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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Resenha DVD: Desejo de Matar


Meu avô era um rematado fã de Charles Bronson. Era fácil fazê-lo ver um filme: Bastava que Charles Bronson ou Silvester Stallone estivessem na tela.
Talvez porque o seu Henrique se identificasse com ambos. A exemplo de Stallone, ele fora um apaixonado por boxe. Não fizera filmes a respeito, mas fora campeão da nobre arte na Argentina, onde viveu por alguns anos. E, a exemplo de Charles Bronson, tinha o físico compacto e sólido de um lutador encimado pela cara de um minerador siberiano. Ao lado de meu avô eu assisti a vários filmes de Charles Bronson. Kinjite, O Grande Búfalo Branco, Os Doze Condenados, e, obviamente, a série Desejo de Matar, onde Bronson interpretava um arquiteto novaiorquino que após ter sua família atacada por criminosos colocava em prática seu treinamento da época da Guerra da Coréia e levava terror aos bandidos que brutalizaram sua esposa e filha e todos os outros bandidos incautos que têm o azar de cruzar seu caminho.
Kersey entrou, se não no imaginário popular, no meu imaginário, como a figura definitiva do justiceiro durão que faz o que considera certo transformando vingança em justiça.
O personagem já era excessivo na época em que as sequências dos filmes originais foram lançados. Se o primeiro fazia algum sentido com sua história tomando lugar na violenta Nova York de 1974, e o segundo, de 1982 tornava a família Kersey a mais estatisticamente azarada dos Estados Unidos, do terceiro em diante as coisas simplesmente descambaram com Kersey sendo um quase super homem cuja mira e a força sobre-humana só aumentava conforme ele se aproximava dos setenta anos de idade. O quinto filme, de 1994, eu nem me lembro bem de ter assistido, mas o terceiro (eu acho) onde Kersey enfrentava uma gangue de marginais meio punks, certamente era meu favorito, e ainda hoje é um grande programa, se não pela ação do filme por sua comédia involuntária, onde velhinhas comemoram efusivamente que "O sr. Kersey está lá embaixo matando uma porção de bandidos!".
Tendo em vista que os tempos são outros, masculinidade é considerada ruim, heterossexualidade, também, e homens brancos só se prestam ao papel de vilões, eu devo dizer que fiquei mais do que surpreso, mas quase chocado, quando soube que Desejo de Matar teria um remake.
Sério.
Eu não conseguia pensar em um filme que fizesse menos sentido pro momento norte-americano do que um longa onde um homem branco e heterossexual de meia-idade se arma para massacrar os bandidos que brutalizam sua família, mas eis que ali está Paul Kersey de novo.
Agora um médico com a cara de Bruce Willis vivendo em Chicago (provavelmente porque a cidade tem números de violência armada superiores ao resto dos Estados Unidos), Paul Kersey leva uma vida idílica no subúrbio com sua esposa Lucy Kersey (Elizabeth Shue, em uma quase ponta) e a filha Jordan (Camila Morrone).
Lucy está prestes a conseguir seu doutorado, Jordan pronta para entrar para a faculdade e a única parte da família de Paul que não vai de vento em popa é seu irmão Frank (Vincent D'Onofrio), frequentemente desempregado e que volta e meia aparece pra emprestar uns trocados do irmão bem-sucedido.
As coisas mudam de figura violentamente quando, em uma noite em que Paul precisa cobrir um colega no hospital, sua casa é atacada por três assaltantes. Após uma reação de Jordan e de Lucy, a mãe é assassinada e a filha entra em coma (nessa versão as duas garotas Kersey são poupadas dos estupros da versão original), deixando Paul sozinho para lidar com a dor da perda e tentar digerir o fato de ter falhado em sua missão primordial como pai de família: Proteger suas mulheres.
Inevitavelmente Paul percebe que a polícia, transbordando de trabalho, é incapaz de levar os criminosos à justiça, e resolve, ele próprio, abraçar essa missão.
Conforme o doutor deixa de lado a sua missão de salvar vidas e passa a tirá-las, seus feitos viralizam na internet, e ele se torna o centro das atenções midiáticas ao mesmo tempo em que precisa lidar com o coma da filha, a manutenção de seu anonimato, e a sua investigação particular para encontrar os homens que lhe tomaram a razão de viver.
É bem porcaria.
A despeito de estarmos predispostos a acreditar que Bruce Willis é capaz de realizar os feitos que o roteiro sugere porque, afinal de contas, ele é John McLane há anos, é difícil comprar a completa e diametral mudança de inclinações de um médico pacifista que se recusa até mesmo a falar palavrão pro bunda-mole no jogo de futebol em um assassino frio e calculista que mete bala em vagabundo agonizando no asfalto da rua e esmigalha assaltante com chassi de carro e macaco-hidráulico enquanto dispara frases de efeito.
Por mais que sejamos capazes de crer que a morte de um ente querido em circunstâncias violentas fosse mexer com uma pessoa, vê-la mudar tão profundamente, tão rapidamente, é forçar a amizade. Especialmente porque o script de Joe Carnahan até começa levando a falta de experiência de Paul com armas em consideração, ele se machuca por não saber segurar uma pistola, se atrapalha na hora de destravar a arma, mas, logo ali na frente, ele se tornou um filhote de Rambo porque o andamento da história demanda que seja assim, e porque ninguém quer ver um "Desejo Reprimido de Matar" após o trailer mostrar Paul sorridente conversando com sua terapeuta sobre continuar o que tem feito ao som de Back in Black.
Talvez, se fosse um filme de época, situado nos anos 70, este remake fizesse um pouco mais de sentido, mas perderia parte de seu frescor, já que a explosão midiática do "ceifador sinistro", apelido dado a Kersey por conta de seu agasalho com capuz que esconde seu rosto e o faz parecer a representação da morte nos vídeos de sua primeira incursão contra o crime é uma das coisas interessantes de Desejo de Matar.
Ver a expressão de felicidade de Kersey ao assistir programas de TV sobre seus feitos e os memes gerados por sua faceta vigilante ao mesmo tempo faz todo o sentido do mundo e é completamente sem-noção. Paul perdeu sua razão de viver, mas encontrou uma nova em sua missão de vingança, ao mesmo tempo, sua filha continua em coma no hospital onde ele trabalha.
Willis, aos sessenta e três anos, está longe de ser um ator terrível, e oferece mais a Desejo de Matar do que o roteiro oferece a ele. O ator se mantém o máximo que pode ao largo da caricatura, tentando calibrar um pouco de dignidade a um personagem absurdo.
Dean Norris, como o detetive Rains têm pouco o que fazer exceto parecer intrigado, e sua parceira a detetive Jackson (Kimberly Élise) ainda menos que isso. D'Onofrio consegue espremer uma humanidade muito pessoal de um acessório de roteiro e torná-lo o personagem mais humano e gostável do filme, e meio que é isso.
Desejo de Matar flerta com autoconsciência e auto-paródia, mas acaba sendo apenas um convencional filme de ação onde o marido e pai toca o terror na bandidagem evocando a segunda emenda da constituição americana.
Objeto de interesse apenas para fãs de Bruce Willis, dá tranquilamente pra esperar passar na TV.

"-Quem é você?
-Seu último cliente."

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