Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
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sexta-feira, 15 de outubro de 2010
A sorte que temos
O Paulo não sabia a sorte que tinha. Ele jamais havia pensado a respeito, na verdade. O Paulo era namorado da Lucinha fazia uns dois, três meses. O Paulo, que não era lá um sujeito dos mais bonitos, nem dos mais atléticos, era um nerd, um nerdão dos mais meia boca, e lá estava ele, deitado sob um lençol do Homem-Aranha abraçado com a Lucinha. Com a Lucinha!
A Lucinha era tudo de bom. Era um amor de menina. A Lucinha era bonita, bonita de uma forma pura, quase angelical, tinha uma pele alvinha, tinha cabelos castanho-claros ondulados emoldurando-lhe o rosto, grandes olhos castanho-esverdeados que fariam o gato de botas de Shrek chorar, era muito bonita.
Era inteligente, também, muito. Era craque em matemática, desde o ensino média, era tão craque em matemática que, aos dezesseis anos, formulou um planejamento financeiro pro seu tio Serapião, que estava ameaçado de ter que vender sua chácara ou sua caminhonete Rural por conta de dívidas, e, adivinhe só? O tio Serapião não precisou vender nada e ainda deu uma festança de aniversário.
Lucinha era prendada e dedicada, também. Sabia cozinhar, sabia borbar, imagine. Também era capaz de lavar louça com aquela última gotinha de detergente que só cai quando a gente deixa o frasco virado de ponta-cabeça por alguns longos segundos, sabe? Pois é, com aquela gotinha ínfima de detergente, que a gente imagina que não vai fazer espuma nem com reza brava, a Lucinha conseguia lavar a louça, e, digo mais, a louça ficava limpa de verdade.
A Lucinha também era uma pessoa abnegada. Quando sua avó teve um câncer agressivo de pulmão após sessenta e oito anos fumando feito uma chaminé, a Lucinha cuidou dela sem descanso. A amparava quando ela tinha acessos de tosse que faziam todos os outros parentes fugirem de pavor, e segurou sua mão quando ela se foi.
Quando Rejane, amiga de Lucinha engravidou aos dezessete anos e foi expulsa de casa pelo pai alcoólatra, Lucinha a ajudou a encontrar um abrigo, ficou ao seu lado quando ela deu à luz, e a convenceu a não largar os estudos e conciliar as duas coisas, ajudou Rejane com matemática e cuidou do bebê para a amiga fazer as provas do supletivo de ensino médio. Além disso fazia trabalho voluntário em uma casa de amparo para dependentes químicos e em outra para animais abandonados.
Algumas pessoas poderiam pensar que, sendo bonita e inteligente e prendada, Lucinha seria uma tremenda de uma CDF chata pra danar. Mas essas pessoas estariam erradas. Lucinha era divertida, também. Gostava de cinema, gostava de piadas, lia quadrinhos, e entendia referências que outras meninas de sua idade não seriam capazes de decifrar, além de tudo isso, ainda era boa de cama. Não que fosse uma luxuriosa devoradora de homens, não, mas tinha um saudável apetite sexual. Tudo isso, ali, deitada com o Paulo, em seus braços. E o Paulo, que jamais havia sido tão feliz, que amava a Lucinha da maneira mais intensa que um homem pode amar uma mulher, de repente, teve a súbita compreensão da sorte que tinha. Ou, pior, não teve. Acordou com olhos esbugalhados na penumbra do quarto, e deu uma sacolejada na Lucinha:
-Lúcia... Lúcia? Tá acordada?
-Hmmmm... Não, Paulo, tô dormindo, né? Olha a hora...
-Lú... Eu... Eu tava pensando... Por que tu tá comigo?
-Por que tu não acorda de madrugada pra fazer pergunta sem sentido. Vai dormir, Paulo...
-Não, não... Sério. Tipo... Olha eu, e olha pra ti...
-Vai ver eu sou burra...
-Tu não é! Esse é o meu ponto. Tu não é burra. Tu é inteligente, mais inteligente que eu, mais inteligente que quase todo mundo que eu conheço... É linda, muito linda-
-Brigada, amor...
