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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Conchas


Era o momento. Finalmente, após mais de cinco anos de amizade franca, sugestões dúbias e flerte descarado, finalmente, finalmente, Francisco e Juliana iriam sair para um encontro de verdade. Encontro mesmo, não pra sair como amigos, não pra ver um filme ou sentar em algum lugar e falar da vida, naquela noite, a natureza do encontro era outra. Era a coisa de verdade, era noite de fechar o acordo. A noite era tão especial que Francisco fez a barba, ele que odiava fazer a barba. Francisco lixou os calcanhares ásperos, cortou as unhas dos pés e usou cotonetes no ouvido. Francisco até aparou os pêlos do nariz.
Juliana não ficou muito atrás, não. Foi à manicure, depilou as pernas, as axilas e além. Não colocou calcinha confortável, colocou lingerie sexy, e sutiã com armação. Sim, sim, aquela era a noite de fechar o acordo. Todo mundo que conhecia Francisco e Juliana, afinal de contas, percebia que, por trás daquela amizade toda, existia mais. Existia algo mais profundo hibernando, feito um imenso urso pardo cheio de amor pra dar, e que os dois idiotas precisavam apenas dar um passo cada para que as coisas se encaminhassem. Eles se divertiam juntos, terminavam as frases um do outro, tinham gostos semelhantes pra quase tudo, se importavam, de fato, um com o outro.
Na verdade, se ainda não haviam ficado juntos, não era por mais, senão desencontros. Em mais de uma oportunidade uma decisão tomada e executada em questão de dias os impediu de engatar o romance que, pra todo mundo mais, já devia ter acontecido a tempos.
Deram um pouco de azar, também. Quando se conheceram, Francisco estava namorando. Ficaram amigos, outros sentimentos se insinuaram, mas permaneceram apenas amigos. Depois, quando o namoro de Francisco terminou, Juliana estava namorando. Quando o namoro de Juliana terminou, Francisco viajara para a Bahia a trabalho, onde permaneceu por dois anos. Quando Francisco voltou da Bahia, Juliana fora para o interioro do estado cuidar da avó doente.
Um ano e meio se passara desde o retorno de Francisco, e outros seis meses após Juliana finalmente ver a avó enferma se recuperar, e ele finalmente se reencontraram. Não foi a catarse de beijos apaixonados e juras de amor que os amigos dos dois esperavam, não, mas eles pareciam, mesmo, muito felizes.
Francisco e Juliana estavam mais próximos do que nunca, mas apesar disso, ainda não haviam dado aquele passo a frente. Se viam com frequência, saíam juntos, mas nada além disso, á despeito das quase súplicas dos amigos dos dois, que diziam que, pelo amor de Deus, se juntassem logo, antes que mais alguma coisa acontecesse. Mas os dois seguiam na defensiva, encerrados em suas conchas.
Especialmente Francisco, que ainda pensava se valia a pena comprometer uma amizade tão bacana e duradoura em nome de outra coisa que, vai saber, podia nem dar em nada, especialmente relembrando os históricos de relacionamentos de um e do outro, a maneira totalmente diferente como encaravam namoros e a vida a dois, mas acabou se rendendo, mesmo sentindo uma ponta de pânico, aos seus sentimentos.
Francisco resolveu tomar coragem e dar um salto de fé. Declarou-se à Juliana. Disse como se sentia, e falou que não queria mais ser apenas seu amigo. Juliana correspondeu.
Disse que sentia o mesmo, e que estava com medo que jamais fossem dar o passo que faltava. Beijaram-se longamente, apaixonadamente, e marcaram um encontro para a noite.
"É hoje." pensou um apreenssivo Francisco.
"É hoje." pensou uma excitada Juliana.
Naquela noite o Francisco e a Juliana jantaram e foram ao cinema, coisas que eles faziam sempre, mas ainda assim, naquela noite, as coisas pareciam diferentes, eles estavam diferentes. Sua conversa, seus toques, nada tinha a mesma espontaneidade de antes, eles estavam tratando um ao outro como se fossem feitos de vidro, os toques, antes tão comuns e naturais, se resumiram a pequenas e forçadas pegadas de mão, tudo parecia fora de lugar, errado. Francisco ficou pensando em qual seria a solução pra aquele desconforto todo. Pedir um intervalo?
"Tempo, tempo... Dá pra gente voltar a ser amigos enquanto jantamos? Não consigo falar contigo direito...".
Pra sua amiga, Juliana ele poderia dizer uma bobagem dessas, para Juliana, seu interesse romântico, provavelmente não pegaria bem...
Juliana, por sua vez, também se sentia deslocada, com pessoas que não a conheciam a anos ela sabia ser sensual, sexualmente agressiva e sedutora, com alguém que a vira sujar o nariz de sorvete e pra quem se queixara de cólicas menstruais era bem mais difícil.
O que também era difícil para ambos era apagar anos de reminiscências, os dois sabiam tudo um do outro, as manias, os vícios, os defeitos, a maneira como se comportavam quando alguma coisa os deixava desconfortáveis ou nervosos, e agora, ali estavam eles, frente a frente, em um restaurante não muito diferente de trocentos outros restaurantes onde já haviam estado juntos trocentas outras vezes, mas, pela primeira vez em anos, não sabiam como se comportar um com o outro, por que algo parecia fora de lugar, tão fora de lugar que até um "me passa o sal, fa'çoavor?" soava artificial, forçado.
Agora, ali estavam os dois em silêncio, sentados no restaurante, olhando para o prato, e pensando o que diabos estavam fazendo. Acabou que os dois estavam errados. Não foi naquela noite. Juliana se sentiu mal, Francisco a levou pra casa, disse que conversavam no dia seguinte, mas não ligou.
Juliana pensou que, provavelmente, Francisco achou que ela tivesse mentido á respeito do mal-estar.
Francisco, de fato, achou que Juliana simulara o mal-estar para sair daquela situação incômoda.
Agora, estavam os dois mais encerrados do que nunca em suas conchas, sem saber o que fazer a seguir. Se deviam dar uma nova chance àquela relação, ou se deviam esquecer tudo e continuar sendo apenas bons amigos, ou se, por tentarem transformar sua amizade em algo mais, a haviam assassinado peremptoriamente.
Confusos e assustados, eles se afastaram sem perceber que as melhores relações, começam baseadas em amizade, e que pra dar o próximo passo, não precisavam mudar ou subtrair nada no modo como tratavam um ao outro, apenas acrescentar coisas novas.

2 comentários:

  1. Quanta dificuldade...
    hehe, mas acho que ´por aí mesmo!!!

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  2. Bom os amores que começam da amizade, já que a amizade é a relação mais sincera que pode existir. Eles já tem o melhor um do outro, ai é só completar com a intimidade, pra ficar mais bonito ainda.
    Só acho que deveria vir com um manual de instruções, pra facilitar um pouco né?

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