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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Protesto


A TV brasileira anda um lixo, e não é de hoje. Mesmo a emissora que é referência, vencedora de prêmios internacionais, líder de audiência e tudo mais, a Vênus Platinada Globo, galga a sua grade de programação em novelas que eu nem posso dizer que são chatas pois parei de assistir novelas regularmente já deve ter mais de quinze anos, entretanto, pelo que se ouve falar e se lê, as coisas não melhoraram no mundo do folhetim. E não chega a ser surpresa.
Não é de hoje que vemos horrores como o Zorra Total, o A Praça É Nossa e o Show do Tom (Ainda passa o Show do Tom?) com lugar cativo no horário nobre de todas as redes de maior audiência, e, se tais programas permanecem na ativa, é por que há quem goste e quem assista, o que não chega a ser surpreendente se levarmos em consideração a precariedade da educação no Brasil. Um povo pouco educado e inculto é o maior desejo da classe política imunda que gere a nação a mais de quinhentos anos, logo, não é de se duvidar que a má qualidade da educação e a má qualidade da cultura colocada à disposição da população sejam propositais.
Agora, porém, é o momento de alguém erguer a voz e protestar, pois o que estão tentando tirar das pessoas, agora, é excessivo. Finalmente surge algo de bom na TV, algo que dá prazer a quem assiste, algo capaz de nos prender na cadeira por alguns momentos e nos fazer refletir, e, sem nenhuma razão plausível, uma autoridade arbitrária resolve remover a melhor atração da TV aberta em anos.
Os comerciais da Hope da Gisele Bündchen.
Alguém precisa fazer alguma coisa a esse respeito já! Volta comercial da Hope com a Gisele Bündchen!

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Honestidade


A Sônia entrou em casa sem fazer barulho. Eram nove, nove e meia da noite. Ela largou a bolsa sobre a mesa, as chaves no chaveiro perto de um abajour que fora presente de sua mãe, e rumou para o quarto. O Flávio estava lá, sentado na beira da cama, com a luz apagada e a TV desligada.
-Oi, Sô. - Ele disse, sem se mexer antes que ela acendesse a luz.
Ela estremeceu brevemente, como só as pessoas de consciência manchada estremecem.
-Que horror, Flávio... Quase me mata de susto. Tá fazendo o quê aí no escuro? - Perguntou em tom de reprimenda enquanto apertava o botão do interruptor inundando instantaneamente o quarto com a luz branca da lâmpada de cem watts.
O Flávio, ainda sentado, olhava pra janela. Falou casualmente:
-Estava só me preparando...
-Te preparando pra quê, criatura? - Perguntou a Sônia enquanto andava em direção à janela.
-Pra quando tu terminar tudo comigo. - Disse o Fávio.
A Sônia não entendeu imediatamente. Só ao olhar pro Flávio pra perguntar "como é que é?" foi que viu a bolsa de viagem preta e grande aos pés dele.
Estacou no caminho até a janela, onde apanharia sua toalha, e o encarou. Disparou o:
-Como é que é?
Flávio olhava pras próprias mãos, juntas sob suas pernas:
-Tu vai terminar comigo, Sô.
-Não, não vou. - Ela retrucou com a voz cheia de indignação.
-Vai. - Respondeu o Flávio. - Vai porque eu tô te pedindo. Vai, porque tu já não gosta mais de mim. Vai porque, não importa o que tu diga ou faça, esse vai ser o teu segundo banho em um curto intervalo de tempo. Então, me faz esse favor, Sônia... Termina comigo.
A Sônia o encarou brevemente. Medindo que tipo de blefe havia ali.
-Do que tu tá falando?
-Ah, Sônia... Por favor. Eu sou cheio de defeitos, vai, mas idiota eu não sou. Eu não sou, mesmo. Vai. Termina comigo.
A Sônia sentou ao lado dele na cama.
-Eu não quero terminar contigo...
-Mas também não quer mais ficar comigo. - Replicou o Flávio. -Não o suficiente.
-Eu quero! - Ela treplicou.
-Não... Tu não me respeita mais, Sô... E esse é o momento ideal pra terminar com tudo.
Ela olhou pra ele com sincera tristeza nos olhos. Ele sorriu:
-OK... O momento ideal seria um pouco antes de não haver mais respeito, mas enfim...
A Sônia começou a chorar. Lágrimas lhe desciam pelo rosto. Ela ergueu os olhos e perguntou ao Flávio:
-Tu me desculpa?
Ele segurou a mão dela e suspirou:
-Não, Sô... Eu não te desculpo. Tu devia ser a última mulher da minha vida... Era contigo que eu devia ser feliz pra sempre, era do teu lado que eu devia envelhecer. Agora... - Ele riu. - Agora eu vou ter que passar de novo por todo o pesadelo de um começo de relação, vou ter que passar meses tentando ter certeza de que uma nova pessoa conhece todos os meus defeitos antes de me entregar a um relacionamento... E tudo isso sem garantia de que vá dar certo pois tu abalou consideravelmente a minha confiança nesse sistema... Então, não... Eu não te desculpo, lamento.
A Sônia respirou fundo limpando os olhos, na defensiva:
-A culpa não é só minha.
-Não... - Suspirou o Flávio. - É toda minha, na verdade.
Havia alguma coisa na voz dele, uma entonação de sarcasmo, talvez... Mas Sônia não quis manter a discussão:
-Ainda podemos ser amigos?
O Flávio mexeu brevemente no zíper da sua sacola de viagem enquanto fazia um "hmmmmm" de quem pensa:
-Não.... Nós não vamos ser amigos, Sô. Nós não vamos mais conversar, nem nos encontrarmos pra almoçar... Lamento. Eu sou muito mais rancoroso que os teus ex-namorados... Os teus outros, ex-namorados. A gente vai se cumprimentar quando nos encontrarmos na rua, claro, mas é mais provável que... Sabe? A gente nem se veja mais.
A Sônia o encarou brevemente. Sua decepção parecia virar raiva:
-Então é isso. Tu tá todo tranquilo com isso tudo, mas não quer mais falar comigo?
-Quem disse que eu tô tranquilo? - Perguntou o Flávio. -Eu tô arrasado. Cheguei a flertar com a ideia de quebrar o apartamento inteiro, enforcar o teu gato, colocar o teu coelho em uma panela de água fervendo, e te amarrar com silver tape numa cadeira enquanto cortava a tua orelha com uma navalha e te perguntava onde é que tava todo aquele amor. Mas de quê adiantaria, Sô? É tudo tão óbvio... Deixemos assim.
A Sônia bufou:
-E a gente...? E tudo o que a gente tinha imaginado, e as coisas que iríamos fazer?
-Vão ficar pelo caminho. Não vão se tornar realidade. Acontece o tempo inteiro, Sô. Especialmente em casos como esse. - O Flávio respondeu enquanto se levantava.
-E é o melhor que a gente podia fazer? - Perguntou ela, de cabeça baixa.
-Não. - Respondeu o Flávio. -O melhor teria sido nós continuarmos honestos um para com o outro...
Ele ficou parado na frente dela. Até que ela engoliu em seco e disse:
-Flávio... Eu não quero mais ficar contigo... Acho que a gente devia terminar.
Ele disse:
-OK.
E saiu. Se encontraram uma vez, perto do shopping, ela acenou, e ele correspondeu com um movimento de cabeça. Não pararam pra conversar.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Resenha Cinema: Missão Madrinha de Casamento


