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terça-feira, 14 de novembro de 2017
Revendo Homem-Aranha: De Volta ao Lar
Apenas nesse final de semana resolvi voltar a assistir Homem-Aranha: De Volta ao Lar, primeiro filme do cabeça-de-teia realizado pela parceria entre os estúdios Marvel e a Sony, detentora dos direitos do herói que viu que, pagando a Marvel pra fazer filmes com o personagem, obteria mais dinheiro nas bilheterias.
Quando assisti ao filme em julho, fiquei, francamente, sem saber se tinha gostado, ou não.
Meus sentimentos com relação ao longa foram conflituosos e eu, de fato, não sabia o quanto dos meus desgostos para com o filme eram mera implicância, de modo que pensei em rever o debute do Aranha da Marvel e, quem sabe, com o coração mais leve, aproveitar a jornada de maneira menos crítica.
Mas infelizmente, não deu.
A óbvia diversão do filme continua lá, mas foi ficando mais e mais diluída em meio aos problemas que praticamente saltam da tela pra morder os pés de uma audiência que tenha um grau um pouquinho mais elevado de exigência.
O texto a seguir contém detalhes importantes do enredo, incluindo reviravoltas na trama, e não é recomendado a quem ainda não houver assistido ao filme. A resenha livre de spoilers pode ser lida aqui:
-A Origem:
A origem dos super-poderes do Homem-Aranha não é mostrada em De Volta ao Lar. O personagem já havia aparecido fazendo tudo o que uma aranha faz em Capitão-América: Guerra Civil, de onde De Volta ao Lar praticamente começa, de modo que, desde a sua primeira cena no filme, Peter Parker já é o Homem-Aranha, e à certa altura do longa ele apenas menciona, brevemente, que foi picado por uma aranha.
Outra coisa que não é referida de maneira apropriada é a morte do tio Ben.
Não há, na verdade, nenhuma menção ao tio Ben, de modo que, nesse universo, a tia May de Marisa Tomei pode perfeitamente ser uma lésbica viúva de Benedita Parker, a quem chamava carinhosamente de Ben, sei lá. Ele apenas menciona, também de maneira bastante casual, que não quer preocupar sua tia depois de tudo pelo que ela passou. Não sabemos se foi a perda do marido, se foi a quebra de seu negócio como confeiteira, perder a eleição pro conselho tutelar, enfim, não há nenhuma menção à vida de Peter e May ao longo do filme. Não se fala sobre dinheiro, e mesmo o prédio onde Peter vive com a tia mudou, ficando bem mais ajeitadinho que o conjunto habitacional do primeiro longa.
O grau de pobreza apresentado em Guerra Civil se dissipa, provavelmente porque mostrar um jovem morando nos conjuntos habitacionais de Queens, precisando pegar sucata pra montar computadores e apanhando lixo pra tentar usufruir de um pouco de conforto poderia parecer demasiado duro pro tipo de filme levinho que a Marvel gosta, então toda aquela realidade empobrecida mostrada quando Tony Stark procurou Peter no terceiro Capitão-América é amenizada em altíssimo nível.
Também não há nenhuma menção ao que Peter fez após descobrir suas novas habilidades, tampouco sabemos se ele tentou usá-las para conseguir dinheiro antes de começar a combater o crime, ou sequer se a morte do tio Ben (ou da tia Benedita), teve algo a ver com essa decisão.
Eu entendo que revisitar a origem do personagem pela terceira vez em um período de quinze anos poderia ser forçação de barra. Entretanto, eu francamente acho que a origem do Homem-Aranha ajuda a edificá-lo como personagem. Suas motivações de culpa e responsabilidade fazem esse personagem ser quem é, e ao tirar isso dele, rouba-se a sua essência, tornando-o apenas mais um.
Por mais que nós saibamos como Peter Parker tomou a decisão de usar seus poderes em nome do bem, simplesmente sumir com a tomada dessa decisão, restringindo-a a uma frase no meio de Guerra Civil empobrece a mitologia do herói, e muito.
-Ned Leeds:
Provavelmente uma das coisas mais desagradáveis do filme é a presença de Ned Leeds. O melhor amigo da vez surge como uma contraparte da audiência, um nerd gordo de brinca de lego e sofre de diarreia verbal e está sempre pendurado em Peter.
O Ned Leeds de Jacob Batalon é um personagem tenebrosamente unidimensional, que parece um recorte, como se os seis roteiristas do longa tivessem tentado imaginar com o que se parece e como se comporta um geek adolescente do novo milênio e surgido com aquilo ali. Até faz sentido, a maior parte das características de Ned são os defeitos dos millenials, a grande questão aqui é: Por que diabos alguém iria querer ser amigo desse cara?
