Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020
Resenha Série: Better Call Saul, temporada 5, episódio 1: Magic Man
Em nome de Stan Lee, quanto tempo...
Foi uma ocasião agridoce sentar ontem à noite para assistir uma sessão dupla de Better Call Saul após longo e tenebroso inverno (eu odeio esses hiatos). Por um lado doce, já que fazia um ano e quatro meses desde a última aparição do nosso advogado favorito no que é certamente a melhor série em exibição na TV/serviços de streaming atualmente, amarga porque eu achei que teria visto os dois episódios na mais doce das companhias, o que não se confirmou...
Mas enfim, Magic Man abre com uma longa sequência do presente, em Omaha, onde "Gene", o gerente da Cinabon parece ter a mais inabalável certeza de que, não apenas foi reconhecido, mas está sendo seguido por alguém. O nosso herói se reborca para tentar antever um contato inesperado, mas nada acontece até que, quando sua guarda está baixa, ele é surpreendido.
A situação é tão tensa que ele eventualmente liga para a loja de aspiradores em busca de uma nova rota de fuga, mas algo acontece, e nós voltamos ao passado, quando Jimmy McGill recuperou sua licença para advogar e informa a Kim que vai exercer o direito sob o pseudônimo de Saul Goodman, aproveitando-se dos contatos que fez ao vender seus celulares descartáveis não-rastreáveis.
A advogada está bastante dividida com essa nova persona de Jimmy. Não apenas com a empolgação dele, ou com a maneira que ele usou para recuperar sua licença e a facilidade que ele tem para bolar esquemas e enganar pessoas, mas com o fato de que, embora ela continue lutando contra os instintos mais baixos de Jimmy, ela não consegue encontrar uma forma de negar a utilidade deles, conforme a sequência com seu cliente, Bobby, deixa bastante claro.
Enquanto Kim luta com a sua própria Moral, Jimmy abraça com fervor o relativismo da sua com direito a uma barraquinha para distribuir telefones e cartões de visita às camadas mais propensas ao crime de Albuquerque, ternos coloridos e cabelo de pastor evangélico enquanto espalha a palavra sobre suas habilidades de mago legal, que Huell tem prazer em confirmar à fila de clientes em potencial.
Enquanto isso, a escapada de Werner segue cobrando seu preço.
A obra do superlaboratório de Gus precisou ser parada após Lalo Salamanca descobrir, ao menos parcialmente, os planos para a edificação. Os trabalhadores europeus foram dispensados e o dono da Los Pollos Hermanos foi forçado a abrir, ao menos em parte, seus planos de construção com Lalo chegando ao local com Juan Bolsa (Javier Grajeda) a tiracolo para fazer uma mediação após problemas com a mercadoria dos Salamanca.
Se o triste fim do engenheiro alemão tem um peso financeiro para Gus, ele tem um peso muito maior na alma de Mike, que ficou realmente abalado com o desfecho do caso, e ainda precisa lidar com as ameaças veladas de seu empregador.
Falando em chefes ameaçadores, Nacho não tem nem um segundo de sossego nessa vida já que, à essa altura, está trabalhando tanto para Lalo quanto para Gus, no pior tipo de missão de agente duplo que poderia existir.
A quinta temporada de Better Call Saul começa metendo o pé na porta e mantendo o absurdo grau de qualidade da série enquanto nos prepara para ver, de fato e de direito, o começo da caminhada de Saul Goodman sobre o mundo criminoso de Albuquerque (eu nem sei quantas vezes disse exatamente isso em temporadas passadas) e o momento em que seu caminho irá se cruzar com o de Lalo Salamanca. Como é bom tê-lo de volta.
"-Eu mudei de ideia. Eu cuido disso."
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020
Resenha Série: Star Trek: Picard, Temporada 1, Episódio 5: Stardust City Rag
Na semana passada eu havia reclamado da cara de "missão da semana" que Star Trek: Picard estava ganhando em seus episódios mais recentes, mas havia elogiado o fato de a tripulação da La Sirena ter, finalmente, aparecido toda junta para que pudéssemos ver a trama realmente andando dali em diante.
O surgimento de Sete de Nove (Jeri Ryan) para um galante resgate no desfecho do capítulo me fez pensar que o caminho seguiria com uma tripulante da Voyager dividindo espaço com o capitão da Enterprise D pelo resto da série, e essa era uma perspectiva que me agradava imensamente, eu estava pronto para ver o seriado entrar em velocidade de dobra ao chegar à sua metade.
Stardust City Rag começa com um flashback, treze anos no passado, quando a contrabandista de partes Borg está arrancando o olho de um pobre desgraçado sem anestesia. Sete de Nove chega a tempo de matar a cirurgiã, mas não de salvar o sujeito. A única coisa que ela pode fazer, é poupá-lo do sofrimento oferecendo-lhe uma morte rápida. Nós descobrimos que esse ex-borg era Icheb, e que ele era o que Sete de Nove tinha de mais próximo de uma família até que a contrabandista de partes Borg Bjayzl (Necar Zadegan) colocar as mãos nele.
Para piorar, Bjayzl descobrira a respeito de Icheb manipulando Sete, que agora, descobrindo o paradeiro da contrabandista, tem a oportunidade de se vingar. É aí que os interesses dela se cruzam com os da tripulação da La Sirena, já que Bjayzl mantém Bruce Maddox como prisioneiro.
Picard, Raffi e Sete bolam um plano para entrar na cidade de Stardust e recuperar o cientista que pode ter a resposta sobre a localização de Soji, e, para isso, precisarão criar um estratagema para conseguir uma audiência com Bjayzl e trocar Maddox por algo que desperte o interesse da contrabandista. Algo único e que apenas Sete de Nove pode oferecer...
Meus sentimentos para com Star Trek: Picard se tornam mais e mais conflitantes a cada episódio. Stardust City Rag, permeado pelo tema de interpretar papéis, enganação e trapaça foi mais um capítulo divisivo pra mim. Se por um lado eu gostei da linha narrativa envolvendo Raffi e seu filho, Gabriel, uma pequena sequência de cenas que realmente acrescentou à personagem a humanizando e a mostrando como um ser humano falho e problemático, e gostei, não apenas de rever Jeri Ryan como Sete de Nove, mas também das justificativas para suas ações, todas bem fundamentadas dentro do que o episódio oferece, por outro é cada vez mais difícil pra mim entender como o futuro de Star Trek se tornou tão miserável em pouco mais de uma década...
Como surgiram esses sindicatos do crime, essas terras sem lei, como a Federação falhou tão absolutamente em tão pouco tempo após tantos e tantos anos de sucesso em sua missão?
Não me entenda errado, eu não sou avesso a mudanças quando elas são justificadas e servem para contar uma grande história, mas até aqui a história de Star Trek: Picard não é assim tão boa e me parece desconfortavelmente estranho que uma conspiração contra os androides, digo, "sintéticos", tenha, em quatorze anos, levado a Federação tão baixo a ponto de esquecer rapidamente tudo aquilo que representava.
Jornada nas Estrelas jamais foi uma série que se esquivou de abordar temas relevantes do presente em sua visão de futuro, mas a Federação é, e sempre foi, a humanidade que deu certo. Ainda havia pessoas más, ainda havia malícia e egoísmo, mas isso não era a regra. Os ideais de coexistência, aprendizado e especialmente de integração. Star Trek jamais foi sobre subjugar seus inimigos, mas sobre fazer as pazes com seus adversários, e sempre funcionou assim, de modo que a visão que Star Trek: Picard tem apresentado a cada episódio sempre tranca na goela, pra mim.
De toda a sorte, nesse episódio ao menos nos livramos de Soji e Narek, e, ainda mais um segmento dessa conspiração infinita surgiu em uma inesperada sequência no fim do episódio.
Star Trek: Picard chega à metade claudicando. As promessas dos primeiros capítulos não se concretizaram até o momento, e o rocambole conspiratório que (não) move a trama não para de se enrolar sobre si mesmo.
É melhor a série começar a funcionar na segunda metade da temporada, ou a jornada de Jean-Luc pode terminar bem rápido...
"-Nós ainda estamos fingindo?"
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020
Resenha Filme: Os Mortos Não Morrem
Sábado, enquanto os blocos varriam a Cidade Baixa em Porto Alegre, eu estava tranquilamente aquartelado em meu covil mais do que disposto a não ouvir nem sequer uma única nota de samba-enredo, pagode, axé ou funk durante os quatro dias da folia de Momo.
Não foi particularmente difícil. Foi-se o tempo em que o carnaval era uma ditadura e o sujeito não tinha pra onde se virar se fosse alheio ao ziriguidum. Com o advento de videogames, serviços de streaming, TV a cabo e aluguéis digitais, o carnaval tornou-se genuinamente democrático, e eu só fui ver qualquer coisa relacionada aos festejos enquanto assistia o noticiário de ontem.
No sábado, porém, eu pedi comida pelo telefone, e, quando ela chegou, saí à caça desse Os Mortos Não Morrem, de Jim Jarmusch, mesmo do excelente Amantes Eternos, cujo trailer eu havia visto, sei lá, na metade do ano passado, e estava com vontade de ver desde então.
A comédia de zumbis de Jarmusch se passa na cidadezinha de Centerville.
A pacata cidade que conta com apenas três policiais tão habituados à suas rotinas que até ser recebidos a tiros pelo eremita local não os faz se enervar vê as coisas mudarem de figura quando o fato de a Terra estar fora do seu eixo (uma iniciativa governamental em nome de energia que, garantem as autoridades, não é motivo de preocupação e nem é ruim para o meio-ambiente) começa a provocar mudanças na vida de todos.
Primeiro, os dias se tornam mais longos, não há entardecer, a noite simplesmente cai. As telecomunicações não funcionam direito e telefones celulares tornam-se inúteis. Como se isso não fosse o suficiente, os mortos começam a se levantar de seus túmulos para se alimentar da carne dos vivos.
Inicialmente a resposta do chefe de polícia local, Cliff Robertson (Bill Murray), é esperar que as coisas se acalmem, embora o oficial Ronnie Peterson (Adam Driver) tenha certeza de que as coisas vão acabar mal, e a oficial Mindy Morrison (Chloë Sevigny) simplesmente não tenha estrutura emocional para lidar com a infestação de zumbis.
Enquanto a polícia decide o melhor curso de ação conforme suas suspeitas se tornam certezas, o restante da população da cidade lida com a crise cada um à sua maneira. O fazendeiro racista Frank Miller (Steve Buscemi, com direito a um boné vermelho ostentando uma versão da frase de campanha de Donald Trump) se enfurna em sua propriedade com seus rifles atirando nos invasores trôpegos. O dono da ferragem local, Hank (Danny Glover) se junta a Bobby (Called Landry Jones), o nerd que gerencia o posto de gasolina/loja de memorabília nerd da cidade, e ambos montam uma barricada na loja do primeiro. A papa-defunto Zelda Winston (Tilda Swinton) não parece preocupada com a situação nem mesmo quando os cadáveres na mesa de sua funerária começam a se levantar, forçando-a a agir com sua katana, enquanto o eremita Bob (Tom Waits) observa tudo à distância, com binóculos em meio à mata.