-Divertida como mulheres bonitas como tu não deviam ser... Tu... Tu sabe quem é Khan! Tu sabe quem é Khan! Tu conhece o Adão Negro! Meu deus do céu, tu conhece o Adão Negro, tu sabia quem ele era! Quando tu vê um desenho do Homem-Aranha com o sentido de aranha ativado tu não acha que ele tá com calor, ou fedendo, tu sabe que é o sentido de aranha, tu nem chama de "sensor aranha", tu usa direitinho a expressão sentido de Aranha, como é que pode?
-Eu lia gibi...
-Não! Tu lê, gibi, mulher! LÊ! Verbo no presente!
-Tá, me processa, então.
-Não, não, e não é só gibi! Tu assistia Star Trek, é fã de Star Wars...
-Blade Runner...
-BLADE RUNNER! -A voz de Paulo saiu como um sussurro gritado.-Tu gosta de Blade Runner! Isso não pode ser normal...
-Ai, cala a boca e dorme, Paulo...
-Quem era o sexto replicante, Lú? Pra ti, quem era o sexto replicante?
-Quinto, Paulo, quinto replicante... Eram cinco. E, eu acho que era o Deckard.
-Ah, meu Deus! Não, mas não mesmo!- Gritou Paulo saindo da cama sob o olhar aturdido de Lucinha.
-Não, isso é armação, só pode, só pode! Tu, linda, inteligente, gente boa, cheirosa, gostando das mesmas coisas que eu, não. Não, a gente não sai por aí simplesmente esbarrando com a mulher dos nossos sonhos, e, se esbarramos, ela nunca, jamais iria cair na minha lábia meia-boca...
-Mas do que tu tá falando criatura? Se fui eu que fui falar contigo?
-Arrá! Ainda mais isso! Tu foi falar comigo, e não eu contigo! Claro, por que eu conheço meu lugar! Nunca me sujeitaria a ser humilhado por uma deusa como tu! Mas aí tu vai lá e fala comigo. É pegadinha, conspiração governamental, invasão de skrulls, alguma coisa dessas, só pode!
-Para de bobagem, Paulo. Apaga essa luz e volta pra cama.
-Não. Não. Não até que tu me dê uma, uma única e solitária razão pra alguém como tu se interessar por alguém como eu. Uma razão plausível.
Lucinha sentou na cama, esfregou os olhos e falou:
-Por que tu é o extremo oposto do meu ex-namorado. Ele era tudo o que tu não é. Atlético, expansivo, metido a galã... Mas também era mulherengo, pretencioso e me magoou. A minha razão pra estar contigo é vulcanamente lógica, Paulo. Eu parto do pressuposto de quê se tu é o extremo oposto do meu ex-namorado, e ele me magoou, tu vai me fazer feliz. É uma explicação factível pra ti?
Paulo deixou os ombros caírem, olhou pro chão e assentiu:
-É... É extremamente factível. OK... Obrigado por ter sido honesta.
-De nada, agora volta pra cama.
Paulo apagou a luz, ajeitou os lençóis e deitou novamente, abraçando Lucinha.
-Eu não vou te magoar nunca, viu?
-Eu sei.
Dormiram e seguiram suas vidas. E, com os anos, eventualmente, Paulo ficou sabendo que Lucinha jamais tinha tido um namorado atlético e mulherengo e pretencioso, ela apenas procurou em Paulo qualidades com as quais se identificava, e com as quais se sentia confortável, pois, no final das contas, por mais bonita e divertida que Lucinha fosse, ela também era uma nerd, e estava muito satisfeita assim e se considerava sortuda por ter encontrado em Paulo sua cara-metade. E foram muito felizes juntos da maneira mais nerd que um casal pode ser.
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Que graçinha. Consigo visualizar os dois entrando na festa do casamento ao som da Marcha Imperial!!
ResponderExcluirEu que queria ter uma amiga igual a Lucinha....Ouvir ''sentido de aranha '' é bem melhor que escutar um - Que isso Laís, ele tá com alucinação?? ( essa de estar fedendo eu nunca ouvi hahahaha podre...)
E o Paulo surpreso com o fato dela curtir Blade Runner foi engraçado, se eu fosse ela aproveitava e pedia o maravilhosíssimo Blu-ray triplo do filme que esta 160 pilas, ai ai...
Afinal, é Roni ou Paulo???
ResponderExcluirPaulo, Paulo, o Roni era de outra crônica, eheheheh.
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