Ned é socialmente deficiente, tacanho, desprovido de empatia, e o que ele mais faz ao longo do filme é pedir permissão para contar pra todo mundo o maior segredo de Peter colocando seu amigo e a tia dele em perigo mortal sem nenhum tipo de consideração.
Eu não consigo pensar em um amigo pior pra se ter por perto.
Deixa eu ilustrar o quanto Ned é péssimo:
Eu preferia ser amigo do valentão Flash Thompson de Tony Revolori do que do Ned Leeds.
Liz Toomes:
A Liz do filme não é a Liz Allen, meia-irmã do Magma igual aos quadrinhos, mas sim Liz Toomes, filha de Adrian Toomes, o Abutre. Deixa eu dizer que, na verdade, eu não achei o fim da picada mudarem (e aumentarem) o parentesco criminoso de Liz. Eu duvido que o Magma apareça em algum filme vindouro do Aranha, então, OK ela ser filha do Abutre.
O grande problema com Liz é que também ela é uma personagem absolutamente vazia. Nós sabemos que ela tem uma quedinha pelo Homem-Aranha, sabe que o Peter tem uma quedinha por ela, é uma guria popular e inteligente mas não é uma escrota, e meio que isso é tudo o que ela tem a oferecer. Não sabemos como ela se relaciona com as amigas, como é sua vida em casa e nem nos interessamos, afinal de contas, a personagem é chata pra caralho e se ela tivesse morrido no elevador em Washington não teria feito nenhuma diferença, na verdade, poderia ter até beneficiado o desfecho do filme, eu explico isso mais adiante.
-Michelle:
Argh...
OK, eu acho a Zendaya bonita.
Muito bonita.
E acho que bastava pintar o cabelo dela de vermelho e zas, teríamos uma ótima Mary Jane do ponto de vista visual.
Mas Zandaya não interpreta Mary Jane. Ela interpreta Michelle Jones, a quem seus amigos chamam de "MJ". Certo... Michelle está no filme para ser o futuro interesse amoroso de Peter Parker, não importa se os produtores mudarem de ideia e jogarem essa premissa no lixo na hora de escrever De Volta ao Lar 2. Essa é a óbvia ideia. Michelle é a substituta de Mary Jane e de Gwen Stacy no universo cinemático Marvel.
O grande problema aqui, é que pode-se aplicar à ela a mesma lógica que apliquei a Ned Leeds:
Por que diabos alguém iria querer ser namorado de Michelle?
Não me refiro à aparência física, já disse, acho ela uma guria bonita, mas a seu comportamento. Michelle é uma engajadinha de biblioteca que faz tanto bullying contra Peter e Ned quanto Flash, mas os persegue pra fazer isso. Ela é, para Peter, o que a molecada chama de stalker, e o "stalkeia" pra tirar sarro e humilhá-lo com suas piadinhas maldosas.
Quem é que quer namorar essa vaquinha?
"Ah, mas a Michelle é muito mais do que vimos nesse filme...".
Talvez.
Tomara.
Porque baseado no que vimos nesse filme, a Michelle é uma personagem antipática e chata, que nada tem a ver com os outros interesses amorosos que já vimos na tela. A Mary Jane de Kirsten Dunst com toda a sua chatice, sabia estar lá pra dizer "pega eles, gatão" na hora em que Peter ouvia uma sirene da polícia e sabia que era sua responsabilidade ir atrás. E a Gwen de Emma Stone era simplesmente um sonho, capturando com maestria a namorada cuja morte todos os fãs do herói lamentaram por anos.
A Michelle Jones de Zendaya vai precisar comer muito arroz com feijão se quiser ganhar um espaço no coração dos fãs do herói.
-Tia May:
OK. Tia May é atraente.
Sai a frágil velhinha septuagenária de Rosemary Harris, ou a sessentona amorosa e proativa de Sally Field, entra a italiana bonitona de Marisa Tomei que desperta o desejo de toda a indústria de alimentação de Queens, do dono da lanchonete latino ao garçom do restaurante asiático, todo mundo que faz comida quer comer a tia do Bátima, digo, do Aranha.
Nada contra Marisa Tomei ou o Homem-Aranha ter uma tia que não apreça uma uva passa, o lance aqui é:
É mais uma medida para remover qualquer resquício de drama da vida do Homem-Aranha, tornando seus filmes mais leves, alegrinhos, descompromissados, enfim... Mais Marvel.
Aquela mulher saudável e bonita jamais vai estar com a saúde em frangalhos num futuro próximo.