Sou um fã antigo de Saturday Night Live. O clássico programa de esquetes de comédia que está no ar nos EUA desde 1975 e que revelou alguns dos maiores e mais engraçados comediantes do cinema norte-americano. De lá saíram caras do calibre de Dan Aykroid, John Belushi, Chevy Chase, Eddie Murphy, Mike Myers e Will Farrell.
Quando fiquei sabendo que Kirsten Wiig, fixa no elenco atual da atração e provavelmente a mulher mais engraçada da história do SNL estava no filme Bridesmaids (Damas de Honra), achei que valeria uma espiada quando saísse em DVD. Quando vi que o filme estava sendo produzido por Judd Apatow, o cara de Ligeiramente Grávidos e O Virgem de 40 Anos, achei que, talvez, valesse tentar no cinema. Daí em diante, as notícias foram me atraindo para o filme, o diretor Paul Feig, egresso da TV, não fedia nem cheirava, o restante do elenco, com a também SNL Maya Rudolph, a Mellisa (Molly de Mike & Molly) McCarthy, além da bonitona Rose Byrne (De X-Men - Primeira Classe) era interessante, mas, confesso, fiquei com um pé atrás quando descobri que o roteiro era de Kirsten Wiig.
Nada contra roteiristas mulheres, Diablo Cody fez um trabalho decente em Juno, Tina Fey é uma ótima roteirista e também é egressa do SNL, mas quando me falam em filmes de roteiristas de Saturday Night Live, o que me vem à cabeça são as bombas que naufragaram nas bilheterias dos cinemas americanos e juntam poeira nas estantes das locadoras. Para cada Os Irmãos Cara de Pau e Quanto Mais Idiota Melhor, saem dez O Tigrão, Despenca Uma Estrela e Os Estragos de Sábado À Noite, ainda assim, resolvi conferir o longa, e no sábado, estava na frente da moça da bilheteria escolhendo os lugares de onde assistiria ao filme. O fato de apenas quatro assentos estarem ocupados na sala me deixou apreenssívo, confesso. Fiquei ainda mais apreenssivo quando, ao entrar na sala, percebi que os quatro assentos se transformaram unicamente em seis.
E foi assim, com apenas oito testemunhas dentro da sala, que eu vi Missão Madrinha de Casamento (títulozinho sem vergonha que deve ter colaborado pra afugentar o público), provavelmente a melhor comédia desse ano.
No filme conhecemos Annie (Kirsten Wiig, hilária demais!), ex-confeiteira que perdeu tudo com a recessão e hoje divide apartamento com uma esquisita dupla de irmãos ingleses enquanto trabalha em uma joalheria, emprego que conseguiu graças às conexões de sua mãe no Alcoólicos Anônimos e que não preza nem um pouco. Annie tem um rolo com Ted (John Hamm, em uma engraçada ponta de luxo), um escroto "amigo com benefícios" à quem Annie, por alguma razão se sujeita, mesmo sabendo que não há futuro pro tipo de relação que partilham. Enquanto leva a vida desse jeito, Annie encontra em sua amiga Lillian (Maya Rudolph, também ótima), o ouvido amigo com quem partilhar suas desventuras. Até que o namorado de Lillian, Dougie, a pede em casamento, e Annie, melhor amiga da noiva, é transformada na madrinha que ajudará a organizar o casório, realizará a despedida de solteira e o chá de panela.
Annie, porém, não está sozinha nessa missão. Além das damas de honra Becca (Ellie Kemper), uma virginal amante de desenhos animados que passou a lua de mel na Disney, Rita (Wendy Mclendon-Covey) uma amargurada esposa infernizada pelos três filhos meninos, e Megan (Mellissa McCarthy), a durona irmã o noivo, há Helen (Rose Byrne).
Magra, linda, rica e bem-casada, Helen é a organizadora de festas definitiva. Cheia de contatos, bom-gosto, presença e espírito, a esposa do chefe de Dougie, de maneira taciturna, vai tentando tomar o posto de Annie, que vendo a própria vida pessoal e profissional ir para o vinagre, se torna disposta a lutar até as últimas consequências para não perder sua melhor amiga para a perua.
Se a sinopse que tem circulado nos jornais faz parecer que o filme é uma versão feminina de Se Beber Não Case, não se iluda. Não é.
Se Beber Não Case é excelente, é misógino e baixo calão como exige a cartilha dos "bromances" que querem fazer rir. Missão Madrinha de Casamento pode ser considerado, muito mais que a versão de saias do hit de 2009. É a resposta feminina aos bromances, claro, mas também às comédias românticas que ameaçam deixar o espectador em coma diabético e que costumam mostrar que todos os problemas das mulheres estão ligados ao fracasso de suas relações amorosas. Em Missão Madrinha de Casamento Annie não está na pior por que não tem namorado. Na verdade, estar solteira pra personagem é apenas mais um perrengue pelo qual ela passa, e nem de longe é o mais grave. Aliás, todas as mulheres são críveis em Missão Madrinha de Casamento, e as relações entre elas, também. Sai a camaradagem incondicional dos personagens de Penetras Bons de Bico, Ligeiramente Grávidos e Segurando as Pontas e entram as alfinetadas e a inveja feminina, justificada, ou não, ao qual todos são tão familiares.
Kirsten Wiig e companhia fazem um filme divertido, engraçado, com a acidez das melhores comédias, mas uma colherinha de açúcar pra adoçar o bico da platéia feminina já que em Missão Madrinha de Casamento, as mulheres são quem mandam na festa.
Assista, é hilário.

"É a primeira vez que eu te vejo feia. E isso me faz feliz."

sábado, 24 de setembro de 2011

Banheiros


O pai de Sandoval conhecia todos os banheiros de acesso público da região. Ás vezes, quando Sandoval era mais jovem e saia com seu pai, os dois passavam em frente a algum estabelecimento comercial, e seu pai apontava com o queixo e dizia:
-Tremendo banheiro, aqui. Muito bom. Arejado, limpinho. Bem bom pra largar um barro.
O pai do Sandoval se referia à atividade de ir aos pés assim, "largar um barro". Sandoval achava engraçado. Raramente usava essa expressão, raramente usava "ir aos pés", também. Geralmente ele não dizia o que estava indo fazer no banheiro. De qualquer forma, Sandoval achava impressionante a dificuldade que seu pai tinha pra conter as próprias necessidades fisiológicas.
Claro, não era apenas por curiosidade acadêmica que o genitor de Sandoval conhecia todos os banheiros de acesso público da região. Não. Teobaldo, o pai de Sandoval, conhecia todos os banheiros públicos da região porque entrara em efetivamente todos. Era um sujeito de intestinos excitáveis, o Teobaldo. Isso provavelmente era uma ação do intestino pra copiar as características pessoais de Teobaldo. Que era assim, explosivo, emotivo, chorão em todos os sentidos da palavra.
Sandoval lembrava-se dos incômodos quando estava tomando banho e sua mãe batia à porta do banheiro avisando:
-Sandoval, apura o teu banho que o teu pai tá apertado.
Sim, a mãe de Sandoval precisava avisá-lo, pois o seu Teobaldo já estava perambulando com passos miúdos por dentro de casa enquanto retorcia o tronco como se estivesse sentindo cãibras no abdôme.
Sandoval odiava aquilo. Era uma das coisas que o Sandoval detestava em seu pai, e em que ele lutava pra não se parecer com ele. Sandoval tinha horários pra tudo. Pra ir ao banheiro, tomar banho, dormir, acordar. Achava que era importante saber se controlar. Supunha que controlando seu ambiente, poderia controlar sua vida. Ou ao menos os âmbitos dela que dependessem unicamente de si.
Passaria a vida controlando sua merda, pra que merda alguma controlasse sua vida.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Rapidinhas do Capita