A premissa de Os Mortos Não Morrem é tão básica quanto podem ser as premissas de fitas de zumbi. Está tudo lá, a cidadezinha, os policiais tentando lidar com a situação, a pletora de personagens, daqueles que simpatizamos àqueles que devemos torcer para serem devorados, mas esse é um filme de Jim Jarmusch, então a obviedade da coisa toda fica na premissa.
Antes mesmo de os cadáveres reanimados começarem a se levantar, o longa mergulha com força na metalinguagem, com Ronnie informando ao chefe que a canção no rádio, The Dead Don't Die, de Sturgill Simpson, parece familiar por ser a música-tema do filme. O resultado é por vezes termos os personagens reafirmando, para a audiência, coisas que o filme já deixara claro na sua própria narrativa, como o fato de que, de certa forma, esses cabeças-oca já estavam mortos antes de serem devorados pelos cadáveres. Isso não é uma falha, mas uma decisão consciente de Jarmusch, que decide cutucar a audiência, explicando a piada conforme a conta para garantir que todos entendam, mesmo as pessoas que, a exemplo dos zumbis na tela, andam pelas ruas com o celular na mão murmurando "Wi-fi...", enquanto dá um sorriso e uma piscadela para o sub-gênero dos filmes de mortos-vivos e para a parcela da audiência que entendeu a mensagem:
Isso vai acabar mal.
Porque não importa sob qual ponto de vista o espectador se alinhe, o de Ronnie, que sabe que estamos condenados mas mantém uma fagulha de curiosidade acadêmica sobre como esse fim está chegando, Zelda, que parece estar mais interessada em outras coisas para prestar atenção à carnificina que se desenrola ao seu redor, ou o Chefe Robertson, entristecido com o desperdício de potencial, ou o eremita Bob, que não é mártir nessa história, mas testemunha, a ideia por trás de Os Mortos Não Morrem é pessimista. Fatalista, até, conforme as últimas linhas do filme atestam.
Sob as lentes do cinematógrafo Frederick Elmes Jim Jarmmusch filma com indiscutível elegância o seu estrelado elenco (que ainda conta com Rosie Perez, RZA, Larry Fessenden, Selena Gomez, Austin Butler, Iggy Pop e Carol Kane, entre outros) navegar por essa história de horror autoconsciente que, na melhor tradição dos longas de horror e ficção científica dos anos 50/60, é uma metáfora para os horrores do mundo real, e, a exemplo dos filmes de zumbi de George Romero, mostra um apocalipse zumbi que não é mais senão uma versão anabolizada da ruína social que presenciamos todos os dias.
Centerville é o mundo em uma casca de noz. Cultural e economicamente decadente, habitada por gente vazia presa à uma rotina sem sentido de uma maneira tão flagrante que a única diferença quando se instaura o horror morto-vivo é o canibalismo, e quando eles percebem a gravidade da ameaça, já é tarde demais, porque eles passaram muito tempo em negação, e, ainda na estirpe dessa qualidade de filmes de horror/ficção, a extinção vem pelas mãos da própria humanidade, que é excessivamente ignorante e gananciosa para se dar conta que é a agente da própria tragédia.
Não é difícil perceber que Os Mortos Não Morrem não é pra todas as audiências. Ter nosso nariz esfregado na sujeira não é uma experiência aprazível, mas, para aqueles com um mínimo de sagacidade e capacidade para rir de si próprio, certamente vale assistir.
Os Mortos Não Morrem é um filme perspicaz, elegante, e que não se leva a sério, e isso sempre merece audiência.
"-Tão famintos... Mas já passaram um bocado de seu prazo de validade."
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020
Resenha Cinema: O Chamado da Floresta
Eu não sou um profundo conhecedor dos escritos de Jack London. O pouco que sei, porém, me faz pensar que o romancista era obcecado com garimpeiros e cães. Jamais li nenhum de seus livros, e o único filme baseado em sua obra que realmente assisti foi um dos segmentos de A Balada de Buster Scruggs (apesar de ele ser autor do livro que originou Caninos Brancos e mesmo esse O Chamado da Floresta ter tido uma generosa quantidade de adaptações ao longo das décadas), de modo que não foi o nome do autor ou o livro no qual o filme se baseia (eu não sei com que grau de fidelidade), que me levaram ao cinema.
Na verdade foi a mera ideia de um homem vivendo uma aventura no ermo com seu cachorro, por mais que o CGI do cão Buck, no trailer não fosse exatamente de encher os olhos (no filme ele está consideravelmente melhor polido). Harrison Ford, Omar Sy, uma aventura canina no Alaska... Me pareceu um filme que eu gostaria de ver, e então ontem eu corri pra casa depois da academia para estar no cinema mais perto de mim no horário da única sessão legendada do longa de Chris Sanders em seu primeiro (quase que totalmente) live action.
No longa, ao fim dos anos 1890 a descoberta de ouro na região do Yukon, junto ao rio Klondike no norte do Canadá deu origem a uma corrida do ouro sem precedentes na América do Norte, com milhares de homens se aventurando nas terras inóspitas às bordas do círculo polar em busca do minério.
A região gélida, coberta de neve durante praticamente três estações por ano, gerou uma enorme demanda por cães capazes de puxar trenós, a única forma confiável de viajar pelo território.
Um dos cães enviados ao Yukon foi Buck.
Buck era o cão de estimação de um juiz (Bradley Whitford) na Califórnia. Mimado por todos os habitantes da cidade de Santa Clara, ele era um cão bagunceiro cuja ideia de punição era dormir na varanda da bela casa do magistrado, até que um sujeito viu no grande porte do animal a oportunidade de conseguir uns trocados ao vendê-lo para prospectores a caminho do norte.
Buck foi sequestrado, trancado em uma caixa, e viajou de carroça, trem e barco. Foi espancado e passou fome e sede até que aprendesse a responder aos comandos do porrete e pudesse ser vendido.
Chegando ao Yukon, Buck começa uma jornada que cruzará o seu caminho com o de pessoas tão distintas quanto o carteiro Perrault (Omar Sy), o aspirante a garimpeiro Hal (Dan Stevens), e o eremita John Thornton (Harrison Ford), passando por aventuras e desventuras que irão moldar e transformar Buck, e todos aqueles que o cercam e têm suas vidas tocadas por ele.
Antes de mais nada, eu não sei por que, todas as críticas que eu li a respeito de O Chamado da Floresta são negativas, então deixe-me dizer:
Não acredite nessas críticas.
O longa é ótimo!
O Chamado da Floresta é um filme de família que combina drama, aventura, e calidez em uma embalagem majestosa e grandiloquente como a Disney de seus melhores dias (quando o estúdio era mais do que a Marvel, remakes de suas animações clássicas e a destruição de Star Wars).
Através da lente de Chris Sanders, diretor de Lilo & Stitch, Os Croods e o excelente Como Treinar o seu Dragão, o Yukon se transforma em um lugar tão inóspito quanto mágico, e cada percalço no caminho de Buck se torna um pedaço de uma grande aventura com cara de matiné de antigamente. É eletrizante, tocante, engraçado, estrelado por cães criados digitalmente para mesclar a aparência de cachorros de verdade com a personalidade e o espectro emocional de cachorros de desenhos animados gerando um resultado que é terno e majestoso em mesma medida (e a audiência ganha o bônus de saber que nenhum animal de verdade passou pelas situações que vemos na tela).
Não bastasse ser tecnicamente excepcional, o roteiro de Michael Green (de Logan e Blade Runner 2049) ainda consegue inserir um sem-número de lições de vida edificantes na jornada de Buck. Durante seu calvário o cão aprende a importância de trabalhar em equipe, de fazer o que é certo em face da adversidade, se orgulhar de seu trabalho, acreditar nos próprios instintos e de jamais esquecer as lições ensinadas pelas pessoas que passam pela nossa vida, mesmo quando elas se vão.
Se as estrelas do longa são os cachorros, há um qualificado elenco humano para ajudá-los a desenvolver a narrativa. Omar Sy finalmente ganha um papel à altura de seu talento em um filme de Hollywwod, e transborda carisma, Cara Gee está ótima, Dan Stevens tem pouco a fazer em cena e Karen Gillan faz uma ponta, quem realmente surpreende, porém, é Harrison Ford.
O veterano há anos parecia um astro que se cansou de Hollywood. O último filme "recente" em que ele não parecia estar no piloto automático havia sido 42: A História da uma Lenda, mas atrevo-me a dizer que, em O Chamado da Floresta, ele realmente parece acreditar no texto, se importar com a história, e percorrer a distância para vendê-la de verdade como ator e como narrador do filme. O resultado é a melhor performance do homem mais próximo de Deus em Hollywood em muito, muito tempo.
O longa por vezes é triste, por vezes é violento, mas a vida também é, e nem sempre tem a candura de O Chamado da Floresta. Então, novamente, ignore as críticas, e vá assistir ao longa. Ele vale o teu tempo, e vale o dinheiro do ingresso. Não é sempre que temos a chance de ser divertidos, emocionados e aprender alguma coisa em uma hora e quarenta minutos.
Veja no cinema.
"Buck era um cachorro como nenhum outro. Ele foi mimado. Ele sofreu. Mas ele jamais foi quebrado."
Resenha Filme: Doutor Sono
Hoje em dia, eu não tenho a melhor das relações com filmes de horror, o que não deixa de ser irônico considerando que, na minha infância, o gênero dividia minha preferência com a ficção científica levando, quiçá, alguma vantagem na comparação.
Simplesmente havia algo em assassinos imortais, monstros, fantasmas, aparições e demônios que animavam sobremaneira meu eu dos sete aos dez, onze anos. Eu não lembro se cheguei a comentar nesse espaço, mas cheguei a criar, com meu amigo André, um assassino Slasher que matou toda a nossa turma da quarta série em um trabalho de português que se tornou o nosso livro: Um Assassino em Terceira Dimensão, um best seller em potencial que infelizmente jamais recebeu o devido crédito.
Com o passar dos anos eu fui perdendo o gosto pelos filmes de terror (algo que deve ter ficado evidente quando quase todos os meus filmes de terror preferidos eram longas da década de 1980 pra trás...), e, na verdade, tornando-me avesso ao gênero que pouco me assustou, e eventualmente conseguiu até mesmo parar de me divertir gerando um divórcio quase absoluto.
Quase, porque eventualmente eu ainda me sinto impelido a assistir algum filme de horror. Acho que, mais recentemente, assisti aos dois Invocação do Mal (que não achei ruins e, tenho quase certeza, elogiei nas resenhas), It: A Coisa, e, em meados do ano passado, em uma madrugada insone na companhia da morena mais linda que já pisou nessa Terra, assisti O Iluminado.
