Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
Pesquisar este blog
sexta-feira, 17 de agosto de 2018
Pedido de Ajuda
Consultório médico. Uma tarde úmida de meio de semana. Ele, calças pretas, agasalho de moletom preto e camiseta preta do Godzilla, sentado na frente da médica, jovem, loira, bonita, que o olhava do outro lado da escrivaninha algo confusa enquanto ele falava:
-Música, eu prefiro rock. Nas antigas eu não gostava de rock, rockão, mesmo. Preferia baladas. Mas o rock um pouco mais pesado, não heavy metal, mas hard rock, punk rock, foi um gosto adquirido... Eu fui conhecendo bandas e tomando gosto. Aprender inglês o suficiente pra entender as letras ajudou bastante, mas foi mais um processo de me habituar ao negócio, sabe? E hoje, AC/DC é, provavelmente, a minha banda preferida, ainda que eu goste de várias outras...
-Entendo... - Disse a médica, sentada do outro lado da mesa, de cenho levemente franzido como quem presta atenção.
-E eu não escuto só rock. É meu estilo preferido, mas se tu vasculhar meu celular, as minhas músicas vão de Lissie Trully a Simon e Garfunkel... Até alguns raps, eu tenho na playlist. Alguns, não. Dois. Mos Def e Eminem. Mas, sabe, não é como se eu tivesse a mente fechada a outros estilos. Eu ouço Cat Stevens... Chico Buarque... Mulheres de Atenas é ótima... Minha História, também... Tenho uma coisa com trilhas sonoras instrumentais, também, sabe... Mas enfim, sabe, não é como se eu tivesse a mente fechada. Eu tenho meu gosto musical, eu nem me arriscaria a dizer "bom-gosto"-
-Porque isso é subjetivo. - Disse a médica.
-Exato - Ele concordou. -Exato, todo mundo acha que tem bom-gosto. Meu pai ouve Djavan e acha que é bom. Diz que os shows do Djavan estão sempre cheios, e tipo, ninguém enche mais show que sertanejos e funkeiros, então...
-Não é parâmetro. - Ela completou.
-Exato. Não é parâmetro. De qualquer forma, é uma coisa muito cíclica, também. Eu sou do tempo da primeira onda do sertanejo, Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó, Christian e Ralf...
-Zezé di Camargo e Luciano... - Ela sugeriu.
-Isso. - Ele aquiesceu. -Era só o que tocava na TV e no rádio. Os caras tinham especial semanal na TV e tudo... Depois foi o pagode. Pra onde tu te virava tava tocando pagode. Raça Negra, Só pra Contrariar, Negritude Júnior, Molejo...
-Só Preto, Sem Preconceito... - Ela sugeriu, de novo.
-Isso. E, também, pra onde a gente se virava, era só o que tocava. Programas de auditório, rádio... Os caras tavam em todas e a cada semana aparecia outro. Depois veio o axé, depois o forró universitário, funk... Enfim, os ciclos andam. Idealmente...
-Idealmente. Sim... - Ela ponderou.
-De qualquer forma, eu sempre achei que meu gosto pra música fosse bom. As músicas que falam comigo, assim, apesar de algumas coisas de Coldplay, que é mais meloso, tendem a ser boas músicas... Eu acho. - Ele arriscou.
-Arram... - Ela concordou. -Eu concordaria.
-Mas eu tenho... Eu tenho tido um problema. - Ele disse, começando a parecer inquieto.
-E qual é? - Ela quis saber, entre o curioso e o aliviado.
-Barry Manilow. - Ele disse. Quase em um sussurro.
-Quem? - Ela perguntou, fazendo uma careta de confusão.
-Barry Manilow. O cantor... Sabe? I'm ready to take a chance, again... Ready to put my love on the line... Sabe? - Ele cantarolou.
-É vagamente familiar... - Ela assentiu.
-Pois então. Eu não sei o que fazer. Eu nem gosto, sabe, de Barry Manilow. Seria ridículo gostar de Barry Manilow. - Ele disse, quase se justificando.
-Por que? - Ela perguntou. A melodia era vagamente agradável, apesar de ele não saber cantar.
-Porque não se fica mais brega do que Barry Manilow, a menos que tu vá totalmente Liberace, doutora. - Ele concedeu como uma obviedade.
-Quem é liberati? - Ela não sabia quem era.
-Liberace era um pianista. Ele usava umas roupas além da explicação e penduricalhos o suficiente pra parecer uma árvore de natal montada pelo Mister T. - Ele explicou.
-E quem é Mister Ti? - Ela também não sabia quem era.
-Era o cara negro do Esquadrão Classe A. - Ele deu de ombros.
-Não vi esse filme... - Ela respondeu, ainda confusa.
-Não era um filme, era uma série. Bom, teve um filme, bem bacana, até, mas... Olha, deixa pra lá. Não é importante. O lance é que não se fica mais brega do que Barry Manilow. Tu já viu os vídeos setentistas dele? Todo de cetim e strass? Não... Não dá. Eu preciso de ajuda. Isso não é normal.
-Todo mundo usava cetim e strass nos anos setenta... - Ela disse, pensando brevemente no que se lembrava de ter visto de musicais setentistas -Por que tu precisa de ajuda?
-Porque eu escuto Mandy todas as noites antes de dormir! - Ele suplicou.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário