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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Intimidades...
"Charlote", ela disse com voz lânguida.
Celso não segurou o riso.
Estava pelado, em um quarto pequeno e sem janelas, iluminado por duas lâmpadas, uma vermelha e a outra azul, gelado por causa de um ventilador ligado em rotação máxima no canto.
Sobre a cama tipo box coberta com lençóis cor-de-rosa assomava a figura distinta de Charlote. Ela tinha, em seus quarenta e poucos anos, os cabelos pintados de um louro alaranjado muito particular. A sombra verde brilhante cintilava sobre suas pálpebras criando um contraste todo particular com o vermelho-bombeiro do seu batom.
Ela não estava no auge da forma física. Não era uma mulher feia, mas Celso podia dizer, conforme esquadrinhava seu corpo revestido parcialmente por meias arrastão sete oitavos, cinta-liga e sutiã de um conjunto vermelho-vinho, que aquele corpo já vira dias melhores.
Celso encontrara Charlote quase por acaso. Seguindo conselho de um colega de trabalho saíra do trabalho e fora ao Centro procurar um alfaiate que pudesse fazer um reparo no casaco de couro da Ellus que ganhara da ex-namorada. Adorava aquele casaco. Já tinha ele á mais de cinco anos, mas era uma peça que combinava com tudo, tinha um corte bonito que caia bem, e, com mil demônios, era um caríssimo casaco de couro da Ellus, provavelmente a única frescura no guarda-roupas sóbrio de Celso. Além disso, o lembrava de uma época em que ele era mais feliz. Se hoje tinha um bom emprego, era independente e dono do próprio nariz, não se sentia feliz, de fato, desde que terminara o namoro com Tatiane. Não que fossem o casal mais feliz do mundo, pelo contrário, batiam cabeça feito dois cabritos monteses disputando uma fêmea, não concordavam em praticamente nada, tudo virava discussão, tudo. Quem era o vocalista daquela banda? Onde jantariam naquele dia? Quem lavava a louça naquela noite? Almoçariam na mãe dela ou com os pais dele? Cinema ou danceteria?
Todas as conversas que envolvessem múltipla escolha acabavam em uma acalorada discussão que beirava a briga. Porém, Celso gostava disso, pois geralmente, depois que brigavam, faziam sexo apaixonadamente. Era o melhor sexo. Aquele depois das discussões. Funcionava sempre. Funcionava tão bem que Celso, quando chegava perto da hora de dormir, iniciava discussões de propósito, pois eram mais fáceis e eficazes do que qualquer outra preliminar.
Entretanto, uma relação baseada mais em brigas e sexo do que em amor e cumplicidade não era feita pra durar. Na verdade, entre Celso e Tatiana durara além do que os amigos do casal esperavam. Quase quatro anos.
Terminaram amigavelmente. Eram civilizados e educados quando não discutiam, e, se tivessem, de fato, brigado não teriam se separado, teriam acabado na cama.
O problema foi que, depois do relacionamento quente com Tatiane, Celso não se interessara novamente por mulher alguma. Tivera encontros, até iniciou arremedos de namoro, mas faltava a paixão e a pimenta que sobrava com Tatiane e suas brigas e discussões e arranhões e mordidas nos lábios. De modo que o interesse de Celso em tentar encontrar novos relacionamentos foi rareando, e nos últimos meses ele levava uma vida de monge, e a natureza tinha seus desígnios. Então, foi um pouco pensando nos sonhos molhados que tinha, um pouco pensando nos inconvenientes de começar um novo relacionamento que ele acabou naquela situação.
Enquanto vagava pelos andares da galeria do rosário acabou deparando-se com a placa "Bata e Aguarde" em uma porta do décimo oitavo andar.
Curioso, bateu e aguardou. E deparou-se com a mulher semi-nua que lhe propôs prazer sexual em troca de dinheiro. Ainda movido pela curiosidade e pela necessidade fisiológica, Celso, que jamais estivera com uma prostuituta em um ambiente fechado (Pelo menos que ele soubesse.) aceitou a proposta.
Entrou pela porta deparando-se, ao invés das salas comerciais que via no resto do prédio, em um pequeno quarto, e, enquanto tirava a roupa, ela perguntou seu nome. Ele respondeumentindo com convicção:
-Alaor.
Embora depois tivesse pensado que diferença faria ter dito que se chamava Celso? Não pagaria pelos serviçoes dela com um cheque ou cartão de crédito.
E perguntou o nome dela, mais por educação do que por estar, de fato, minimamente interessado. E, quando ela respondeu "Charlote", ele riu. Não por causa do nome. Não achava o nome Charlote particularmente engraçado. Era a combinação de fatores.
A iluminação brega, a decoração idem, o conjunto de lingerie usado por charlote, a maquiagem pesada, e, por fim, o tom lânguido de voz dela quando se identificou, estalando a língua nos dentes superiores com a boca entreaberta enquanto pronunciava o "lo" do nome.
E agora ele não conseguia parar de rir.
O fato de não querer rir tornava a tarefa de parar ainda mais difícil. Ele não fazia ideia de que tipo de regras de educação se devia seguir quando se tratava com prostitutas, mas se eram as mesmas dos demais convívios sociais, ele estava sendo, na melhor das hipóteses, inconveniente.
Ele ria muito, quando fechava a boca o riso escapava-lhe pelo nariz, seus olhos se encheram de lágrimas. Ele olhou para Charlote procurando um alento para o acesso de riso, ela o encarava com uma das sombrancelhas erguida bem alto e a outra deitada por cima do olho. Isso o fez rir mais.
Ele se desculpou, endireitou o corpo. respirou fundo. e disse mais pra si mesmo:
-Pronto, pronto.
Charlote não disse nada. Engatinhou por cima da cama até a beirada, agarrando Celso pelas nádegas e o puxando de encontra á ela.
O beijou e lambeu, olhando pra ele com uma expressão algo doentia.
Ainda assim, pareceu sexy, Celso achou que gostava daquilo. Poderia fazer mais vezes, tirando, claro, o ataque de riso.
Quando ela o segurou com firmeza pela sua zona particular, ele achou interessante, mas aí ela disse:
-Acarca a titia.
E ele desandou á rir novamente. Rir muito. Rir de chorar.
Vestiu-se, pagou os vinte reais de Charlote pelo serviço incompleto, e saiu pela galeria de consciência pesada, com a certeza de que jamais seria feliz ou satisfeito de novo no tocante á intimidade com uma mulher.
Por outro lado, encontrou um alfaiate que pôde consertar seu casaco por um preço módico. Não era bem o que ele tinha em mente, mas enfim... Melhor do que nada.
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