Sim, foi com quase quatro décadas de atraso que eu assisti o que muitos consideram a adaptação máxima de uma obra de Stephen King, e um dos filmes de horror essenciais de todos os tempos, e, eu preciso dizer, a desventura da família Torrance no Hotel Overlook não chegou a me impressionar.
Talvez pelo fato de eu não ser um fã das histórias de horror de King, ou por ser tremendamente avesso à forma de narrativa de Stanley Kubrick, seja como for, não achei O Iluminado um mau filme, mas também não achei bom. Ele me distraiu por suas quase duas horas e meia, e acho que isso já o torna superior à maioria dos filmes de horror de hoje em dia, mas não me marcou e nem mesmo chegou perto de entrar na minha lista de filmes de terror prediletos.
Não foi por mais senão acaso que a passagem do notável José Mojica Marins, o Zé do Caixão na última quarta-feira me fez ter vontade de assistir um filme de horror em homenagem ao mestre brasileiro do gênero. Ao entrar no serviço de aluguel digital do Google, um dos primeiros filmes que espocaram na sessão de lançamentos foi Doutor Sono, e, sem paciência para garimpar além disso, resolvi dar uma chance ao longa.
O longa abre em 1981, na Florida, quando conhecemos Rose a Chapéu (Rebecca Ferguson) e sua "família" a Nó Verdadeiro. Um grupo com cara de tribo de ciganos que vaga sem paradeiro pelos EUA em trailers, evitando as grandes rodovias e parecendo inofensivos.
É apenas uma fachada.
A Nó Verdadeiro é uma quadrilha de psicopatas quase imortais que se alimenta do vapor liberado por crianças "Brilhantes" quando elas são torturadas até a morte, crianças "Brilhantes" como o pequeno Danny Torrance (Roger Dale Floyd).
Quando o encontramos ele e sua mãe, Wendy (Alex Essoe), estão tentando se readaptar à vida normal após os trágicos acontecimentos do Hotel Overlook, mas não é uma luta fácil. Ambos estão profundamente traumatizados, e Danny ainda precisa lidar com todos os fantasmas que parecem ter se colado a ele após o inverno no Colorado. Mas Danny recebe a visita de Hallorann (Carl Lumbly), que lhe diz que existe uma forma de se livrar desses espíritos pérfidos. Uma maneira que Danny não demora a dominar.
Danny cresce. E não cresceu bem. Agora com a cara de Ewan McGregor ele é um alcoólatra que se envolve em brigas e faz sexo com desconhecidas, ele alcança o fundo do poço após passar a noite com uma mãe solteira de quem rouba na manhã seguinte, e ciente de que não tem mais como afundar, ele ruma para o norte em busca de um novo começo.
Em New Hampshire ele encontra uma comunidade, uma saída para o vício, e um propósito na vida. Ele passa a trabalhar em um hospital onde seus dons especiais lhe conferem a capacidade de confortar pacientes terminais de uma forma como apenas ele é capaz, o que lhe garante a alcunha de Doutor Sono.
Eventualmente ele começa a se corresponder telepaticamente com Abra Stone (Kyleigh Curran), uma jovem que também possui o "Brilho", é Abra que acidentalmente descobre a forma de agir do Nó Verdadeiro, e imediatamente entra na mira do grupo, forçando Dan a encarar uma difícil escolha: Seguir com sua vida quando finalmente parece ter encontrado a paz que buscou por tantos anos, ou reabrir as portas do inferno para tentar salvar uma criança indefesa de uma seita de monstros?
A tarefa do diretor/roteirista Mike Flanagan não foi nem um pouco invejável.
O Iluminado no cinema foi tão diferente de O Iluminado na literatura que Stephen King odeia o longa metragem, criar um filme que pudesse ser uma sequência do livro e do filme de 1980 sem desagradar aos fãs de nenhum dos dois é um trabalho de equilibrismo difícil de alcançar, e o cineasta bem que tentou.
Espertamente, ele não tenta emular o visual do longa de Kubrick até que seja estritamente necessário, e por mais que haja defeitos no roteiro do longa, ele faz um tremendo trabalho ao misturar o lado emocional e sobrenatural das vidas de seus personagens de uma forma que poucos filmes de horror ousariam, com isso, Doutor Sono encontra seus melhores momentos quando os personagens realmente têm algo de seu a dizer, como por exemplo no discurso de Danny na reunião do Alcoólicos Anônimos.
Infelizmente, o longa parece ter dificuldade em acompanhar três linhas narrativas correndo em paralelo ao longo de suas duas horas e meia, e esses momentos emocionais acabam sendo mais raros do que as inevitáveis memórias dos eventos do Overlook, que aí, ganham a cara cuspida e escarrada do longa de Kubrick, e fazem parecer que Doutor Sono está com medo de andar com as próprias pernas.
Quando o faz, ele dá ao seu elenco a oportunidade de brilhar, e ninguém brilha mais do que Rebecca Ferguson. A atriz rouba a cena sendo perversa e carismática até durante o brutal assassinato de uma criança. Kaleigh Curran também se sai bem, com a jovem Abra sendo mais do que uma vítima indefesa precisando de resgate, mas uma jovem autoconfiante e, ás vezes até arrogante demais para o próprio bem. McGregor tem alguns dos melhores momentos emocionais do filme, mas Dan Torrance se ressente de um roteiro melhor para si, por sorte o nosso Obi-Wan Kenobi é carismático o suficiente para manter sua dignidade intacta com os lampejos que o script lhe oferece.
Em geral, Doutor Sono é um bom filme, ele não é tanto um filme de horror quanto um suspense de fantasia sobrenatural, e, de certa forma, me fez pensar em A Hora do Pesadelo 3, de Chuck Russell O longa tem uma produção bem-intencionada, um roteiro que se mantém interessante pela maior parte de suas duas horas e quarenta minutos, e um bom trabalho do elenco (que conta com nomes como com Cliff Curtis, Bruce Greenwood, Zahn McClarnon, Jacob Tremblay e Emily Alyn Lind, entre outros). Eu francamente não sei por que o longa naufragou feio nas bilheterias, mas, se servir de consolo aos envolvidos, antes de virar objeto de culto, O Iluminado também foi um um tremendo fracasso de público.
Quem sabe o que o destino reserva a Doutor Sono?
"-Nossas crenças não nos tornam pessoas melhores. Nossas ações nos tornam pessoas melhores."
terça-feira, 18 de fevereiro de 2020
Resenha Cinema: Sonic: O Filme
Não chega a ser surpreendente o sucesso que Sonic: O Filme está fazendo nas bilheterias pelo mundo, que inclusive tornaram o longa do ouriço velocista a maior arrecadação da história de um longa baseado em videogames em um final de semana.
Sonic é um surpreendente caso de filme certo na hora certa, e muito disso se deve a mero acaso.
Sonic estreou na semana passada tendo como principal concorrente o Aves de Rapina da Arlequina que ninguém parece muito interessado em assistir e filmes do Oscar que a maioria do público já viu. Não foi um movimento planejado. O longa estrelado pelo mascote da SEGA atrasou porque os efeitos visuais do filme, especificamente do porco-espinho titular, tiveram que ser refeitos após o público cair em cima da equipe de produção não uma, mas duas vezes, após as revelações parcial e total do design do bicho na internet.
Primeiro foram os músculos avantajados nas pernas da silhueta do Sonic, depois, ele todo.
A equipe de produção voltou ao planejamento, e um novo trailer foi lançado com um Sonic à imagem e semelhança da criatura dos videogames interagindo com o elenco humano do filme e, a exemplo do que ocorrera em Pokémon: Detetive Pikachu, não ficou tão esquisito quanto poderia-se supôr.
Aparentemente a audiência alvo do longa ficou satisfeita por ter sido ouvida, e sem nada mais pra ver no cinema, resolveu abraçar Sonic: O Filme, que está faturando alto pelo mundo ao contar a história do alienígena Sonic.
Uma criatura interplanetária com poderes que despertavam a cobiça de seus conterrâneos, Sonic foi enviado à Terra pela Coruja Garralonga com uma bolsa de anéis de ouro capazes de abrir portais a qualquer ponto do universo.
Garralonga disse a Sonic que se escondesse na Terra por um tempo, e então usasse os anéis para chegar ao planeta dos cogumelos, onde ele estaria solitário, mas seguro, e Sonic a obedeceu.
Mais ou menos.
Por dez anos o ouriço alienígena tem se mantido escondido na Terra, na pequena cidade de Green Hills, onde desenvolveu um senso platônico de comunidade, e uma relação familiar unilateral com o xerife Wachowski (James Marsden) e sua esposa Maddie (Tika Sumpter).
O alienígena se mantém escondido da população local aproveitando as migalhas da vida na Terra enquanto exercita sua supervelocidade e anseia por um fim à sua solidão.
Em uma noite praticamente amargurada, Sonic leva sua hiper velocidade a níveis extremamente elevados, e o resultado é um pulso eletromagnético que se espalha de Green Hills atraindo a atenção do governo dos EUA que designa o doutor Ivo Robotnik (Jim Carrey) para ir até a cidade e investigar o incidente.
Com a chegada de Robotnik e do exército dos EUA à cidade, Sonic percebe que é hora de fazer sua viagem até o planeta dos cogumelos, mas uma série de eventos fortuitos acaba o colocando na garagem de Tom, que acerta o ouriço com uma arma tranquilizante fazendo-o perder seus anéis. Eventualmente o xerife concorda em levar Sonic até São Francisco, onde os anéis do porco-espinho foram parar, mas para chegar à cidade, os dois terão que escapar da perseguição incessante de Robotnik e seu exército de robôs, enquanto formam uma verdadeira amizade.
Sonic: O Filme está longe de ser uma grande obra cinematográfica. Na verdade ele tem todos os ingredientes de um subproduto de uma mesa redonda de produtores desenvolvendo, não um filme, mas um veículo para vender brinquedos e jogos eletrônicos, o que é, de fato, o caso.
Ainda assim, o longa não chega a ser ofensivo como outros longas paridos em condições semelhantes por vezes são.
Sonic: O Filme não tem nenhuma intenção de ser mais do que uma hora e quarenta minutos de diversão inofensiva e descartável para um público infantil. E nisso, o longa sucede.
Ele é amigável, é inofensivo, é descartável, e, dependendo da idade do público, pode até ser divertido.