Foi enquanto comia um bife bastante satisfatório no restaurante perto do trabalho que o Antônio teve uma epifania.
Enquanto cortava um pedaço do filé grelhado em seu prato, Antônio esbarrou com um naco de gordura particularmente endurecida no meio da peça de carne. Foi então que ele esfregou com força a lâmina serrilhada da faca no bife, quase rangendo os dentes. E só aí, superou o obstáculo. Uma vez vencida a ilha de gordura e nervo no ponto em que ela parecia estar mais unida ao restante do bife, Antônio se pôs a contornar com a faca a carne ao redor da parte considerada ruim do filé. Com dedicação e esmero, cortou pacientemente o bife, assegurando-se que não estava deixando carne boa ficar presa à peça a ser descartada. Finalmente, após alguns minutos de imersão na tarefa, Antônio viu o bife com um círculo quase perfeito recortado na parte mais alta do bife, e deparou-se com uma parte mais rosa da carne ao ponto, agora exposta.
Salivou de antecipação enquanto o garfo viajava com a carne do prato à sua boca, e expirou o ar quase suspirando enquanto mastigava e sentia o saboroso suco da carne enchendo-lhe a boca. Percebeu que, se não fora aquele obstáculo, ele não teria dado-se ao trabalho de tirar a aponervose do bife, nem visto aquela bela cor da carne, suculenta, macia e deliciosa. Deu-se conta de que, nos últimos anos, muito mais reagira às coisas do que agira. Antônio flagrou-se de que andara fugindo de todos os obstáculos, evitando incomodar-se, evitando ter de lutar contra qualquer coisa que fosse. Era cômodo. Era seguro.
Mas agora, enquanto saboreava aquele bife, não pôde deixar de pensar no que andara perdendo.

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Ela, abraçada nele com força, segurando com firmeza a mão dele por detrás das costas, enquanto esperavam que a sala de cinema se abrisse para que entrassem e vissem a comédia romântica francesa que ela escolhera após procurar por dquase duas horas na internet em fóruns de filmes alternativos.
Viram um poster de filme com a Mila Kunis e o Justin Timberlake. Ela perguntou:
-Amor, tu me trocaria por essa mulher?
Ele, sem pensar muito disse:
-Não.
Ela o encarou fechando um olho como quem não acredita:
-Não, mesmo?
Ele, sério, respondeu novamente:
-Não mesmo.
Continuaram andando. Passaram por um banner do Thor. Ela parou um pouco, e perguntou:
-E pela Natalie Portman?
-Também, não. - Ele respondeu quase de pronto.
Ela pareceu não estar convencida. Viu o teaser-poster de Os Vingadores e quis saber:
-E pela Scarlett Johansson?
-Nah... É bonita, é gostosuda, e tal, mas não. Não trocaria.
Ela ficou olhando pro pôster:
-Mas ela é tão bonita...
Ele ficou, também, olhando pro pôster, e disse:
-É, é muito bonita, mas tu também é, e tu tem a vantagem de que eu sou apaixonado por ti, e não por ela.
Então virou-se pra ela e sorriu. Ela sorriu de volta e eles se beijaram. A sala que eles esperavam se abrir foi liberada e eles se encaminharam pra lá enquanto ele pensava na sorte de não ter nenhum filme com a Megan Fox por estrear.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Rapidinhas do Capita


-Cuidado... - Ela avisou, enigmática. - ...Por mais que tu tente não demonstrar, tu vai acabar te apaixonando por mim, guri.
Ele riu, olhando-a enquanto ela entrava no Orient Express logo atrás de Hercule Poirot e do capitão Arthur Hastings. Só depois que o apito do trem soou e ela acenou da janela com um lenço vermelho e púrpura horroroso foi que ele se deu conta, de que, se Poirot estava no Orient Express, é por que iria ocorrer um crime! Desesperado correu pela linha férrea atrás da composição, mas não foi capaz de alcançá-la. Tentou contato pelo celular, mas não havia área de cobertura, amaldiçoou a Claro.
Acordou suado na cama, e sentiu um breve alívio ao perceber que fora um sonho. Ela não viajara no Orient Express, e, quando ocorreu o assassinato no famoso trem, Hastings não estava junto com Poirot, ele sabia disso, já lera aquele livro inúmeras vezes. Tentou voltar a dormir mas não conseguiu.
Achou melhor mandar uma mensagem de uma forma ou de outra, afinal, estava, de fato, apaixonado por ela, era melhor ter certeza.

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Estavam sentados lado a lado a Jessica e o Rubens, no banco de um shopping qualquer. Ela parecia emburrada, ele não parecia emburrado, mas dava pra ver, pelo modo como balançava insistentemente o pé da perna que pendia cruzada no ar, que ele estava, também, fulo.
Ela mexia na bolsa, casualmente, com fingido desinteresse, mas bufava. Chegou um momento em que não aguentou:
-Sabe qual é o maior problema? Não vou nem dizer todos, vou ficar só no maior, o maior problema é tu ser incapaz de acenar com um sinal, mínimo que seja de reciprocidade, um feedback, unzinho que fosse, já seria bom, mas até isso é pedir demais pra ti, aí fico eu, boiando, sem saber de nada, sem saber o que esperar, e tu aí, com essa cara de paisagem.
-E o que tu queria? - Ele perguntou, olhando pro outro lado. - Que eu passasse o tempo todinho te dizendo coisas românticas? Recitando Pablo Neruda? Cantando canções da Sade, e entalhando corações em todas as árvores do mundo com teu nome junto ao meu?
Sua voz respingava sarcasmo. Ela bufou se levantando.
-Não. Eu nunca esperaria tanto de um retardado emocional que nem tu. Mas, se ao menos a gente combinasse um sinal, pra que quando eu perguntasse "Tu gosta de mim?", eu ouvisse alguma resposta, ou visse uma resposta, nem que fosse um mindinho balançando.
Ela se levantou e saiu caminhando. Ele ficou sentado olhando ela ir embora de cara amarrada, mas depois que ela virou a esquina, ele balançou, quase casualmente o dedo mínimo.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Resenha Cinema: Conan - O Bárbaro