A tia Marisa To-May não carece dos mesmos cuidados que a tia Sally, a tia Rosemary e especialmente a May dos quadrinhos que, era um, dois e estava desmaiando e sendo levada às pressas pro hospital.
Considerando o sistema de saúde dos EUA, uma velhinha doente era fonte inesgotável de drama familiar/financeiro pro personagem central, e, dessa forma, é fácil perceber porque ela foi trocada por uma versão jovem e saudável.
Nos filmes da Marvel não pode haver drama.
Ao menos não sem ser seguido de uma piadinha.
-Adrian Toomes/Abutre:
Um dos grandes acertos do longa, o vilão interpretado por Michael Keaton é um dos melhores vilões do passado recente da Marvel. Obviamente inferior ao carismático Loki de Tom Hiddleston, o vilão alado do De Volta ao Lar consegue pegar parelho com o Obadiah Stane de Jeff Bridges.
Suas motivações são conhecidas e bem embasadas, ele é ameaçador e esperto sem ser necessariamente um gênio criminoso, e tem ciência das próprias limitações, tudo isso o torna um ótimo vilão, que, de bônus, rompendo a tradição da Marvel nos cinemas, tão tem exatamente os mesmos poderes do herói. O que é deveras refrescante.
Aqui vai, então, o grande problema:
À certa altura do filme, na sequência de ação em Washington, o Homem-Aranha salva Liz, filha do Abutre, de um elevador em queda livre.
No final do filme, quando Peter vai buscar Liz em sua casa para o baile da escola, ele reconhece Adrian como o Abutre e o vilão o reconhece como o Homem-Aranha (mostrando que o disfarce do Superman é péssimo pois se mesmo com a cara toda coberta o disfarce do Homem-Aranha pode ser descoberto por causa da sua voz, imagine, então, usando apenas óculos e um penteado vagamente diferente...), de qualquer forma, o Abutre pede que Liz saia do carro pra ter aquela conversa com o namorado da filha e, diz pra ele "Eu sei quem você é, mas você salvou minha filha, então eu vou te deixar ir, mas se tu aparecer no meu caminho de novo eu te mato e mato todo mundo de quem tu gosta e blá-blá, blá..."
Até ali, o Abutre era um personagem sólido, ameaçador e esperto, mesmo sem ser um gênio. E nessa sequência, ele joga tudo isso pela janela ao cometer um erro crasso e absolutamente imbecil.
Mesmo se o Homem-Aranha em pessoa não fosse atrás do Abutre, conforme aconteceu, o Abutre já deveria saber que o herói de Queens é amigo do Homem de Ferro e faz um "estágio" na Stark, o que significa que ele obviamente tem laços com os Vingadores.
Se o Homem-Aranha não fosse tão idiota ele poderia simplesmente ir até a Stark Tower e falar pessoalmente com Happy Hogan explicando a situação e pronto. Happy avisaria Tony e os Vingadores cairiam em cima do Abutre e de sua gangue. Credo, o Visão, sozinho, demoliria o Abutre, o Shocker e o Consertador sem nem precisar mexer os braços.
O mais triste é que era fácil de resolver isso.
O Abutre poderia simplesmente ter atirado em Peter dentro do carro, e a sequência de ação final começava ali, e não apenas depois de Peter largar a Liz na festa...
-A Trama:
A história de Homem-Aranha: De Volta ao Lar segue exatamente a cartilha dos filmes de super-herói em geral, da Marvel em particular, mostrando a origem do vilão (A do herói também seria mostrada, mas foi pulada, colocando o holofote sobre o relacionamento de Peter com Tony Stark), o momento de crise existencial do herói, e seu confronto com o dito vilão, um embate que termina com o protagonista em desvantagem num primeiro momento, mas com o triunfo do herói no final. A família do herói e seus amigos aparecem, há um interesse amoroso, e três sequências de ação.
Como tudo que é feito seguindo uma cartilha, o resultado é correto, e nada além disso. É como estar com fome e comer um sanduíche de mortadela. Mata a fome, e segura a onda até a próxima refeição. E isso é tudo o que De Volta ao Lar fez. Foi apenas mais um tijolinho sem importância numa estrada levando à Guerra Infinita...
-O Traje:
O uniforme do Homem-Aranha ter sido um presente de Tony Stark foi tido por muita gente como uma grande sacada. Explicaria o que muita gente não consegue compreender, que é, como um adolescente conseguiria fazer, sozinho, um traje fodão como o usado por Peter Parker.
Bem, eu até concordaria se não fosse o fato de vários de nós já termos visto cosplays excelentes do traje aracnídeo feito por fãs em casa com material comprado em lojas de tecidos.