Muito do filme se apóia, surpreendentemente, não em Jim Carrey, mas em James Marsden, que faz um excelente trabalho interagindo com o porco-espinho digital ao longo do filme. Carrey faz a sua tradicional interpretação excessiva como o vilão Robotnik (uma versão menos bem sucedida de seu papel como Conde Olaff em Desventuras em Série) e até arranca umas risadas, enquanto o protagonista Sonic, dublado pelo comediante Ben Schwartz, é uma coleção de piadinhas, gags visuais, referências à cultura pop e revisitas às cenas com Mercúrio em X-Men: Dias de um Futuro Esquecido e Apocalipse que não é tão irritante quanto o trailer sugeria. O roteiro de Patrick Casey e Josh Miller é tão raso quanto a premissa sugere, e a direção de Jeff Fowler não importa já que esse é um filme de estúdio desprovido de qualquer resquício de assinatura autoral.
Em suma, Sonic: O Filme não é pra todas as audiências, mas está longe de ser a bomba que o trailer anunciava. Se sua posição nas bilheterias surpreende, não deveria: Já vimos muito filme ruim faturar alto nos cinemas para um ouriço interestelar e um cientista robô ser motivo de ultraje.
"-Tenho que correr!"
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020
Resenha Série: Star Trek: Picard, Temporada 1, Episódio 4: Absolute Candor
Star Trek: Picard é uma série estranha sob certos aspectos. Talvez o mais flagrante deles seja a maneira como o programa parece resoluto em sua abordagem tranquila de narrativa. Pode-se acusar o seriado de tudo nessa vida, menos de ser apressado. Tanto é assim que é apenas em seu quarto episódio (de uma temporada de dez), que Star Trek: Picard finalmente tem toda a sua tripulação apresentada e começa a mostrar relações entre eles.
É apenas no início de Absolute Candor, por exemplo, que descobrimos que a doutora Agnes Jurati provavelmente vai ser a substituta da audiência dentro da La Sirena, e que ela também será algo como o alívio cômico da nave (duas tarefas para as quais Allison Pill está mais do que bem equipada), mas me adianto...
Absolute Candor abre com mais um flashback que nos leva quatorze anos no passado, ainda durante a realocação dos refugiados Romulanos pela galáxia. No planeta Vashti, onde Jean-Luc e Raffi alojaram um grande número de sobreviventes da crise da supernova, o almirante se tornou particularmente afeito a um grupo chamado Qowat Milat, um séquito de freiras guerreiras que contrapõe a Tal Shiar na sociedade Romulana. Jean-Luc se tornou amigo dessas mulheres, e também se aproximou de Elnor, o pequeno órfão que, sem mais ninguém no mundo, foi acolhido pela fraternidade após a realocação.
A despeito de sua relação com Wesley Crusher em A Nova Geração, Picard parece ter adquirido a capacidade de se afeiçoar a crianças com o passar dos anos, e sua relação com Elnor é, mais do que amistosa, quase paternal. É trágico, então, que o ataque androide em Marte precipite uma separação que, a despeito da promessa de Jean-Luc de que voltaria logo, acaba perdurando muito além do esperado já que, na esteira do ataque, Picard se desligou a Federação.
Seja como for, partindo em uma missão com alto grau de risco, e liderando uma tripulação mínima, Picard resolve fazer uma parada em Vashti para tentar convencer uma das Qowat Milat a se tornar sua qalankhkai, ou "lâmina livre", unindo-se à sua causa se considerá-la válida, e as líderes da ordem tem a pessoa ideal para Picard tentar convencer:
O agora adulto Elnor (Evan Evagora).
A questão é que, se 14 anos atrás bastaria um aceno para o jovem Romulano sair correndo com Picard para qualquer ponto da galáxia, após quase uma década e meia de abandono e ressentimento o almirante reforçado terá que fazer um pouco mais de força para convencer o jovem guerreiro a se aventurar a seu lado.
É importante notar que, e a relação dos dois não ganha lá muito desenvolvimento nesse episódio, ela acena com um mundo de possibilidades. Na cena em que Jean-Luc e Elnor conversam a respeito de Data, o jovem lembra das histórias de Picard a respeito do androide, em particular de seu gato laranja, Spot. É óbvio que uma criança ia se lembrar de histórias a respeito de um bicho de estimação. É um momento bastante simples, mas carregado de uma verdade que falta à outra linha narrativa da série, no caso, a de Soji no Cubo Borg.
A filha perdida de Data continua enrolada com Narek, e, à essa altura do campeonato, parece que a "Destruidora" da profecia Romulana (eu realmente odeio profecias...) realmente conseguiu tocar o coração endurecido de seu namorado de duas caras. O problema é que Narissa está, literalmente, no pescoço de Narek para que o sujeito cumpra logo sua missão, de modo que ele logo, logo pode ter que escolher entre seus sentimentos e sua missão.
O grande problema aqui é que ninguém liga.
Soji, Narek, Narissa... É todo mundo tão mal escrito, todos tão rasos e unidimensionais que fica difícil ser capaz de se conectar emocionalmente com esse segmento e não ter vontade de avançar essas partes e voltar logo para dentro da La Sirena com os personagens que realmente interessam.
Falando na La Sirena, Absolute Candor termina com uma sequência de ação espacial, com a nave de Cristóbal Rios sendo atacada por uma antiga Ave de Rapina Klingon até ser salva no último minuto por uma misteriosa intervenção que culmina com a entrada de mais um membro à tripulação de Picard.
Após duas semanas beeeeem mornas, Star Trek: Picard se beneficia muito de finalmente ter todos os personagens principais dividindo o mesmo espaço e interagindo como o bando disfuncional que eles estão fadados a ser (a sequência no escritório holográfico, por exemplo, é muito boa), ao menos até a liderança de Jean-Luc Picard transformá-los em uma equipe. O programa ainda se ressente da preocupação que os produtores/roteiristas parecem ter de encher cada cena com tanta exposição quanto possível, e ainda assim, falhar em iluminar elementos-chave da trama que seguem obscuros para a audiência (por exemplo: Quantos Romulanos morreram na crise da supernova?). Outro problema é a cara de "missão da semana" que a série tem tido nos últimos capítulos. Todo esse episódio serve apenas para que Elnor se junte à tripulação. E isso deixa o programa com cara de videogame. Como se cada episódio servisse para que os protagonistas pegassem uma coisa de que precisam antes de enfrentar o grande vilão da série... Não há nem mesmo uma revelação da grande conspiração que tomou as estruturas da Frota Estelar essa semana. Apenas a entrada de Elnor e uma pá de cânone Romulano...
Ainda assim, um par de boas sequências de ação, uma boa dose de humor, e a chegada de mais um personagem clássico à ponte da La Sirena garantem que Absolute Candor tenha o gás de que precisa pra me fazer voltar na próxima semana.
"-Lembra-se do que costumávamos dizer na época da Frota?
-Uma coisa impossível de cada vez."
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020
Resenha Cinema: Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa
Provavelmente a única coisa boa em Esquadrão Suicida era a Arlequina vivida por Margot Robbie.
A atriz australiana, além de ser muito gata, parecia estar genuinamente se divertindo interpretando a despirocada sidekick do Coringa, e, a despeito de sua nauseante reviravolta para o lado do bem no fim do filme, algo pelo qual praticamente todos os vilões do longa passaram (sério... Fazer um filme com vilões onde todos eles têm um lado bom e sensível é uma ideia terrivelmente idiota...), ela provavelmente era a personagem que acabava aquele arremedo de filme com a moral mais elevada, tanto foi assim que antes mesmo de Esquadrão Suicida 2 ganhar um sinal verde, já se falava de um filme onde a personagem pudesse brilhar mais. Se inicialmente a ideia era um filme protagonizado por Harley e o Coringa, tanto o fato de ninguém ter gostado da versão do príncipe palhaço do crime de Jared Leto quanto o fato de que a Arlequina seria inevitavelmente eclipsada pelo personagem mais famoso colocaram essa ideia por terra.
Na sequência um longa das Sereias de Gotham protagonizado pela Arlequina, mais a Mulher-Gato e a Hera Venenosa chegou a começar a ser escrito com forte envolvimento de David Ayer (que provavelmente transformaria as três em uma gangue latina de Los Angeles, porque é o que ele faz com tudo o que dirige/escreve), mas as péssimas críticas a Esquadrão Suicida acabaram afastando Ayer do projeto.
Isso, somado ao poder que a ascensão de Robbie em Hollywood garantiu à atriz e o momento político em Hollywood, todo voltado à inclusão e poder para as mulheres, gerou esse Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa.
No longa, narrado por Harley, nós descobrimos que a ex-psiquiatra era a mente por trás dos melhores e mais bem-sucedidos planos do Coringa, mas que, ao demandar mais crédito do palhaço assassino, acabou sendo escanteada pelo vilão, que terminou o relacionamento dos dois.
Sem a proteção que o relacionamento com o criminoso mais perigoso de Gotham garantia, Harley subitamente se vê na mira de todos os bandidos da cidade, que querem se vingar dela por alguma coisa, ou várias, como é o caso de Roman Sionis (Ewan McGregor), o líder criminoso e dono de night club que odeia Harley por diversas coisas, entre elas, ser uma mulher.
Para sorte de Harley, porém, Roman precisa de uma coisa mais do que da cabecinha linda da Arlequina em uma bandeja:
Um diamante.
Menos valioso por seus trinta quilates do que pelos números das contas onde a fortuna da família criminosa Bertinelli, que estão gravados na joia, o diamante em questão foi roubado pela ladra de rua Cassandra Cain (Ella Jay Basco), que acaba de ser capturada pela polícia.
Apesar de ter uma enorme contingente de capangas fortemente armados e o assassino psicopata Victor Zsasz (Chris Messina) à sua disposição, Sionis concorda em poupar Harley se ela lhe trouxer o diamante, isso faz com que o caminho da Arlequina se cruze com o de Dinah Lance (Jurnee Smollett-bell), a cantora conhecida como Canário Negro, o da policial Reneé Montoya (Rosie Perez), e o da assassina auto-intitulada Caçadora, Helena Bertinelli (Mary Elizabeth Winstead), quando as quatro se veem sob a mira de Sionis, elas não têm alternativa, exceto trabalhar juntas para dar um fim às maquinações do vilão.
Aves de Rapina: Arlequina e sua Fantabulosa Emancipação é um filme complicado.
Por um lado há boas intenções por todos os lados, e por outro, uma maneira muito desastrada de conduzir as coisas.
Da mesma maneira que Esquadrão Suicida dava a impressão de querer desesperadamente ser Guardiões da Galáxia, Aves de Rapina parece sonhar em ser Deadpool. O longa é anárquico, desbocado, colorido e não se leva a sério, o que são qualidades, mas a trama é uma bagunça, algumas personagens carecem de desenvolvimento, e o filme é tão abertamente anti-homem que ás vezes chega a ser surpreendente que o fracasso do longa nas bilheterias tenha pego o estúdio desprevenido, já que a audiência de filmes baseados em quadrinhos é majoritariamente masculina (sem contar a absolutamente dispensável classificação indicativa para maiores)...