Me lembro, desde moleque, de ganhar os quadrinhos de Conan, o bárbaro, de meu pai. Seu irmão mais velho, meu tio, lera desde cedo as aventuras d'A Espada Selvagem de Conan passando-lhe o hábito.
As histórias escritas por Roy Thomas e desenhadas com maestria por John Buscema enchiam minhas tardes de lugares exóticos, feiticeiros cruéis, mulheres sensuais em trajes sumários e criaturas bizarras. Aos nove anos de idade era capaz de citar de cor a introdução das histórias, as "Crônicas da Nemédia", e seu poderoso texto que dizia "Saiba, ó, Príncipe, que entre os anos em que os oceanos sorveram Atlântida e aqueles em que se ergueram os filhos de Aryas houve uma era inimaginada, repleta de reinos esplendorosos que se espalharam sobre a terra como miríades de estrelas sobre o manto negro dos céus. Nemédia, Ophir, Brithúnia, Hiperbórea. Zamora, com suas mulheres de cabelos escuros e torres assombradas por aranhas misteriosas; Zíngara e a nobreza; Koth, fronteiriça com as terras pastoris de Shem; Stygia, com suas tumbas vigiadas por fantasmas; Hirkânia, e os cavaleiros vestidos de aço e seda e ouro. Porém, o reino mais orgulhoso do mundo era a Aquilônia, soberana do Ocidente sonhador. Nesta época surgiu Conan da Ciméria, cabelos negros, olhar feroz e mãos sempre crispadas sobre o cabo da espada, ladrão sagaz, saqueador, assassino frio, dono de gigantesca melancolia e gigantesca jovialidade, para pisotear os adornados tronos da Terra sob as sandálias que calçavam-lhe os pés...", era fenomenal.
Muito do que eu sabia de Conan provinha desses gibis, apenas mais tarde foi que tomei conhecimento das histórias de Robert E. Howard, criador do personagem, para as revistas Pulp americanas da década de 30, e dos romances a respeito do personagem.
E, apenas bem mais tarde, foi que assisti aos filmes de Conan estrelados por Arnold Schwarzenegger (Será que escrevi certo?).
As adaptações Conan - O Bárbaro e Conan - O Destruidor ganharam uma legião de fãs, especialmente o primeiro longa, de 1982, dirigido por John Millius e roteirizado pelo próprio em parceria com ninguém menos que Oliver Stone, era co-estrelado pelo Darth Vader James Earl Jones, como Thulsa Doom, e contava a origem do personagem em uma história sólida e violenta. Tinha uma trilha sonora poderosa composta por Basil Poledouris, e agradou fazendo grande sucesso nas bilheterias. O filme de 84 não foi tão bem, apostava em uma história com pegada mais semelhante à dos quadrinhos da Marvel(Não por acaso, já que os escritores eram Gerry Conway e Roy Thomas, dois mestres na matéria), e não recebeu os mesmos louros do antecessor embora fosse, também, uma saudável aventura de espada e magia.
Por muito tempo a criação máxima de Howard vagou em todas as mídias. Virou uma esquecível série de TV, teve sua licença de publicação abandonada pela Marvel após algumas escolhas ruins da Casa das Ideias que acarretaram em baixas vendas da série, e adquirida pela Dark Horse, dando origem à ótima Conan - O Cimério, que infelizmente não manteve a qualidade após a saída do roteirista Kurt Busiek e do artista Cary Nord, que ao lado de Thomas Yaetes produzia ilustrações belíssimas nas páginas do gibi.
Entretanto, nesse tempo de baixa qualidade em Hollywood, repleto de remakes e adaptações, era óbvio que um personagem como Conan não poderia ficar muito tempo longe dos holofotes, e, como a criatividade dos executivos do cinema anda bastante combalida, era previsível que o destino do cimério fosse, mesmo, voltar à telona.
Sábado fui ao cinema assistir Cao filme de Marcus Nispel com baixas expectativas, afinal, quem pode esperar grande coisa de um sujeito que tem no currículo porcarias como os remakes de O Massacre da Serra Elétrica e Sexta-Feira 13, além do bem-intencionado mas descartável Desbravadores? O que eu queria era, ao menos ver uma aventura decente, que me distraísse por um par de horas de uma noite. E surpresa: Nesse sentido Conan - O Bárbaro, não chega a decepcionar.
O longa metragem estrelado por Jason Momoa (O Khal Drogo de Game of Thrones) mostra a vida de Conan desde o momento em que nasce no campo de batalha, com seu pai (o Hellboy Ron Pearlman) ajudando no parto à maneira dos bárbaros. O crescimento do jovem na inóspita vila ciméria onde é preparado pra ser um guerreiro até o momento em que, ainda menino, seu caminho se cruza com o do cruel Khalar Zym (Stephen Lang, de Avatar), que almeja reconstruir uma relíquia para ressucitar sua esposa, uma feiticeira capaz de torná-lo um Deus e lançar o mundo nas trevas, direcionando o jovem cimério à uma jornada de vingança que atravessa os anos.
Não é um roteiro dos mais inovadores, e, quando assistimos ao filme percebemos que ele tem mais buracos que as estradas do Brasil da Copa do Mundo. A direção meia-boca de Nispel não ajuda, e a edição, especialmente no terceiro ato durante o combate na caverna, é confusa. Entretanto, há pontos positivos, o grandalhão Momoa convence como Conan. Ele consegue equilibrar ferocidade e uma certa dose de escárnio, com um roteiro melhor construído e uma direção mais segura, talvez conseguisse um Conan mais do que apenas satisfatório, as locações na Bulgária são lindas, e há uma narração em off de Morgan Freeman que é muito legal. Os demais membros do elenco não chegam a fazer grande diferença, a bonitinha embarangada Rose McGowan como a feiticeira Marique, assim como Stephen Lang parecem estar no piloto automático, e Rachel Nichols não tem muito a oferecer além do rostinho bonito (E do corpinho gostoso). Em termos de atuação o destaque fica mesmo com Ron Pearlman e seu Corin. O pai de Conan é o personagem mais crível e carismático do filme.
Conan - O Bárbaro, porém, ganhou pontos comigo por ser um filme que é ruim por que é ruim, e não por se pasteurizar e suavizar na tentativa de abarcar uma audiência mais ampla. Nispel e companhia não suavizaram a violência do longa, que tem membros e cabeças decepados aos borbotões, sangue (cenográfico e digital) aos litros e peitos de fora pra todos os gostos (Por mais que apareçam seios, ninguém usa um tamanho de sutiã maior que Schwarza).
Pode-se acusar Conan - O Bárbaro de qualquer coisa, menos de não ter convicção. É um bom filme ruim, que deve ficar melhor em DVD ou na TV a cabo.

"Fuja de mim... E eu vou partir montanhas para encontrá-lo. Eu o seguirei até o inferno."

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

All you need is...


