por interesse.
Interesse no cabelão preto ondulado. Na cinturinha fina. Nos quadris generosos. Na figura de rainha da piscina. Nos braços e pernas esguios. No tornozelo, estranhamente gordinho, tão gordinho que, ao invés de ter um osso saliente na lateral, tinha uma covinha. Nas sobrancelhas arqueadas e nos olhos amendoados de feiticeira médio-oriental, a barriga chapada de fazer Adriane Galisteu corar de inveja.
Interesse nos lábios, no metro e setenta de altura. Na personalidade por vezes malévola, mas nem por isso menos atraente. No sorriso bonito com os caninos inferiores salientes por vezes dando-lhe um aspecto de fera. Por ser bela, esguia, alta e sofisticada mas saber apreciar coisas como um bom mocotó e uma churrascada. Por ter feito aulas de chamamé, por querer ver o mundo. Por ser algo Veruca Salt...
Mas talvez, acima de tudo, por causa das sardas.
As sardas. Eram a cereja do bolo. Eram o famigerado "plus a mais" [sic], eram o que tornavam aquela linda mulher, cheirosa e repleta de personalidade quase uma ninfa.
Por interesse eu fiquei do teu lado por dois anos.
Nem sempre me senti amado. Nem sempre me senti apreciado. Muitas vezes pensei em deixar pra lá. Em aproveitar o inexplicável sucesso que fazia entre as mulheres àquela época. Em te deixar ir e ser feliz a teu modo. E tentar ser feliz ao meu.
E quando finalmente fiz isso. Me doeu.
Me doeu porque depois de mais de dois anos convivendo contigo, deixei de ser apenas um poltrão interessado unicamente na tua linda, linda, linda estampa. E me tornei um apaixonado por ti inteira.
Da unha mínima do dedo mindinho dos belos pés, até o último fio do cabelo.
Talvez por isso. Por ter finalmente me apaixonado por ti, eu tenha resolvido ir embora naquela vez.
Porque apaixonado por ti não era direito querer estar com outra pessoa.
Apaixonado por ti, não era direito não ser correspondido ou apreciado.
E aí, alguns dias depois de terminarmos, te encontrei na rua. Sorri pra ti e peguei tua mão. E tu me sorriu de volta. Com os olhos rasos d'água. E eu vi que, mesmo que não tenha havido de ti pra mim, amor como havia de mim pra ti, havia apreço.
Eu nunca havia dito como meu coração ficou leve depois daquilo.
O quanto eu fiquei aliviado por ver que nenhum de nós havia desperdiçado aqueles dois anos de mocidade.
O quanto me deixou feliz saber, que de algum modo, eu havia te tocado como tu me tocou.
Meu ovinho de codorna.
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