Pra piorar, em sua ânsia de ser um filme anti-homem, o longa muda para pior o histórico de personagens importantes. Tome Reneé Montoya, por exemplo. Nos quadrinhos Montoya é uma das figuras centrais do círculo interno do comissário Gordon na polícia de Gotham. É, ao lado de Harvey Bullock, um dos pilares de confiança de Gordon e do Batman do DPGC, mas isso não servia à mensagem que Aves de Rapina deseja transmitir, então, no longa, a personagem é frequentemente alvo de chacota de seus colegas homens, foi preterida em uma promoção por ser mulher, e não é profissionalmente levada a sério por seus pares...
Zsasz, por sua vez, deixa de ser um psicopata que sente prazer em matar, e se torna um psicopata que sente prazer em matar, mulheres.
Praticamente todos os homens do filme são burros, malvados, estupradores em potencial, ou tudo isso ao mesmo tempo numa forma de firmar ponto que só faz afastar um setor importante da audiência de um filme além de deixar clara a falta de talento da roteirista Christina Hodson, que obviamente não sabe equilibrar uma narrativa para fazer com que todos os personagens sejam interessantes ou importantes (como em Vingadores, ou em Mulher Maravilha, ou em Aquaman...). Isso fica bastante evidenciado na Caçadora de Mary Elizabeth Winstead, um talento desperdiçado no filme em que mal fala, ou em Montoya, cuja sexualidade é mencionada brevemente em uma cena fácil de eliminar para audiências de países mais conservadores, enquanto Ella Jay Basco pouco tem a fazer ou dizer como Cassandra Cain.
Melhor sorte tem a Canário Negro de Jurnee Smollett-Bell, que não apenas tem um arco de personagem claramente desenvolvido, mas também tem algumas ótimas sequências de luta. Falando em cenas de ação, a melhor certamente é a pancadaria de Harley manuseando um bastão no armário de evidências da delegacia, é uma cena divertida e bem coreografada, atrevo-me a dizer, parte da contribuição não-creditada de Chad Stahelski para o longa após a Warner achar que a diretora Cathy Yan ficava devendo no quesito ação (nenhum demérito. Stahelski fez o mesmo pelos irmãos Russo em Capitão América: O Soldado Invernal). Ewan McGregor interpreta Roman Sionis como se estivesse na série do Batman dos anos 1960 ou nos filmes de Joel Schumacher, quando ele está em cena com seus figurinos excessivos é difícil não imaginar que Adam West ou George Clooney surgirão vestidos de Batman para enfrentá-lo a qualquer momento, a dona do filme, porém, é mesmo Margot Robbie.
A atriz é talentosa e é fácil se acostumar com a ideia de passar uma hora e quarenta minutos olhando pra ela, infelizmente sua maneira hiperativa de viver a Arlequina é algo cansativa pra um filme solo, e não se engane, a despeito da grande quantidade de personagens e do título, Aves de Rapina é basicamente um projeto de vaidade da jovem beldade australiana que está presente em praticamente todas as cenas do longa para o bem e para o mal.
Aves de Rapina: Arlequina e sua Fantabulosa Emancipação não é um filme horroroso como seu péssimo desempenho nas bilheterias pode sugerir, mas é desastrado, bagunçado, e dificilmente justifica uma ida ao cinema. Talvez o longa seja capaz de encontrar seu nicho no mercado de aluguéis digitais, ou, talvez, ele acabe relegado à mesma posição de outros longas que brigaram com a própria base de fãs antes mesmo de serem lançados e caia no ostracismo. O tempo dirá.
"Desculpa, guria, eu só sou uma pessoa terrível, eu acho..."
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Resenha Cinema: O Caso Richard Jewell
Entra ano, sai ano e há coisas que não mudam no panorama do cinemão norte-americano. Meryl Streep continua sendo a grande atriz em atividade em Hollywood, Martin Scorsese segue sendo indicado ao Oscar e sendo esnobado (é, eu sei que ele ganhou em 2006, mas Scorsese ter o mesmo número de Oscars que Esquadrão Suicida é inadmissível), os grandes estúdios procuram por fórmulas mágicas de ganhar muito dinheiro e Clint Eastwood lança um filme.
Eu francamente nem sei quanto tempo faz que o eterno Dirty Harry começou com sua prolífica sanha de cineasta. De 2002 pra cá, Eastwood não lançou, de fato, um filme por ano, mas houve mais de um ano em que o octogenário diretor lançou dois filmes na mesma temporada, ás vezes pérolas como A Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima, ou A Troca e Gran Torino... Seja como for, um filme de Eastwood é uma coisa a se esperar todos os anos, e em 2020 (pros americanos foi em 2019), o longa do eterno Blondie é esse O Caso Richard Jewell.
O longa nos apresenta o personagem título, vivido por Paul Walter Hauser, trabalhando como almoxarifado em um escritório de direito. É lá que ele conhece o formando G. Watson Bryant (Sam Rockwell), de quem se torna amigo, e com quem compartilha seu sonho de se tornar um agente da lei.
Algum tempo depois, nós encontramos Jewell mais perto de seu emprego dos sonhos, como guarda de segurança em uma universidade. Richard, porém, não inspira grande respeito nos alunos, que se referem a ele com termos jocosos e ofensivos, o que o faz ser mais rígido do que o necessário, e eventualmente, causa a sua demissão.
Anos mais tarde, ele é contratado como guarda de segurança freelancer pela AT&T, uma patrocinadora das Olimpíadas, para monitorar eventos musicais em Centennial Park durante os jogos olímpicos de Atlanta, em 1996. Lá, Richard mantém sua postura CDF a respeito de normativas e leis, e sua mão pesada se prova útil quando um atentado a bomba ocorre durante um evento. Seu obsessivo trabalho de avisar as autoridades competentes e formar um perímetro de segurança, sem sombra de dúvidas salva vidas, e não tarda para o tímido Jewell estar dando entrevistas na TV como um herói.
O sonho dourado, porém, não dura muito.
O agente do FBI Tom Shaw (John Hamm), que estava no local durante o ataque é designado para investigar Jewell. É um procedimento padrão já que "heróis" que causam as tragédias onde se destacam são bastante comuns, mas Shaw está se recriminando por ter pisado na bola no caso, e seu excesso de zelo, somado à paudurescência que toma conta dele durante uma conversa com a repórter Kathy Scruggs (Olivia Wilde, tão sexualmente agressiva que quase não vemos o quanto ela é linda) o levam a vazar o nome de Richard.
Kathy é tão bruta escrevendo matérias quanto pegando suas fontes pelos ovos, e imediatamente começa a publicar diuturnamente artigos a respeito da investigação contra Richard Jewell no Atlanta Journal Constitution.
É a deixa para a vida de Richard implodir.
Um sujeito simplório vivendo com a mãe (Kathy Bates), com respeito e admiração quase irracionais por agentes da lei, ele está sempre olhando assombrado, ou dizendo as coisas erradas conforme o FBI começa a revirar sua vida e sua casa em busca de evidências de seu envolvimento com o atentado, até que, finalmente, ele resolve pedir a ajuda de Bryant, que não está exatamente no melhor momento de sua carreira de advogado, mas aceita ajudar Richard a se defender.
Há um bocado de sutileza e profundidade em O Caso Richard Jewell. Não necessariamente na história, afinal, Clint Estwood pode ser um diretor surpreendentemente sensível, mas ele certamente não é um relativista no que tange a bem e mal, o sujeito foi mocinho de muitos faroestes para ver o mundo em quaisquer outras cores.
Assim, os vilões do filme são extremamente bem divisados, Tom Shaw e Kathy Scruggs representam a vilania do longa, e são representados como malvados até a medula. Ainda que os dois tenham suas razões para agir como agem (Tom com a sensação de ter falhado ao "deixar" o atentado ocorrer em seu quintal, Kathy lutando por seu espaço dentro do jornal e acreditando no que sua fonte lhe diz), mas acreditar desesperadamente que está certo não significa estar, já nos ensinou Thanos, e esses dois personagens estão muito, muito errados, e por mais que a audiência possa pensar que os retratos de Shaw e Scruggs são simplistas e estereotípicos (A repórter ainda é retratada sob um viés algo machista), Clint Eastwood e o roteirista Billy Ray, que escreveu o script a partir do artigo de Marie Brenner e do livro de Kent Alexander e Kevin Salwen, têm a seu favor o fato de que O Caso Richard Jewell é uma história real. Tudo o que eles dizem ter acontecido ao guarda de segurança realmente aconteceu.
E se os "vilões" do filme têm pouco a fazer além de ser malvados, os mocinhos ganham espaço para trabalhar.
Paul Walter Hauser, de Infiltrado na Klan e Eu, Tonia vive Richard Jewell com delicadeza e empatia palpáveis. Um ator habituado a papéis menores, Hauser não parece sentir o peso de viver um protagonista, e manda muito bem em seus momentos mais dramáticos. Claro que só pode ajudar dividir a cena com duas cobras do naipe de Sam Rockwell e Kathy Bates. O vencedor do Oscar por Três Anúncios para um Crime interpreta o advogado Watson Bryant com tanta naturalidade que é possível que a audiência não perceba o quanto ele está excepcional no papel, e Kathy Bates simplesmente parece decidir que vai roubar o filme todo pra si à certa altura e começa a devorar todas as cenas em que aparece.
Apoiado nos ombros de seu elenco, Eastwood esconde um conto moral e um bem equilibrado estudo de personagem sob a tradicional história de superação de um homem comum em O Caso Richard Jewell. O longa está terrivelmente longe de ser perfeito, e dificilmente será lembrado entre os melhores trabalhos de Eastwood atrás das câmeras, mas certamente merece a deferência de uma visita ao cinema ou um aluguel digital, mesmo em seus momentos menos inspirados, Clint ainda consegue fazer filmes relevantes.
"-Por que você não fica furioso?
-Eu estou furioso. Furioso nem é uma palavra forte o suficiente pra como eu estou me sentindo.
-Bem, você poderia me enganar..."
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020
Resenha Cinema: Bad Boys Para Sempre
Em 1995 Michael Bay lançou a carreira de astro de ação de Will Smith com Os Bad Boys, fita policial de ação que meio que inaugurou todos os vícios do diretor de Transformers e Pearl Harbor. Um sucesso moderado de bilheterias, Bad Boys ganharia uma sequência em 2003, novamente dirigida por Bay e estrelada por Smith e Lawrence, e repetindo todos os vícios de Bay numa inchadíssima fita de ação que se espichava por quase duas horas e meia de explosões, perseguições, tiroteios e piadinhas. Com um orçamento quase dez vezes maior do que o do filme original, Bad Boys II não gerou o mesmo lucro do original (que custara U$19 milhões para faturar mais de 140), o que talvez explique a demora para esse terceiro filme ver a luz do dia.