O Delcir estava tranquilo, mascando um chiclete de morango e maçã verde enquanto saía do trabalho quando o celular em seu bolso zuniu pela vibração e entoou 1979, dos Smashing Pumpkins alertando-o de que uma mensagem de texto acabara de desembarcar em sua caixa postal. Como fazia sempre, Delcir jogou a mochila nas costas, e enquanto colocava os óculos, sacou o telefone do bolso da calça jeans desbotada que vestia, e apertou a tecla que colocava a mensagem na tela.
A mensagem trazia, no cabeçalho, o nome de Mariana. Ele sorriu brevemente ao ver o nome dela, ela, eventualmente lhe mandava mensagens dizendo o que estava fazendo, como estava seu dia, e que sentia falta dele enquanto estavam apartados.
Ao ler o conteúdo do SMS, porém, o sorriso desapareceu do rosto de Delcir. Na missiva eletrônica, Mariana dizia, com outras palavras e muitos rodeios, que tinha dúvidas a respeito do futuro dela e de Delcir enquanto casal.
Delcir, muito sério, apertou a tecla sob a palavra responder, e digitou rapidamente, usando apenas o polegar esquerdo: "Conversar?".
Enviou a mensagem, e após alguns minutos veio a resposta: "19:00 no bar do Tola".
O bar do Tola, lembrou-se Delcir, fora o primeiro lugar onde Mariana e ele foram como um casal. Comeram um lanche qualquer, tomaram refrigerantes e conversaram por horas. Delcir lembrava com carinho em geral do bar do Tola, e em particular do bar do Tola naquela noite.
Andou com decisão pelas ruas em direção ao local do encontro, chegou e sentou-se em uma mesa qualquer. Não sabia qual seria o desfecho da conversa que teria com Mariana naquela noite, de modo que não quis sentar na mesma mesa em que haviam sentado quando de sua primeira noite como um casal, embora ela estivesse vazia.
Bebeu uma soda limonada enquanto aguardava Mariana, que chegou alguns minutos atrasada. Ela cumprimentou o garçom com um sorriso, e acenou para a menina do caixa, ainda sorrindo. O sorriso, porém, desbotou e sumiu quando ela olhou para Delcir e caminhou até ele como se fosse ele um patíbulo e ela uma condenada.
Sentou-se enquanto largava suas coisas com um suspiro na mesa. O garçom se aproximou perguntando:
-Uma Coca?
Ela confirmou com um aceno de cabeça e um sorriso breve. O garçom saiu. Delcir respirou fundo, olhando pra ela com o corpo jogado pra trás, as costas coladas ao espaldar da cadeira. Estava sério, também. Ela também respirou fundo, e balançou a parte superior do corpo casualmente. Suspirou de novo.
Ele começou:
-Então...
Ela esperou, mas ele não disse mais nada. Ela respondeu:
-Pois é...
Ficaram se encarando em silêncio. Ele amaldiçoando o ridículo da situação, perguntando-se por que não começava logo a falar, mas ao mesmo tempo temendo dizer alguma bobagem. Conhecia-se a si proprio, sabia exatamente que quando começasse a falar, contrariado que estava, não pararia mais, e era grande a possibilidade de dizer uma besteira. Pensou se estava magoado. Concluiu que sim. Lembrou-se que, quando estava magoado, tinha tendência a ser mordaz. Excessivamente mordaz. Magoado, Delcir costumava ser uma versão suja de si mesmo. Resolveu respirar fundo e começar pelo começo. Inclinou-se pra frente e disse:
-Olha, Mari...
Mas o garçom chegou com a Coca. Pousou a lata sobre a mesma com um movimento rápido enquanto a abria com destreza. Encheu o copo até a metade e passou um pano úmido sobre a mesa.
-Vão querer pedir? - Perguntou, casual.
-Agora, não. - Respondeu Mariana, solícita.
O garçom se afastou sorrindo. Delcir esperou enquanto Mariana dava um gole em seu refrigerante e se inclinou pra frente de novo:
-Olha, Mari... Eu confesso que não sei bem como começar essa conversa. Se eu tivesse recebido a tua mensagem seis meses atrás eu provavelmente teria respondido "OK", e deixado por essas. Simplesmente ia cuidar da minha vida e parar de te procurar, mas... Mas sei lá. O que... O que tu quer? Me ajuda por que, francamente, eu não sei o que te responder. Tu quer terminar comigo, beleza, eu entendo, não vou, sabe, me forçar na tua vida, não vou impôr minha presença de nenhuma maneira, só... Me avisa o que é, por que esse papo de "tô em dúvida sobre a gente", não me diz muita coisa exceto que tu tem medo de dizer como tu te sente de verdade... - Delcir ouviu o próprio tom, percebeu que estava se exaltando, estava a dois passos de bater na porta do quarto da sua versão escrota. Refreou-se. - Então... Sei lá... Me dá uma luz. Diz o que é pra gente resolver como duas pessoas sensatas.
A Mariana tomou mais um gole de refrigerante. Pousou o copo sobre a mesa mas não o largou. Na verdade o segurou firme entre as duas mãos. Olhando pro copo começou a falar:
-Eu não sei, Del... Não sei, mesmo. Se eu soubesse eu não ia dizer que tinha dúvidas. Ia dizer o que me incomodava e pronto. Eu não sei o que é, e essa é a parte pior. Eu não sei o que é, então... Sei lá. Parece que tem alguma coisa que eu não gosto, e ela vai contaminando as outras, sabe? Eu não sei mesmo o que é. Achei que podia ser, de repente, a tua necessidade constante de privacidade, sabe? Não que eu não queira te dar privacidade, mas ás vezes, sei lá... Parece um pouco demais, entende? Tu não me deixa entrar... O teu muro, sabe? Tu tem um muro ao redor, e ele nem é... Não é alto, entende? Mas ele fica tão longe... E eu não sei, ás vezes, se eu já cumpri a distância, eu não sei se tu já me deixou entrar de verdade. Eu não sei se tu quer me deixar entrar. Ás vezes a gente tá conversando e eu penso "É isso, eu tenho certeza que ele me ama!", mas aí, no momento seguinte, tu faz alguma coisa, ou não faz, ou diz alguma coisa e eu penso "Não. Alarme falso. Ele nem sequer gosta de mim.". E eu lamento, sabe? Por que a gente tem tanto em comum, e tu gosta de umas coisas tão legais, e não é, sabe? Chato o modo como tu gosta dessas coisas. E eu queria muito que só te amar bastasse. Mas eu não sei se é. Eu não sei se basta. E essa dúvida me assusta, e quando eu tô assustada, eu geralmente penso em me preservar. Então... Então é isso. É essa a minha dúvida.
Ela ergueu os olhos do copo, onde parecia que o discurso estava escrito antes de ela começar a falar. Ela o encarou, e parecia tranquila, embora seus olhos estivessem vagamente marejados.
O Delcir olhou, também, para o seu refresco.
-Olha, Mari... Eu... Eu sei que eu não sou fácil, sabe? Não é de propósito... Não totalmente. Eu só... Sou assim. Não é que eu queira te afastar. Mas eu também preciso me preservar. O que eu posso te dizer? Tu me conhece. Eu não sou otimista. Eu não acredito que tudo vai se resolver ou dar certo no final. Não... E não. Não acho que amor, apenas, baste. Por que, olha... O Amor, ele... Ele não conquista a tudo, ele não é cego, não é com amor que a amor se paga, nem... Olha, que Deus me perdoe, o John e o Paul estavam errados, não é só do que você precisa... Mas...
A Mari ergueu os olhos. Delcir tirou a mão dela do copo de coca e apertou entre seus dedos.
-... Mas é um puta começo, então, acho que a gente tá no caminho.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Divagando...