O uniforme de O Espetacular Homem-Aranha era um macacão de spandex bem semelhante aos utilizados pelos atletas de bosled, com lentes feitas de óculos de sol, e botas improvisadas a partir de tênis da Asics. Um moleque devidamente interessado e com tempo livre poderia perfeitamente fazer um traje melhor que o utilizado por Tom Hollando no desfecho de De Volta ao Lar.
O grande problema, porém, é que o traje dado por Tony Stark tem muito mais funcionalidades do que as lentes retráteis dos olhos. O uniforme tem pára-quedas, mais de quinhentas combinações de lança-teias, drone de reconhecimento, localizador holográfico, modo de interrogatório, modo de morte-instantânea, asas de teia, e até uma inteligência artificial chamada Karen, dublada pela linda Jennifer Connely, que está ali para que Peter, a exemplo da audiência-alvo do longa, não precise pensar.
Nada disso acrescenta coisa alguma ao personagem, e aparece no filme apenas pra fazer piadinhas.
O traje-aranha criado por Tony Stark é um dos pontos mais baixos do longa, e, o pior de tudo, inevitavelmente vai voltar, e provavelmente receber upgrades em Os Vingadores: Guerra Infinita.
-Tony Stark, figura paterna:
O Homem de Ferro de Robert Downey Jr. provavelmente é o retrato da Marvel em seus melhores momentos. Talentoso, esperto, divertido. Não é à toa que a Sony quis o personagem em Homem-Aranha: De Volta ao Lar, aceitando pagar uma fortuna a Robert Downey Jr. por sua participação que, não é tão grande quanto o trailer sugeria, mas é maior do que deveria.
E não me entenda mal. Eu curto demais o Tony Stark de Downey Jr., sempre acho um deleite vê-lo em cena, e compreendo que a Sony quisesse reforçar a relação desse novo Homem-Aranha com o Marvel Studios, o grande problema aqui foi pegar um personagem que já deu diversas demonstrações de impulsividade e até irresponsabilidade, e torná-lo o norte moral de um herói que tem como mote de vida que grandes poderes trazem grandes responsabilidades.
Tornar Peter Parker uma tiete de Tony Stark enfraquece Peter como personagem, pois ele deixa de ser uma figura inspiradora para se tornar apenas outro moleque da audiência que idolatra o Homem de Ferro. É, em nome do espetáculo, que nem é tão grandioso, esvaziar o protagonista.
-Peter Parker, sábio idiota:
O roteiro de De Volta ao Lar parece tentar equilibrar o Homem-Aranha/Peter Parker de Tom Holland no meio do espectro entre a pegada mais esperta de Andrew Garfield e o jeitão aparvalhado de Tobey Maguire com resultados que ficam apenas meia-boca.
Se por um lado temos um Peter Parker capaz de hackear o uniforme dado por Tony Stark e de criar seu próprio fluido de teia, por outro temos um personagem que é péssimo em interações sociais sem a máscara e que surge com alguns dos comportamentos mais infantis que um adolescente poderia ter.
Sua impaciência, seus chiliques, imaturidade e irresponsabilidade o tornam o menos gostável de todos os Peter Parker do cinema, e olha que eu sou o maior detrator de Tobey Maguire em todo o mundo.
O mais triste disso é que, novamente, esse personagem havia sido apresentado de uma forma muito interessante em Guerra Civil, e parecia que a Marvel estava com a faca e o queijo na mão para, finalmente, mostrar o Homem-Aranha/Peter Parker dos quadrinhos ao grande público. Infelizmente, meia dúzia de roteiristas não foram capazes de criar uma tradução à altura do personagem cinquentenário.
Nem mesmo a tentativa de oferecer um grande momento a Peter na sequência do armazém, quando Peter é soterrado sob toneladas de entulho e precisa se superar para conseguir se libertar, emulando a brilhante edição 33 de The Amazing Spider-Man, de 1966, sem porém, nada do peso da história original.
Essa sequência, talvez, seja o grande retrato de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, um produto bonitinho, que te lembra algo de que tu gosta muito, mas sem nenhum conteúdo para sustentar a forma.
É por isso que eu preciso dizer, com tristeza, que até o momento, Homem-Aranha: De Volta ao Lar, se destaca negativamente, sendo o pior exemplar de super-heróis do cinema em um ano recheado de filmes de gibi.
O pior de tudo é que a Marvel Studios tem um péssimo histórico de não aprender com seus erros, afinal, por que deveriam? O dinheiro entra de maneira obscena na conta da Disney mesmo com todos os problemas narrativos.
É necessário, então, se acostumar ao fato de que esse Homem-Aranha genérico e sem-graça, veio pra ficar...
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