Lá se vão dezessete anos desde a última vez em que Smith e Lawrence dividiram a tela, e dessa vez eles retornam sem Michael Bay, com um orçamento cerca de 40 milhões de dólares mais enxuto que o último longa, e com um lançamento em janeiro, o mês onde os filmes são atirados nas salas norte-americanas para morrer, tudo isso levando a crer que a Sony não estava lá muito empolgada com a perspectiva de um terceiro Bad Boys.
Ainda assim, a estratégia de lançar o filme em uma zona morta da temporada de lançamentos dos EUA se provou acertada, sem concorrência, o longa policial vem fazendo uma carreira bastante decente nas bilheteria mundo afora, e na sexta-feira eu resolvi levar minha carcaça enxovalhada até o cinema mais perto de casa e assistir o filme.
Bad Boys Para Sempre abre com uma grande sequência automobilística onde os detetives Mike Lowery (Smith) e Marcus Burnett (Lawrence) desfilam sua habitual falta de consideração pela segurança do público que deveriam servir e proteger. O Porsche de Lowery roda em altíssima velocidade pelas ruas de Miami, mas, para surpresa da audiência, eles não estão caçando nenhum bandidão, mas tentando chegar ao hospital para o nascimento do neto de Marcus.
O nascimento do bebê faz o detetive Burnett repensar sua carreira na força policial. Ao contrário de seu parceiro esquentadinho e metido a galã, Marcus tem uma esposa e uma família, e gostaria de passar mais tempo com eles do que correndo atrás de vagabundo e trocando tecos com a malandragem. Parafraseando uma série policial bem melhor: Marcus percebe que está velho demais pra isso.
Enquanto Mike tenta convencer o parceiro a continuar na polícia para eles serem Bad Boys Para Sempre (arrá!), ao sul da fronteira forças sinistras estão em movimento.
Em uma pirão federal mexicana, a detenta Isabel Aretas (Kate del Castillo) executa uma medonha fuga da prisão ao melhor estilo Hannibal Lecter e se reune com seu filho, Armando (Jacob Scipio). Esse é apenas o primeiro passo no plano de vingança de Isabel, que pretende deflagrar caos e morte na vida de todas as pessoas responsáveis por colocá-la atrás das grades e seu marido embaixo da terra.
Entre os responsáveis está ninguém mais ninguém menos que o detetive Mike Lowery, a quem Isabel instrui Armando a matar por último, para que ele possa sofrer toda a extensão de sua vingança.
Armando, porém, parece ter entendido errado, pois a primeira coisa que ele faz em Miami é encher Mike de bala.
Isso acontece com uns quinze minutos de filme, então nós todos sabemos que o personagem de Will Smith sobrevive ao atentado, de uma forma ou outra, a sequência que se segue ao ataque tenta imbuir o filme com impacto emocional de verdade, e Martin Lawrence merece, no mínimo, parabéns pelo esforço.
Igualmente os roteiristas Chris Bremner, Peter Craig e Joe Carnahan usam esse desenvolvimento da trama para discretamente inserir uma razão para reduzir o absurdo efeito colateral e dano à propriedade desse filme com relação aos predecessores, embora ainda haja violência o suficiente para garantir a diversão da audiência quando Mike, recuperado de seus ferimentos se une à força-tarefa AMMO, um grupo de elite da polícia de Miami formado por policiais mais jovens e modernos que os veteranos protagonistas e chefiado por uma ex-namorada de Mike, Rita (Paola Nuñez) para caçar os responsáveis pelo atentado à sua vida num turbilhão de ação e reação que acaba tirando Marcus de sua aposentadoria forçando os dois detetives a levarem a cabo suas promessas de serem Bad Boys Para Sempre (arrá!).
É claro que Bad Boys Para Sempre é ruim, nenhuma surpresa, até aí.
O filme se apóia em todos os clichês dos filmes de ação ao longo de sua metragem, canibalizando sem a menor vergonha elementos do horroroso Projeto Gemini, melodrama de novela mexicana e batendo sem parar na tecla do "uma última vez" entre os protagonistas, apenas para, em uma cena pós-créditos, o longa praticamente prometer que podem fazer um Bad Boys 4 se esse filme alcançar uma determinada quantia em bilheterias...
Se há alguma surpresa no filme, é que ele realmente parece tentar cavar alguma profundidade emocional entre Marcus e Mike além do superficial bromance dos buddy-cops tradicionais. Os diretores Adil El Arbi e Bilall Fallah realmente buscam criar um laço verdadeiro entre os protagonistas para humanizá-los de uma maneira que Michael Bay parece evitar a todo o pano em sua filmografia.
É muito pouco e tarde demais, mas, como eu disse antes, a tentativa é louvável, apesar de tardia, mas não salva Bad Boys Para Sempre de ser um longa metragem total e absolutamente descartável.
Porque Bad Boys Para Sempre é um filme construído com apuro técnico digno de grandes produções Hollywoodianas, tem um elenco reconhecido (que inclui Vanessa Hudgens e o ladrão de cena Joe Pantoliano) fazendo o melhor que pode, mas que não fica com a gente quando o letreiro termina de subir. Para deixar claro o quanto o filme é esquecível, eu comecei a escrever minhas resenhas do final de semana hoje pela manhã por Star Trek: Picard, que vi no domingo, e imediatamente após terminar comecei a escrever a resenha de O Caso Richard Jewell, que vi no sábado, só então me lembrei que havia visto Bad Boys na sexta-feira...
Se tu for membro do fã-clube do Will Smith ou do Martin Lawrence, então, talvez, até valha a ida ao cinema, outrossim, é filme pra ver domingo de tarde na TV a cabo, e olhe lá.
"-O que aconteceu com Bad Boys pra sempre?
-É hora de nós sermos bons homens.
-Quem é que quer cantar essa porra de música?"
Resenha Série: Star Trek: Picard, Temporada 1, Episódio 3: The End is the Beginning
Após dois episódios de preparação de terreno franca e simples, o terceiro capítulo de Star Trek: Picard gasta seus quarenta e dois minutos em... Mais preparação de terreno.
The End is the Beginning começa com mais um flashback, dessa vez nos levando quatorze anos no passado logo após o ataque ao Estaleiro Utopia em Marte acabar com a missão de resgate dos Romulanos ameaçados pela iminente explosão da supernova que seu mundo orbitava. Ali nós vemos a então primeira oficial de Picard, Raffi (Michelle Hurd), a quem ele foi procurar no final do episódio passado, ansiosa por descobrir se os planos alternativos e revisados de evacuação no qual ela e Jean-Luc se debruçaram haviam sido aceitos pela Frota Estelar quando os dois se encontram em um jardim do quartel-general da organização, mas as notícias que o almirante traz consigo não são animadoras:
A Frota Estelar não apenas não aceita os planos da dupla, como também deixa claro que não tem nenhum interesse em realizar um resgate dos Romulanos condenados. E, quando Picard lhes deu um ultimato, declarando que ou uma missão de resgate era levada a cabo, ou ele renunciaria a seu posto, o alto-comando ficou com a segunda opção.
A maneira como Jean-Luc ensaia antes de admitir essa verdade amarga, e a maneira como ele admite que não imaginava que seu pedido de demissão fossem ser aceitos apenas torna a cena toda mais triste, mas quando voltamos ao presente Raffi não parece estar penalizada com Jean-Luc. Muito antes pelo contrário. Sua disposição para com o almirante reformado é a mesma do fim do capítulo passado quando ela deixou claro que não gosta dele. Na verdade, o despreza.
A ex-primeira oficial passou os últimos quatorze anos culpando Jean-Luc pelo fim de sua carreira. Para Raffi, ao resignar de seu posto na Frota, ele sepultou a posição dela na Frota Estelar. Não bastasse isso, ela guarda uma grande mágoa do fato de JL, como ela o chama, jamais tê-la procurado nos últimos anos, não por precisar de ajuda com alguma conspiração mirabolante, mas para ao menos saber como ela estava.
A despeito de seus rancores, porém, Raffi parece ainda ter uma fagulha de respeito por Picard, ao menos o suficiente para ajudá-lo a encontrar uma nave e um piloto que possam levá-lo onde ele quer ir após ele explicar para ela tudo o que está em jogo.
O piloto em questão é Rios (Santiago Cabrera).
Rios tem um ato meio Han Solo, blasé e descolado, não se importa com um estilhaço de metal cravado em seu ombro e lê filosofia espanhola. Picard, porém, não fica impressionado com a pose de Rios, e de cara saca que, a despeito dela, o sujeito é Frota Estelar até a medula, mais do que isso, quando vemos Rios conversando com seu Holograma Médico de Emergência, nós descobrimos que ele é, na verdade, um fá de carteirinha de Jean-Luc Picard (e não somos todos?).
Se Rios está se fazendo de gostoso, a doutora Jurarti não está. A maior autoridade em vida sintética do planeta não é boa em resistir a pressão, e quando a comodoro Oh aparece para obter informações acerca das pretensões de Picard, ela própria vai até o chateau de Jean-Luc para alertá-lo de que o alto-comando da Frota está em seus calcanhares e também para deixar claro que, se o almirante reformado irá partir em busca da outra sintética senciente, ela irá com ele.
Fechando a tripulação, surge Raffi. Apesar de todos os seus discursos sobre querer distância de Jean-Luc a qualquer custo, ela resolve se juntar à turma ao menos temporariamente, para obter uma carona até um lugar chamado Freecloud, que parece o nome de uma rave. As razões da ex-oficial da Frota para querer chegar ao tal local são desconhecidas tanto para Picard quanto para a audiência, mas devem ser importantes já que, aparentemente, o nome do lugar surge em meio aos arquivos do caso de Dahj que ela recebeu do almirante reformado.
Enquanto isso, n'O Artefato, Soji segue com sua pesquisa.
Que pesquisa é essa? Bom, parece que nem ela própria saberia dizer. Teoricamente ela deveria estar trabalhando em maneiras de ajudar ex-Borgs a se recuperarem do trauma da assimilação, mas quando ela tem a oportunidade de entrevistar uma ex-Borg Romulana, ela começa a perguntar a respeito da espaçonave onde a mulher estava lotada antes de ser assimilada ao invés de qualquer terapia envolvendo mitologia Romulana. A própria Soji admite não saber de onde vieram aquelas perguntas, dando a entender que ela foi criada com propósitos específicos que nem ela conhece.
Falando em coisas que Soji não conhece, ela segue sem saber que sua irmã explodiu para a morte, e que seu namorado Romulano Narek tem uma agenda pérfida por trás do envolvimento com ela.
Ou seja, Soji não sabe porra nenhuma.
Em geral, The End is the Beginning é o episódio mais fraco de Picard até aqui. O capítulo tem alguns momentos razoáveis, como a apresentação de Rios e a maneira como os eventos que levaram à aposentadoria de Picard são conduzidos, entretanto as motivações e a caracterização de Raffi são finas que nem papel. A personagem culpar Picard pelo fim da própria carreira após a evacuação fracassada dos Romulanos é absolutamente idiota.