Foi o ruído característico do flautin do afiador de facas e sua melodia indefectível que fizeram o Amadeu perceber que estava ficando velho. Foi ele lembrar que quando era criança, era difícil passar um dia sem ouvir aquele som, e a melodia comum a todos os afiadores ecoando por dentro de casa. Foi lembrar como, em mais de uma ocasião, ele recebeu trocados de sua mãe e saiu correndo com algumas facas embrulhadas em um pano de prato. De como ficou observando enquanto o afiador, geralmente um homem de meia idade, nunca jovem, com a pele escurecida pelo sol e castigada por vento, chuva e monóxido de carbono afiava as peças com o seu equipamento atrelado à uma bicicleta modificada que era uma mistura de meio de transporte e estação de trabalho.
Amadeu pensou se aqueles afiadores que ainda resistiam não estavam apenas procrastinando o inevitável. Se ainda havia, nos dias de hoje, nesses dias de coisas mais e mais descartáveis e fugazes, quem precisasse afiar facas.
Se sentiu velho. Velho e cansado ao perceber quão raros eram os afiadores de facas naqueles dias, e quanto tempo se passara desde que ele ouvira aquele som pela última vez com alguma frequência.
Pegou-se questionando o próprio comportamento ao perceber sua idade, e que, com sua idade, seu pai já era casado, tinha três filhos, e não comprava mais brinquedos de nenhuma espécie. Lembrou-se que seu pai, com sua idade, sequer lia os gibis do Conan que ambos tinham em comum quando da infância de Amadeu.
Ele lembrava de seu pai chegando do trabalho no final do dia com um gibi do Conan em um envelope pardo, que era como as bancas de revista do centro de Porto Alegre embalavam gibis, e lhe entregar o mimo lhe dizendo desbocadamente que a história daquele mês estava "do caralho".
Amadeu pensou no que andava fazendo. Se agia certo. Se não estava sabotando algo, relegando algo, procrastinando alguma coisa, ou vivendo uma crise precoce de meia idade.
Ao chegar à sala apanhou o sabre-de-luz de brinquedo sobre o encosto do sofá. Ligou-o vendo a luz vermelha preencher a lâmina branca e sorriu enquanto o zunido característico da arma enchia o ar. Sorriu mais ainda ao lembrar dela, e de como ela reagira bem ao brinquedo.
Havia coisas, pensou, para com as quais era melhor não ter pressa.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

FIFA 12 x PES 12



X


Ontem, como um bom aficionado por games de futebol, me pus a baixar as versões DEMO dos games de futebol que dominam o mercado a anos, e que fazem uma briga boa nos consoles e PCs pela supremacia do mercado.
Após cerca de 45 minutos na PSN, estavam no HD do meu Playstation 3 as demos das edições 2012 dos dois games, e, após cerca de uma hora de jogo de cada um dos DEMOs, posso afirmar sem medo de ser injusto, que FIFA ainda é mais jogo que Pro Evolution.
Não me entenda mal, eu gosto muito do game da Konami, aliás, me criei na frente do Super NES jogando International Super Star Soccer em todas as versões disponíveis, inclusive as piratas como Campeonato Brasileiro Soccer, depois, no Nintendo 64, idem, segui fiel aos games da franquia, nas versões 64, 98, e 2000 (Ou era 99), foi apenas em 2003, ao migrar para o Nintendo Game Cube que eu e meu irmão nos vimos forçados a jogar FIFA, jogo de que não éramos nem remotamente fãs, e por culpa da Konami, que não lançou versões de seus games de futebol para o console de 128 bits da Nintendo.
Se a versão de 2003 do FIFA não era particularmente memorável, a de 2005 já apresentava boas melhorias, a de 2006 também era ótima, e a cada ano, a série da EA Games apresentava melhorias com relação à versão anterior.
Desde 2008 os FIFA vêm superando o PES por pouco, essa vantagem aumentou bastante na versão 2011 dos games, quando PES abriu mão do seu diferencial, ser um game mais arcade, voltado pra jogadores ocasionais que jogam com os amigos, e tentou implantar uma jogabilidade de simulador onde o FIFA reina soberano. Na edição 2012 o Pro Evolution Soccer tenta remediar esse erro, apresenta um game que se equilibra melhor entre o arcade e o simulador, mas ainda apresenta defeitos que xaropeiam um pouco, a movimentação dos jogadores, que parecem deslizar lépidos sobre o gramado, as cabeças que parecem independentes do corpo, e a facilidade em cruzar meio campo com a bola colada ao pé antes de fuzilar o pobre goleiro. Mesmo o rosto dos jogadores mais famosos já estiveram melhor construídos, enquanto eu jogava uma partida entre Milan e Manchester, Alexandre Pato fez um gol, e saiu comemorando com um cabelo curtíssimo e com uns dentes imensos ao abrir o sorriso de goleador, assustador.
Já a DEMO do FIFA não apresentou muitas melhorias com relação à edição do ano anterior, e nem precisava, o game era basicamente perfeito, agora, parece um pouco mais difícil, a inteligência artificial das defesas do computador parecem aprender com os seus dribles e lances e vão dificultando a repetição de jogadas bem sucedidas. No Arsenal e Manchester City que disputei, Nasri (Antes de virar a casaca) entrou pela esquerda, cortou o zagueiro e chutou forte obrigando Harta fazer grande defesa. Pouco depois, repeti o lance, mas o zagueiro, mais esperto, guardou distância e tinha cobertura de um companheiro, me obrigando a chuveirar pra área em busca de Van Persie. O alardeado sistema de choques gerado pelo (excelente) engine de física do jogo, pelo menos nas partidas que eu disputei não pareceu assim tão inovador, divertido ou decisivo, veremos como se apresenta na versão integral do game.
Enfim, pelo menos nas versões teste, Pro Evolution segue sendo um game bacana pro player ocasional bater uma pelota com os amigos, ao vivo, ou on-line, é fácil de jogar, divertido e deixa qualquer um se sentir o Pelé do joystick, ainda tem as licenças da UEFA Champions League e da Libertadores da América. Mas pro player hardcore, que ama futebol de verdade, com lama, lesões, encontrões e dificuldade, que explode de alegria ao vencer a defesa adversária e meter a redonda na rede, FIFA segue sendo a melhor e mais fiel pedida.
Se tu tem um Play 3 e FIFA, me adiciona na PSN e vamos fazer uns quebra-canelas, procure por Dheogar.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Batman: Ano Um


Foi lá no distante ano de 1987 que Frank Miller e David Mazzucchelli se juntaram e criaram o que seria uma das obras seminais do homem morcego nos quadrinhos. A mini-série Ano Um mostrava um jovem e inexperiente Bruce Wayne voltando a Gotham City após doze anos viajando pelo mundo e refinando suas técnicas de luta, investigação e ciências disposto a combater com todas as suas forças ao mesmo tempo em que o tenente James Gordon era transferido de Chicago acompanhado de sua esposa e filha.
Enquanto o jovem Wayne aprendia que combater o crime era mais complicado do que ele supunha em um primeiro momento, Gordon descobria que o crime em Gotham estava em toda a parte, inclusive na força policial.
Esses dois personagens trilhavam paralelamente seus caminhos, até formarem uma das alianças mais conhecidas e duradouras dos gibis.
Todo mundo sabe da importância desse quadrinho. Ele é praticamente o roteiro de Batman Begins e dá o tom de boa parte da trama de Batman: O Cavaleiro das Trevas, ele é o equivalente do Batman à ótima reformulação do Superman, por John Byrne após Crise nas Infinitas Terras, e foi onde o Batman primeiramente recebeu muitas das facetas que o tornaram um personagem tão único ao longo dos anos.
Mais que isso, foi um dos quadrinhos que elevou Frank Miller ao posto de grande mestre dos quadrinhos, antes de ele tentar ser diretor de cinema, assassinar a obra de Will Eisner e perder as estribeiras em histórias ruins. Essa é uma história que tinha as melhores características do grande Frank Miller que criou Demolidor: A Queda de Murdock, e Cavaleiro das Trevas. Um texto esperto e pesado que jogava um pouco de sujeira e especialmente humanidade em ícones dos gibis.
Ano Um finalmente mostrou um Bruce Wayne/Batman que tinha várias camadas, mostrava um morcego em início de carreira cometendo erros e falhando enquanto pavimentava o caminho até se tornar uma lenda. Ainda conseguiu mostrar James Gordon como muito mais que o velho sentado atrás do telefone vermelho, apresentando um sujeito íntegro, mas que tinha falhas de caráter terrivelmente humanas como por exemplo o caso extra-conjugal que ameaçava seu emprego. Um personagem tão verossímil que era difícil não se identificar com ele, e torcer por ele enquanto ele surrava o valentão Flass.
Não bastassem todas as qualidades do texto de Miller, ainda haviam os excelentes desenhos de David Mazzucchelli, repletos de expressão jogando com sombras e dando o tom urbano realista que a história pedia, além de estabelecer uma aparência de jovem Gregory Peck ao Batman, fisionomia que caiu tão bem que foi repetida em uma versão mais velha do Morcego por ninguém menos que Alex Ross, na ótima O Reino do Amanhã.
A Panini acaba de relançar essa obra prima em versão encadernada de luxo, com capa dura, papel de qualidade e 40 páginas recheadas de vários extras interessantes além de introdução do próprio Miller e posfácio ilustrado por Mazzucchelli. O preço é meio salgado, R$ 37,00, mas acredite, pela qualidade da publicação, e principalmente, da história, vale totalmente a pena.

