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quinta-feira, 4 de abril de 2019
Resenha Cinema: Shazam!
Quando a Warner resolveu capitalizar em cima de seu universo cinematográfico compartilhado de super-heróis, aparentemente houve um comunicado que rolou entre os executivos falando algo que, em linhas gerais, se poderia reduzir a "menos humor".
A ideia, provavelmente, era se desvincular de comparação com o MCU, o universo cinemático da Marvel, sua maior concorrente, e surfar a muitíssimo bem-sucedida onda da trilogia das trevas de Christopher Nolan, com seus respectivamente excelente, perfeito, e ótimo filmes do homem-morcego em sua pegada mais colhuda e pé no chão.
O resultado foi Homem de Aço, uma reimaginação do Superman que jamais sorria e que era incapaz de impedir a devastação de sua cidade adotiva, Batman vs. Superman: A Origem da Justiça, que transformou o cruzado encapuzado em um assassino em massa meio tacanho e o homem do amanhã em um dependente de Prozac, e Esquadrão Suicida que é algo do qual é melhor nem falar a respeito...
A maré começou a virar para a Warner com Mulher Maravilha, de Patty Jenkins, Um filme muito mais leve e colorido, com uma protagonista otimista e sorridente que apontou um caminho melhor para o estúdio com um estrondoso sucesso de público e crítica.
O resultado imediato foi o problemático Liga da Justiça, um filme do qual eu gostei, mas que jamais encontrou seu tom, tornando-se um Frankenstein entre o niilismo vazio de Zack Snyder e a pegada nerd de Joss Whedon que acabou tornando-se o maior fracasso do recém nascido DCUE. Mas o caminho já havia sido apontado, e o filme seguinte do selo, Aquaman, caminhava nos passos certos, tornando-se o maior sucesso financeiro da nova fase super-heroica do estúdio e sendo colorido, divertido e aventuresco como nenhum outro filme sob o selo da caixa d'água ainda ousara ser.
Após ter falhado em assistir ao filme do rei dos mares em tela grande, ontem consegui encontrar uma pré-estréia de Shazam! num horário razoável no cinema perto de casa, e, bom nerd que sou, toquei pra lá pra conferir o longa de David F. Sandberg (egresso do cinema de horror como o James Wan de Aquaman) a respeito do herói com a sabedoria de Salomão, a força de Hércules, a resistência de Atlas, o poder de Zeus, a coragem de Aquiles e a velocidade de Mercúrio.
Shazam abre com um flashback.
O ano é 1974 e o pequeno Thaddeus Sivana se dirige à festa de natal de seu avô ao lado do pai (o sumido Donald Glover, o Lionel Luthor de Smalville) e do irmão mais velho quando é transportado até a Pedra da Eternidade e confrontado com o mago Shazam (Djimon Honsou, fazendo Marvel e DC no mesmo ano) que o testa para ver se ele é digno de se tornar o campeão da ordem dos sete magos e proteger o mundo da influência dos Sete Pecados Capitais.
Quando falha em suportar a tentação, o pequeno Thaddeus volta ao carro do pai dando um chilique que culmina com um grave acidente automobilístico, e um convite das criaturas aprisionadas no santuário do mago: Encontre-nos.
Corta para os dias de hoje.
O jovem Billy Batson (Asher Angel) é o delinquente limpo e de cabelo bem cortado mais murrinha que encontraremos no cinema. Aos quatorze anos, ele vem fugindo de lares adotivos desde que se perdeu de sua mãe anos atrás e se tornou um encrenqueiro obstinado em reencontrá-la mesmo que seja à custa de seu registro juvenil e da saúde mental de todas as famílias que desistiram dele após suas fugas sucessivas.
É quando Billy conhece os Vasquez.
Victor e Rosa (Cooper Andrews e Marta Milans), pais adotivos sempre dispostos a receber mais um filho em seu lar modesto no subúrbio da Filadélfia (Sem Fawcett City, como nos quadrinhos, tornando Shazam o primeiro herói da DCUE sem sua própria cidade no cinema...).
Lá Billy conhece seus novos irmãos, a pequena Darla (Faithe Herman), o viciado em tecnologia Eugene (Ian Chen), o caladão Pedro (Jovan Armand), a estudiosa Mary (Grace Fulton) e o nerd Freddy (Jack Dylan Glazer) que compõe o multiétnico lar dos Vasquez.
Ainda que seja bem recebido, Billy não está interessado em acolhimento, mas em continuar sua busca por sua mãe biológica.
As coisas fazem uma curva para o mais estranho quando após anos e anos de pesquisa o agora adulto doutor Thaddeus Sivana (com a cara de Mark Strong, vivendo seu segundo vilão clássico da DC após sua correta interpretação de Sinestro no malfadado Lanterna Verde) consegue encontrar o caminho para santuário que visitara na infância e se unir aos Sete Pecados Capitais obrigando o enfraquecido Mago Shazam, a encontrar um campeão tão rapidamente quanto possível.