Jean-Luc não tem culpa pela corrupção que tomou conta da Frota Estelar, e tampouco é responsável pelo que sua ex-primeira oficial fez da vida após ele abdicar de seu posto. Além do mais ela não acreditava na importância da missão, também? Se todo o amigo com quem perdemos contato fosse culpado por todos os aspectos frustrantes de nossas vidas ninguém precisaria assumir a responsabilidade por coisa alguma, e, nesse momento, Raffi surge como uma personagem que não quer admitir que se entregou, e isso torna a personagem mais antipática e o episódio em geral, mais fraco.
Não ajuda o fato de que a a linha narrativa de Soji no Cubo Borg continue cheia de clichês ou que The End is the Beginning seja mais um episódio que parece preparar o terreno quando após mais de duas horas de série Star Trek: Picard já deveria ter começado sua jornada.
Picard, porém, se mantém em sua melhor forma ao centrar o foco de sua narrativa no protagonista como acontece nos minutos finais do episódio, repletos de um impacto emocional que, eu juro, me arrepiou.
Vamos esperar que nos próximos capítulos, com Jean-Luc Picard de volta a seu ambiente natural, a série finalmente possa decolar.
"-Acionar."
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020
Resenha Cinema: Um Lindo Dia na Vizinhança
É difícil para nós, brasileiros que cresceram sem a presença de Fred Rogers na televisão, contextualizar quem era esse personagem na vida real, e o que esse longa metragem representa para aqueles que tiveram essa referência enquanto assistiam TV na infância. Enquanto nós crescemos com mulheres voluptuosas em trajes sumários comandando programas infantis, nos moralistas Estados Unidos as crianças cresciam com um ex-ministro presbiteriano e pedagogo de meia-idade brincando com fantoches e cantarolando a respeito de emoções e sentimentos.
Fred Rogers ficou na TV com seu programa A Vizinhança do Sr. Rogers por trinta e três anos, e a marca que ele deixou em milhões de pessoas ao longo de suas décadas ativo pode ser traduzida na imensa quantidade de láureas que ele recebeu tanto em vida quanto após sua morte em 2003, aos setenta e quatro anos.
Ele não tem nenhum paralelo na TV brasileira e por isso talvez seja impossível que a audiência daqui compreenda sua importância especialmente porque o longa dirigido por Marielle Heller não é uma cinebiografia convencional, daquelas do berço ao túmulo, ou sequer o recorte de um momento na vida de Fred Rogers. O apresentador não é nem mesmo o personagem principal do filme.
Esse papel pertence a Lloyd Vogel (Matthew Rhys), um jornalista investigativo a serviço da Esquire que fica profundamente contrariado ao descobrir que deverá produzir um perfil de Rogers (Tom Hanks) para uma série especial da revista a respeito de heróis.
Não bastasse a tarefa estar longe de suas preferências, Vogel, um sujeito cínico e cético, está experimentando um momento pessoal turbulento.
Ele está tentando se adaptar à recente paternidade, sua irmã está se casando pela enésima vez, e seu pai, Jerry (Chris Cooper) que abandonou sua mãe doente quando ele era pouco mais que uma criança, voltou à cena e está tentando se reintegrar à sua família. Mas, a despeito do péssimo momento, Lloyd é um profissional, e mesmo a contragosto viaja de Nova York a Pitsburgh para encontrar o legendário Sr. Rogers e entrevistá-lo, mas as coisas não saem como o jornalista espera.
Não há cinismo que seja páreo para a candura de Fred Rogers e sua maneira nem um pouco convencional de ser entrevistado, respondendo as perguntas de Lloyd com novas e infinitas perguntas que paulatinamente vão forçando o jornalista a se abrir a respeito de si próprio, de sua esposa Andrea (Susan Kelechi Watson), seu filho Gavin, e de sua relação com Jerry e como ela o afeta e define mesmo após tantos anos. Eventualmente, as sessões de entrevistas com o Sr. Rogers começam a mexer com ele, e forçá-lo a tocar em emoções que ele mantinha enterradas há muito tempo.
Conforme eu disse ali em cima, Um Lindo Dia na Vizinhança não é uma cinebiografia convencional, porque ela não é a respeito de Fred Rogers, mas a respeito do efeito que ele tinha nas pessoas.
É difícil, sem ter lido o artigo que deu origem ao filme, saber se o roteiro de Micah Fitzerman-Blue e Noah Harpster não está simplificando (ou santificando) em demasia uma pessoa de carne e osso, ou se o retrato simples do Sr. Rogers no filme é proposital para demonstrá-lo da maneira mais aproximada possível de sua persona televisiva.
Seja como for, algumas das mais adoráveis cenas do filme são justamente aquelas que contrapõe o cinismo de Lloyd e a gentileza de Rogers, a incredulidade do jornalista ante uma bondade que parece infinita.
Rhys, por sinal, manda bem no papel do sujeito ferido pelo seu passado. A maneira como ele retrata um sujeito que precisou enclausurar certas emoções para se manter vivo e funcional é bastante convincente, e suas reações quando Rogers começa a desafiá-lo a se abrir são críveis. Esse, afinal de contas, é o arco do filme. A jornada emocional de Lloyd sob a filosofia de Fred Rogers, e se por vezes essa jornada é priorizada em comparação com suas interações com o apresentador, isso ajuda a responder o que adultos poderiam aprender com o Sr. Rogers e rende algumas cenas particularmente poderosas, como a do restaurante chinês.
É claro que essa proposta não funcionaria se Tom Hanks não funcionasse, por sorte o ator, a quem eu frequentemente acuso de ser um preguiçoso que se abraçou à sua imagem de "homem-comum" para não precisar ser desafiado por papéis mais densos, está excelente aqui.
Mesmo sem ser nem remotamente parecido com o verdadeiro Fred Rogers, ele emula os maneirismos e cadência de discurso do apresentador, distribui abraços e apertos de mão em abundância e anda com uma flagrante vulnerabilidade que demonstra a fragilidade e as dores que o roteiro do longa não se preocuparam em retratar com palavras.
A escalação do ator no papel, porém, não é o único acerto de Marielle Heller. A diretora de Poderia me Perdoar se municia do talento da cinematógrafa Jody Lee Lipes para misturar as texturas e a iluminação dos estúdios da PBS onde Rogers gravava seu programa com recônditos sombrios da Nova York habitada por Lloyd Vogel, e quando os dois estão juntos, em uma ótima sacada, a iluminação faz parecer que é Rogers quem ilumina o jornalista.
Isso, unido a maneira como as transições do programa, com maquetes de cidades, trens em miniatura e a trilha do longa emulando os acordes de piano que embalavam A Vizinhança do Senhor Rogers demonstram a preocupação de Heller e sua equipe em incorporar tantas referências ao programa quanto possível para contar a história quase como se ela fosse um segmento da série.
Eu francamente não sei se Fred Rogers é um nome capaz de levar grandes multidões ao cinema, especialmente no Brasil, ainda assim, entre erros e acertos, Um Lindo Dia na Vizinhança é um belo filme. Uma história sensível sobre como o mundo pode ser um lugar que por vezes é cruel, assustador e mau, e sobre como cabe às pessoas, com pequenos gestos de bondade e compreensão, mudá-lo para melhor.
Assista no cinema, conhecendo Fred Rogers, ou não, é um longa que vale a audiência.
"-Como é ser famoso?
-Fama é uma palavra de quatro letras, como "cara" ou "zoom". Fama não é importante. O importante é o que você faz com ela."
terça-feira, 4 de fevereiro de 2020
Resenha Série: Star Trek: Picard, Temporada 1, Episódio 2: Maps and Legends
É bom que o capitão Picard tenha passado tanto tempo no holodeck da Enterprise encenando história de detetive de Dixon Hill, porque em seu segundo episódio, Star Trek: Picard se aprofunda com vontade nos mistérios e conspirações que foram aventados no piloto. Jean-Luc segue investigando as circunstâncias da morte de Dahj, a "filha" de Sr. Data, que foi assassinada no capítulo passado, que, aliás, terminou com a irmã gêmea de Dahj, Dra. Soji Asha (ambas interpretadas por Isa Briones), que, no momento, está trabalhando em um Cubo Borg à deriva e se envolvendo com o Romulano emo Narek (Harry Treadaway), mas não é assim que Maps and Legends começa.
Não, o capítulo se inicia com um flashback mostrando o dia em que a tragédia se abateu sobre o estaleiro da Frota Estelar em Marte, quando, quatorze anos antes dos eventos da série, um grupo de sintéticos atacou o planeta. Isso nos é mostrado a partir do ponto de vista de um grupo de trabalhadores do estaleiro que, é surpreendido pelo androide, digo, "sintético" do grupo, F8, um exemplar muito menos avançado do que Data e que obviamente não goza de muito apreço de seus colegas, entretanto não são as piadinhas de mau gosto que levam os androides a atacar Marte, aparentemente os sintéticos do planeta recebem uma espécie de download que desencadeia o ataque. A grande pergunta é, quem reprogramou os androides remotamente para cometer o hediondo ataque?
Outro enigma que paira sobre Star Trek - Picard é o que exatamente está rolando naquele cubo Borg? A instalação é coordenada por romulanos e foi desconectada da Coletividade (ainda bem), e as pessoas trabalhando em seu interior se referem à espaçonave como "o artefato", e a tratam como uma espécie de museu ou estação de pesquisa onde Soji está realizando o desmantelamento de Borgs. Aparentemente suas intenções não são maliciosas, ela inclusive tem uma breve altercação com uma colega que trata os Borgs desativados com escárnio, mas a presença dúbia de Narek e seu interesse na jovem, não são bons sinais para ela e sua pesquisa.
Enquanto isso, na Terra, Picard segue fazendo sua investigação, ou, na verdade, acompanhando Laris enquanto ela investiga pra ele. Acontece de a governanta do almirante reformado ser uma ex-Tal Shiar, a KGB dos Romulanos, capaz de fazer um tremendo CSI futurista cheio de jargão pseudo científico no apartamento da falecida Dahj. É graças a Laris que Jean-Luc descobre que a irmã gêmea de Dahj está fora da Terra e, possivelmente, na mira de uma organização chamada Zhat Vash, uma ancestral cabala Romulana que odeia sintéticos em qualquer escala.
De posse dessa informação, Picard vai ao quartel-general da Frota Estelar em São Francisco pedir para ser reintegrado ao serviço e receber uma pequena espaçonave com capacidade de dobra e uma tripulação mínima para investigar o caso, mas as coisas não saem como o esperado...
Essa, pra ser bem franco, é uma das melhores cenas desses dois primeiros capítulos. Repleta de acenos aos fãs da série e, ao mesmo tempo, estabelecendo que o tempo não esperou Jean-Luc, além de apresentar o lado da Federação na cisma de 14 anos mais cedo. Enquanto a entrevista de Picard no capítulo anterior pintou a Frota Estelar como o bandido da história, nós, agora, podemos ver que a situação era consideravelmente mais complicada.