"Sem aviso, ele veio. Quebrando o vidro da janela do seu estúdio. Eu já havia o visto antes... Em algum lugar. Ele me apavorava quando eu era pequeno... Me apavorava. Sim, pai. Eu irei me tornar um morcego."

Resenha Cinema: Cowboys & Aliens


Há alguns filmes cuja premissa nos pega desprevenidos. Ainda me lembro de quão surpreendente foi ver Matrix, em 99. Eu não podia imaginar que o filme, que era descrito como uma "aventura cyber-punk", pela sessão de cinema dos jornais fosse um entrevero tão grande de referências e estilos cinematográficos diversos que iam dos filmes de kung-fu dos anos setenta a Metrópolis de Fritz Lang, a ficção científica realizada pelos irmãos Wachowsky talvez tenha sido o grande filme-pipoca de 1999, ano que teve uma das melhores safras de cinema de que eu me lembro.
Sem o impacto de Matrix, três anos antes Um Drink No Inferno também misturava estilos diversos em uma fita divertida e despretenciosa, mostrando o filme de maníaco dos irmãos Gecko e seu sequestro à família do pastor Fuller sendo invadido pelos monstruosos vampiros no isolado Tittie Twist. Reino de Fogo, de 2002, também era um filme-pipoca que misturava gêneros, no caso as fitas de ação pós-apocalípticas ao estio Mad Max, e acrescentava dragões à mistureba, que ficava até saborosa pra quem era capaz de suspender a descrença e comprar a premissa maluca.
É com a suspensão de descrença alta que devemos ir ao cinema ver Cowboys & Aliens, adaptação do gibi medonho de Scott Rosenberg que Jon Favreau transforma em filme com elenco estrelado de deixar nerd roendo as unhas, Daniel (Bond) Craig, a quase nem um pouco linda Olivia Wilde, de Tron e House, o ladrão de cena Sam Rockwell, o talentoso Paul Dano, e, claro, o homem que representa um ideal nerd, o Blade Runner, o Indiana Jones, o Han Solo, Harrison Ford!
Na trama, um homem desmemoriado (Craig, Daniel Craig) desperta no meio do deserto do arizona. Após alguns percalços, ele chega à cidade de Absolution, uma arruinada colônia mineradora, onde encontra a bartender Ella (Wilde), e descobre que, em Absolution, as pessoas não gostam de forasteiros, e que a cidade funciona de acordo com os interesses do inescrupuloso rancheiro Woodrow Dolarhyde (O homem, o mito, Ford). As diferenças entre ambos encaminham as coisas a um confronto, entretanto, os antagonistas acabam tendo que se unir contra um inimigo em comum:
Os alienígenas que invadem Absolution, abduzindo pessoas e espalhando o caos e o terror!
Claro, ninguém vai ver um filme com o título de Cowboys & Aliens se não for capaz de engolir uma boa brincadeira. Obviamente não seria verossimilhança o ponto primordial do longa desde a sua origem. O problema de Cowboys & Aliens é que ele começa muito bem, especialmente no tocante ao seu lado faroeste, apresentando personagens arquetípicos interpretados por bons atores, mas de repente manda toda a coerência lá pra casa do Capita em nome de uma ficção científica que não diz a quê veio e que não convence ninguém. O que se apresentava como um filme divertido e movimentado abraça a idiotização dos blockbusters que transforma pataquadas como Piratas do Caribe 4 em campeões de bilheteria. O roteiro dá voltas e mais voltas, se contradiz, e transforma os personagens em idiotas bipolares e alterna entre aliens quase indestrutíveis e suficientemente frágeis conforme convém ao ritmo(?) do filme. Questões são sugeridas e depois solenemente esquecidas (Um dos seis(!) roteiristas do longa era escritor de Lost, isso deve ser cortesia dele.), e mesmo ação, que deveria ser fator de excelência obrigatório em um blockbuster desse tipo e quesito no qual Favreau deveria dominar, deixa a desejar.
Aparentemente coerência (E que fique claro que, por "coerência", não quero dizer realismo) e qualidade são matérias em escassez entre os roteiristas hollywoodianos, acostumados à audiências que adoram um texto pasteurizado.
É uma pena que, pra cada Planeta dos Macacos - A Origem e X-Men - Primeira Classe, hajam dez G.I. Joe e Piratas do Caribe, infelizmente, Cowboys & Aliens, com todas as suas promessas, cai no segundo grupo.

"Eu não entendo muito de barcos, mas eu diria que esse está de ponta-cabeça."

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A Perspectiva Certa


Olhando da perspectiva certa, ele meio que sabia que não fora mais, senão acaso que cruzara o caminho dela e o seu.
Mas ao mesmo tempo, olhando da perspectiva certa, ele sabia que não fora mero acaso oque o impelira a não ter agido como sempre fazia, e se retraído a algum canto obscuro de sua própria insignificância, que o forçara a tentar ser maneiro, expansivo, e divertido. Falhara miseravelmente, é verdade, mas ainda assim... Ela o notara, para o bem ou mal.
Olhando da perspectiva certa, pareceu-lhe surreal que alguém como ela, pudesse gostar de alguém como ele. Alguém tão cheio de defeitos e idiossincrasias, alguém tão humano e tão desgostoso em ser humano.
Olhando da perspectiva correta, pareceu um pouco com uma experiência onírica sentir a maciez de sua pele nas mãos. Ter o perfume de sua pele e cabelos no nariz, o sabor de seus corpo na boca, e o som da sua voz nos ouvidos.
Olhando da perspectiva realista, teria sido melhor se as coisas tivessem acontecido um pouco antes de sua vida se transformar em um caos completo. Teria sido bom ter tido mais tempo com ela. Ter-lhe mostrado o seu mundo, convidando-a a entrar, mexer nas suas coisas, e, quem sabe, jogar seu casaco em cima do espaldar de uma cadeira.
Olhando da perspectiva perspectiva verdadeira, ele sabia que não seria pra sempre, afinal, mesmo os mais idealistas de nós encontram vez que outra seus limites, e até pra paciência de Jó devia haver um fim, por que ela seria diferente?
Olhando da perspectiva correta, era natural que ela encontrasse alguém mais disposto a abraçar a vida do que a tentar ignorá-la. Alguém que tivesse tanta vida quanto ela, e que pudesse ser feliz e feliz fazê-la. Alguém com mais estilo e com uma atitude mais rock & roll.
Olhando da sua própria perspectiva pessimista, ele estava pronto pra esse momento, e, na verdade, se havia ali alguma surpresa, era ter demorado tanto.
Olhando em perspectiva, ele sabia que iria doer um pouco no início, mas que em breve estaria desejando que ela encontrasse completude e alegria em todas as coisas que tentase realizar.
Olhando em perspectiva, ele sabia de tudo isso. Mas a realidade, é que nesse momento, ele não tinha nenhuma perspectiva correta. Pelo menos nenhuma que quisesse ter.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Rapidinhas do Capita