É quando Billy, após interceder em favor de Freddy em uma briga com valentões da escola é transportado até a Pedra da Eternidade e recebe a dádiva dos poderes de Shazam, invocadas ao proferir o nome do mago, tornando-se um enorme super-herói embrulhado em colante vermelho e dourado com a cara de Zachary Levi.
De volta ao nosso mundo, Billy, com a ajuda de Freddy, um connoisseur de super-heróis aficionado por Batman, Superman e Aquaman começa a conhecer seus poderes e tentar usá-los para seu benefício. Tudo acontece tranquilamente até Dr. Sivana, descobrindo a existência do (não tão) herói, partir em seu encalço para roubar-lhe os poderes e se tornar o único detentor da magia de Shazam no mundo, garantindo que não haja ninguém capaz de deter os Sete Pecados, e a única pessoa em seu caminho é Billy, se ele conseguir amadurecer o suficiente para usar seus novos poderes para algo que não seja sua própria diversão e lucro.
Eu não sou capaz de me lembrar de um filme de super-herói que possa ser descrito com essa palavra, mas Shazam! é adorável.
O longa escrito por Henry Gayden e Darren Lemke é fofo de maneira que outros longas de quadrinhos jamais ousariam ser, e isso faz todo o sentido para quem conhece o personagem nos quadrinhos.
O maior super-poder do Capitão Marvel (nome do personagem durante décadas até a DC se tocar que tinha um herói com o nome da maior rival em seu panteão) nos quadrinhos nunca foi necessariamente sua super-força, super velocidade, invulnerabilidade ou a capacidade de lançar relâmpagos das mãos ou voar, mas a inocência infantil de uma criança no corpo de um bólido que rivaliza em poder com o Superman (se duvida, leia a história de Paul Dini e Alex Ross Shazam - O Poder da Esperança).
O elenco afinadíssimo é outra boa sacada. Cada um dos filhos adotivos dos Vasquez é um de nós, ou o irmão que gostaríamos de ter, enquanto Victor e Rosa são aquele tipo de pessoa que simplesmente não existe de tão bons.
Mark Strong empresta ameaça e tormento a seu Dr. Sivana, fazendo-o um personagem malvado e trágico em certa medida, enquanto Asher Angel faz de Billy Batson um personagem relacionável e tem os momentos mais emocionais do filme, mas é a química entre Levi e Glazer a cereja do bolo de Shazam!.
Se individualmente os dois estão ótimos, com Glazer sendo a criança que tenta chamar a atenção para si e idolatra super-heróis que podem fazer tudo o que ele não pode, e Zachary Levi está excepcional em sua abordagem de Shazam, interpretando o personagem com a alegria de um fanboy numa loja de gibis sem fim, a relação dos dois é ouro puro, facilmente a melhor parte do longa.
As sequências em que os dois trabalham juntos para testar a extensão das habilidades de Billy em sua forma super-heroica são excelentes (o momento em que os dois vão à imobiliária procurar um esconderijo é particularmente absurda e hilária), e quando Freddy tenta imbuir Billy de um pouco de consciência heroica, é tocante que a relação dos dois jamais soe forçada ou cretina (ou seja, é a antítese da relação entre Peter e Ned em De Volta ao Lar).
Shazam! é um feel good movie de super-herói que jamais nos deixa envergonhados por nos fazer sentir bem, e sucede com uma pegada leve, divertida e encantadora que não caberia em nenhum outro personagem.
Sim, o filme tem seus defeitos, os Sete Pecados não são exatamente vilões interessantes, e visualmente não chegam a impressionar, Shazam não é tão parecido com Billy quanto poderia, o que pode atrapalhar já que, em teoria, Levi e Angel interpretam o mesmo personagem, e o terceiro ato segue a cartilha de todos os outros filmes de super-herói já lançados com a troca de murros entre o mocinho e o bandido, mas mesmo assim, o longa transborda tanto coração que esses defeitos não atrapalham em absolutamente nada a diversão que Shazam! proporciona, e mesmo esse embate final entre Shazam e Sivana, aliás, tem um dos momentos mais calorosos que eu vi em um filme de super-herói em todos os tempos, totalmente de acordo com a mensagem familiar do longa, e é repleto de participações especiais muito bacanas.
Esqueça aquele universo expandido DC soturno, escuro e cheio de angústia.
Mulher Maravilha, Aquaman e agora Shazam mostram que os fãs de quadrinhos mundo afora podem ficar tranquilos com relação à outra metade de seus personagens favoritos. A Warner também encontrou seu caminho.
Assista no cinema.
"-Qual o ponto de ter super-poderes se você não tiver com quem dividir?"
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