Ainda assim, o episódio termina com mais uma revelação, mostrando que há algo de tremendamente grave acontecendo nos corredores do poder da Frota Estelar...
Star Trek: Picard não parece estar com pressa para aquecer seus motores de dobra antes da arrancada. Não seria um problema termos Jean-luc preso na Terra nesses primeiros episódios, é, na verdade, essencial para essa versão do personagem, nesse momento de sua vida, o problema é que enquanto Picard tenta descobrir o que há por trás de Dahj e Soji há muito falatório, muita exposição, e muito pouca ação mesmo para os padrões altamente diplomáticos da Nova Geração. Muito dessa sensação de falatório excessivo se deve à maneira como frequentemente fica claro que os personagens estão falando conosco, a audiência, e não uns com os outros na tentativa de situar fãs e espectadores casuais nos pormenores de uma trama que não para de empilhar mistérios um sobre o outro. Por sorte Patrick Stewart segue emprestando uma dignidade que não pode ser negada a Picard, e sua mera presença seria o suficiente para me fazer voltar na semana que vem e descobrir o que ele fará agora que não tem a Frota a seu lado.
"-Milhares de outras espécies dependem de nós para unidade, para coesão. Nós não tínhamos naves o suficiente. Nós tivemos que fazer escolhas, mas o grande capitão Picard não gostou de suas ordens.
-Eu estava me apresentando pela Federação pelo que ela representava. Pelo que ela deveria continuar representando."
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020
Resenha Filme: Joias Brutas
Existe uma única razão para Adam Sandler não ter entrado na minha lista de piores do ano em 2019:
Eu me recusei a assistir Mistério no Mediterrâneo.
Após ter visto Os Seis Ridículos e Zerando a Vida, eu resolvi me poupar de ver qualquer outra coisa que o Ex-Saturday Night Live colocasse na Netflix após o rechonchudo contrato que o serviço de streaming firmou com o comediante.
Porque enquanto comediante, Adam Sandler é sofrível.
Sério, um sujeito que não passa um ano sem lançar ao menos um filme desde o fim da década de 90 e que tem apenas umas três comédias engraçadas no cartel... É estranho que Sandler tenha o cartaz e o séquito de fãs que tenha. Especialmente porque eu não sou um sujeito de riso difícil. Pelo contrário. E ainda assim, os únicos filmes de Sandler que acho engraçados são Afinado no Amor e Tá Rindo do Que?, e olha que o segundo envelheceu mal uma barbaridade, e olhando ele novamente, eu ri infinitamente menos do que na primeira vez...
Sandler, porém, deve ser um bom sujeito.
Ele jamais deixa seus amigos na mão (se não fosse por ele, caras como Nick Swardson, David Spade e Rob Schneider provavelmente já teriam morrido de fome), todo mundo que trabalha com ele parece gostar o suficiente para retornar ao menos uma vez (veja Drew Barrymore, John Turturro, Sean Astin e Jennifer Aniston...), e ele não se furta de usar sua persona cinematográfica inexplicavelmente relevante para dar uma força aos amigos na TV, conforme vimos em Brooklyn 99 e Kevin Pode Esperar...
Mas, mais importante do que tudo isso, Adam Sandler sabe atuar.
Ele realmente sabe.
Não é sempre, não é sob a batuta de qualquer diretor, mas Adam Sandler pode ser um ator muito competente com o material certo em mãos. E tudo bem, sejamos francos que, as primeiras demonstrações de competência dramática de Sandler foram sob as batutas de dois diretores capazes de tirar leite de pedra, de Mike Binder em Reine Sobre Mim (Binder pode não parecer grande coisa hoje em dia, mas entre 2005 e 2007 ele dirigiu três filmes dos quais eu gosto bastante, e ao menos dois deles tiveram ótimas "atuações surpresa"), e de Paul Thomas Anderson em Embriagado de Amor (PTA havia tirado uma ótima atuação de Mark Wahlberg, então nada estava fora do alcance do homem). Mas com o passar dos anos Sandler seguiu experimentando coisas fora da sua zona de conforto vez e outra. Até mesmo dentro de seu habitat natural, as comédias, Sandler arriscou a fazer um pouco mais, em longas como Click e Espanglês, onde tentou ir além do mero mais do mesmo.
Claro, os resultados nem sempre são os melhores, e mesmo alguns dos dramas estrelados pelo ator são ineficazes, como o bem-intencionado Homens, Mulhers & Filhos, mas o recado é: Adam Sandler pode ser um ótimo ator sob a direção certa, e foi por isso que eu fiquei ansioso por assistir Joias Brutas sem nem mesmo ter visto o trailer do filme. Porque a mera premissa e a direção dos irmãos Safdie, do ótimo Bom Comportamento (que eu só vi algumas semanas atrás, por recomendação de uma morena muito cheirosa) pareciam o tipo de material capaz de explorar as melhores qualidades de Adam Sandler.
Ontem à noite, munido de uma pizza e uma caneca de guaraná, eu me sentei tão confortavelmente quanto possível em meu sofá, e assisti o longa.
Joias Brutas abre no coração de uma joia bruta. A câmera mergulha nas entranhas de uma opala negra que acaba de ser encontrada em uma mina na Etiópia para emergir no cólon de Howard Ratner (Sandler), em um hospital em Nova York.
Howard é um negociante de jóias judeu que gerencia uma pequena joalheria no distrito dos diamantes de Manhattan. Lá, ele recebe clientes dos mais variados tipos, incluindo cantores e atletas que estejam querendo adicionar diamantes ao seu visual. Esse tipo de cliente geralmente é trazido à loja de Howard por seu associado Demany (LaKeith Stanfield), que nessa manhã em particular, traz consigo o jogador de basquete do Boston Celtics Kevin Garnett (interpretando a si próprio).
Demany e Garnett, porém, não são os únicos na loja de Howie nessa manhã. Dois sujeitos mal-encarados surgiram para cobrar um empréstimo feito pelo empresário. Veja, Howard é um viciado em apostas. Ele está afundado em dívidas porque andou pegando dinheiro emprestado de todos os lados para apostar em eventos esportivos, e agora o cerco começa a se fechar.
Howard, porém, tem um trunfo.
Após assistir a um documentário a respeito de judeus etíopes na TV a cabo, ele aprendeu sobre opalas negras e acaba de trazer uma direto da África para colocar em leilão e faturar, ele supõe, mais de um milhão de dólares.
Howard está tão empolgado com a sua pedra que não resiste a exibir a joia para Garnett, e o jogador da NBA experimenta uma conexão imediata com o mineral. Tão profunda que ele pede a pedra emprestada para usar como amuleto de boa sorte no jogo dos play-offs que ele irá disputar naquela noite.
E, Howard concorda.
E essa é apenas a primeira de uma série de decisões erradas que veremos o protagonista tomar ao longo de duas horas e quinze minutos, quando todas as cagadas que Howard aprontou nos últimos tempos irão se apertar ao redor de seu pescoço em um nó górdio de consequências dos quais o joalheiro pode, finalmente, não ser capaz de se livrar.
Howard Ratner é um dos melhores personagens da carreira de Adam Sandler. Provavelmente pega parelho com seu Barry Egan em termos de complexidade mas em uma nota absolutamente distinta,
Howard não é uma vítima das circunstâncias, nem é um sujeito que cometeu um erro. Ninguém chega ao nível de desgraça onde Howard está quando o encontramos se não for um tomador de más decisões de nível olímpico. Ele deve tanto dinheiro que credores e capangas o perseguem pelas ruas, sua mulher, Dinah (Idina Menzel) o despreza, sua filha mais velha (Noa Fisher) não o suporta, ele é amante de uma de suas funcionárias, Julia (a notável Julia Fox), que mora em um apartamento que ele mantém na cidade, e ele não pára. Tanto de maneira literal quanto figurada, Howard não consegue parar. Da mesma maneira que ele está sempre em movimento, andando de um lugar para o outro, correndo escadas abaixo, falando sem parar, xingando ou praguejando, e ele não consegue parar de se afundar.
Ele pega dinheiro emprestado para fazer apostas que possam pagar pelos empréstimos que já fez, tenta manter seu casamento de fachada ainda que ele e Dinah saibam que é apenas isso, mente descaradamente para credores, amigos e conhecidos desesperado, não por uma saída, mas por uma forma de continuar nesse caminho sem sofrer as consequências. Porque se uma coisa fica dolorosamente clara em Joias Brutas, é que Howard jamais vai parar. Ele não está mais apostando porque quer dinheiro, ele está apostando porque ama apostar, e ele está destruindo sua vida no processo porque o estresse das apostas é a única coisa parecida com emoção que ele é capaz de sentir, em suma, Howard é um escroto de carteirinha com quem a audiência é incapaz de sentir empatia, ainda assim, os irmãos Safdie narram sua desventura de uma maneira tão cinética que é impossível não passar o filme inteiro tenso de roer as unhas, sob as lentes dos dois Nova York é uma cidade aterrorizante, e todos os seus habitantes são horrorosos e ameaçadores. Joias Brutas é provavelmente o thriller mais intenso que eu assisto em muito tempo, e construído de uma maneira tão não-convencional que é difícil falar a respeito dele. Desde seu primeiro minuto o filme é caos e tensão orbitando ao redor de Adam Sandler na forma de personagens recorrentes que entram e saem geralmente trazendo mais caos e mais tensão.
Completando o elenco há ainda Eric Bogosian, Judd Hirsch e uma porção de pontas de rappers que provavelmente são famosos, mas a única pessoa capaz de roubar o holofote do protagonista é a bela Julia Fox, que realmente surpreende na segunda metade do filme, quando sua personagem deixa de ser apenas uma gostosona para mostrar profundidade e complexidade capazes de se equiparar a de Howard e fazer a audiência entender que a relação dos dois vai além do "suggar daddy/suggar baby", ainda assim, o longa pertence a Sandler do começo ao fim, e se há um elogio que eu posso fazer ao Herdeiro Bobalhão é que ele ancora o filme com notável segurança mantendo dor e raiva logo abaixo da superfície durante cada segundo em cena, é realmente um trabalho excelente do ator que, eu devo dizer, não me pareceu um injustiçado do Oscar por sua atuação, mas faz um trabalho genuinamente acima da média.
Pra encurtar a conversa, assista Joias Brutas.
É mais um ótimo filme do ano passado chegando atrasado ao Brasil, mas é consideravelmente mais fácil de assistir:
O longa está disponível na Netflix e garante duas horas e quinze minutos roendo as unhas na ponta do sofá.
Recomendadíssimo.
"-Isso sou eu, tá certo? Eu não sou uma porra de um atleta, essa é a porra do meu jeito. É assim que eu venço. Tá certo?"
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