Um anúncio do canal a cabo Bem Simples mostra a ex-modelo Luíza Brunet e a apresentadora de um dos programas da emissora conversando casualmente em uma sala bem iluminada. A ex-modelo mostra à apresentadora, uma morena com cara de sono, um relógio de parede bem sem graça e diz que aquele relógio é... Bom... Sem graça. A apresentadora, então, olha o relógio e sugere casualmente que elas mudem o visual do aparelho com uns recortes de revistas, fazendo um fundo "bem collage".
As duas então, pegam várias revistas Nova, recortam figuras coloridas em padrões geométricos, colam os recortes em um papel mais grosso, e aplicam as camadas no relógio de parede deixando-o moderno, estiloso, e único.
Imaginei uma propaganda igual, mas feita para homens: Um autêntico representante do gênero masculino, alguém como Seth Rogen, ou Homer Simpson ou Reginaldo Rossi, em uma sala com um apresentador igualmente macho. O representante dos homens comuns apanha um relógio sem graça em cima de uma mesa. Ele mostra o relógio de parede para o apresentador e diz que aquele relógio é... Bom... Sem graça. O apresentador então, olha o relógio com desdém, e pergunta porque o amigo comprou aquela porra sem graça se não gostava. Acusa ele de ser igual mulher, que compra por comprar, e lhe diz pra ficar feliz já que pelo menos aquela bosta paraguaia tá funcionando, quando olha a hora e exclama "Puta que o pariu!" e diz que é pra ele largar de frescura e pegar uma cerveja por que vai começar o jogo.
Essa, sim, é uma propaganda de um canal com o qual eu me identificaria.

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Um cliente mexicano entrou na loja onde eu trabalho, hoje. Estava acompanhado de uma menina brasileira que parecia uma dessas patricinhas xaroponas com quem você não consegue conversar. Apesar de ele falar um espanhol límpido e perfeitamente inteligível, a megerinha mirim insistia em traduzir tudo o que ele dizia. O pobre sujeito parecia envergonhado, tímido, até nervoso. Assim que a menina abriu espaço, perguntei-lhe com meu espanhol meia-boca de onde ele era. Respondeu-me que era de Guadalajara. Pensei em rir dele com o dedo em riste lembrando que o Inter venceu a Libertadores em cima do Chivas de sua cidade, mas achei melhor, não. O sujeito já parecia retraído e nervoso o suficiente sem esse tipo de provocação. Achei melhor acenar com a minha melhor bandeira branca, e mostrar o quão bem relacionado eu sou em termos de México:
-¿Es usted un fan de Chesperito?
O sujeito abriu um imenso sorriso. Não era fã apenas de Chesperito, mas de todos os personagens, do Chaves, do Chapolin, do doutor Chapatin... Conversamos sobre Chiquinha e Kiko, Seu Barriga e seu Madruga. Ele até comprou algumas besteiras. Saiu feliz. A menina, a seu lado, nem esboçou um sorriso.
Há, de fato, pessoas que não sabem o que é bom nessa vida.

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Ele era doido por ela. E achou que aquela festa seria o local ideal pra se declarar. Era uma ocasião social perfeita, ele supôs. Afinal, ambos estavam lá, solteiros, e tudo mais. E tinham tanto em comum... No meio da festa, ele tomou coragem, andou até ela na pista de dança e disse ao pé de seu ouvido sob os cabelos perfumados:
-Eu te amo!
Ela sorriu sem entender e gritou:
-Quê?
Ele repetiu:
-Eu te amo!
-Ela fechou um olho e ergueu o indicador para cima, de onde vinha a música, e então para a própria orelha fazendo que não com a cabeça. Ele tomou fôlego e gritou no ouvido dela:
-EU TE AMOOOOOO! - E se afastou um passo pra ver se ela ouvira dessa vez. Mas ela não só não tinha escutado como estava secando um cabeludo de baby-look preta e jeans rasgado. Virou pra ele com as sombrancelhas erguidas e perguntou:
-Como?
E ele respondeu ao pé do seu ouvido delicado:
-Vai tomar no seu cú, vaca!
Deu dois passos pra trás com um sorriso cínico, fez sinal de positivo. Ela fingiu que tinha entendido e fez o sinal de volta. Ele deu-lhe um amigável tapinha no ombro e foi pro bar tomar um porre.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Pensando um pouco


Era homem de nãos o Alberico. Não que fosse uma pessoa negativa, não o era, quando muito realista. Mas tinha uma facilidade tremenda para dizer "não". Dizia "não" a tantas coisas, que quem lhe era caro estranhava ao ouví-lo enunciar um "sim", por insignificante que fosse. Aliás, eram tão raros os sins de Alberico, que todos tinham significado. Quando Alberico dizia "sim" a alguém, a pessoa em questão tinha certeza de que era importante para ele.
Os nãos de Alberico eram definitivos e incondicionais, por mascarados que eventualmente estivessem, travestidos de "vamos ver", ou "quem sabe na próxima", não eram, nunca, passíveis de negociação. Entretanto, eram seus raros sins igualmente definitivos, inapeláveis, inteiros.
Alberico jamais tinha o não ou o sim na ponta da língua. Jamais despejava um ou outro de sopetão. Não. Alberico sempre pensava após ouvir um pedido ou proposta, ficava em silêncio por algum tempo, e apenas então, é que dava sua resposta em tom de veredito.
Quem não conhecia Alberico corretamente, não entendia seus "não" e "sim", tampouco seus longos silêncios, mas Alberico tinha razão para tal.
Vira, durante toda a sua vida, pessoas serem massacradas por não terem pensado um pouco antes de tomar uma decisão. Antes de realizar algo. Antes de dar uma resposta.
Alberico aprendera através de exemplos a importância de jamais tomar uma decisão no calor do momento, guiado por emoções. Ele viu pessoas tomando decisões idiotas em momentos de raiva ou empolgação extremados e depois tendo que voltar atrás com o rabo entre as pernas, e jamais conseguiu ver essas pessoas com o respeito de antes. Alberico aprendeu que era importante manter a cabeça fria, e pensar, pensar muito e bem. Por isso Alberico pensava antes de falar, e por isso seus "sim" e "não" eram definitivos.
Alberico sabia que pensar um pouco jamais fizera mal a ninguém.