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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

All you need is...


O Delcir estava tranquilo, mascando um chiclete de morango e maçã verde enquanto saía do trabalho quando o celular em seu bolso zuniu pela vibração e entoou 1979, dos Smashing Pumpkins alertando-o de que uma mensagem de texto acabara de desembarcar em sua caixa postal. Como fazia sempre, Delcir jogou a mochila nas costas, e enquanto colocava os óculos, sacou o telefone do bolso da calça jeans desbotada que vestia, e apertou a tecla que colocava a mensagem na tela.
A mensagem trazia, no cabeçalho, o nome de Mariana. Ele sorriu brevemente ao ver o nome dela, ela, eventualmente lhe mandava mensagens dizendo o que estava fazendo, como estava seu dia, e que sentia falta dele enquanto estavam apartados.
Ao ler o conteúdo do SMS, porém, o sorriso desapareceu do rosto de Delcir. Na missiva eletrônica, Mariana dizia, com outras palavras e muitos rodeios, que tinha dúvidas a respeito do futuro dela e de Delcir enquanto casal.
Delcir, muito sério, apertou a tecla sob a palavra responder, e digitou rapidamente, usando apenas o polegar esquerdo: "Conversar?".
Enviou a mensagem, e após alguns minutos veio a resposta: "19:00 no bar do Tola".
O bar do Tola, lembrou-se Delcir, fora o primeiro lugar onde Mariana e ele foram como um casal. Comeram um lanche qualquer, tomaram refrigerantes e conversaram por horas. Delcir lembrava com carinho em geral do bar do Tola, e em particular do bar do Tola naquela noite.
Andou com decisão pelas ruas em direção ao local do encontro, chegou e sentou-se em uma mesa qualquer. Não sabia qual seria o desfecho da conversa que teria com Mariana naquela noite, de modo que não quis sentar na mesma mesa em que haviam sentado quando de sua primeira noite como um casal, embora ela estivesse vazia.
Bebeu uma soda limonada enquanto aguardava Mariana, que chegou alguns minutos atrasada. Ela cumprimentou o garçom com um sorriso, e acenou para a menina do caixa, ainda sorrindo. O sorriso, porém, desbotou e sumiu quando ela olhou para Delcir e caminhou até ele como se fosse ele um patíbulo e ela uma condenada.
Sentou-se enquanto largava suas coisas com um suspiro na mesa. O garçom se aproximou perguntando:
-Uma Coca?
Ela confirmou com um aceno de cabeça e um sorriso breve. O garçom saiu. Delcir respirou fundo, olhando pra ela com o corpo jogado pra trás, as costas coladas ao espaldar da cadeira. Estava sério, também. Ela também respirou fundo, e balançou a parte superior do corpo casualmente. Suspirou de novo.
Ele começou:
-Então...
Ela esperou, mas ele não disse mais nada. Ela respondeu:
-Pois é...
Ficaram se encarando em silêncio. Ele amaldiçoando o ridículo da situação, perguntando-se por que não começava logo a falar, mas ao mesmo tempo temendo dizer alguma bobagem. Conhecia-se a si proprio, sabia exatamente que quando começasse a falar, contrariado que estava, não pararia mais, e era grande a possibilidade de dizer uma besteira. Pensou se estava magoado. Concluiu que sim. Lembrou-se que, quando estava magoado, tinha tendência a ser mordaz. Excessivamente mordaz. Magoado, Delcir costumava ser uma versão suja de si mesmo. Resolveu respirar fundo e começar pelo começo. Inclinou-se pra frente e disse:
-Olha, Mari...
Mas o garçom chegou com a Coca. Pousou a lata sobre a mesma com um movimento rápido enquanto a abria com destreza. Encheu o copo até a metade e passou um pano úmido sobre a mesa.
-Vão querer pedir? - Perguntou, casual.
-Agora, não. - Respondeu Mariana, solícita.
O garçom se afastou sorrindo. Delcir esperou enquanto Mariana dava um gole em seu refrigerante e se inclinou pra frente de novo:
-Olha, Mari... Eu confesso que não sei bem como começar essa conversa. Se eu tivesse recebido a tua mensagem seis meses atrás eu provavelmente teria respondido "OK", e deixado por essas. Simplesmente ia cuidar da minha vida e parar de te procurar, mas... Mas sei lá. O que... O que tu quer? Me ajuda por que, francamente, eu não sei o que te responder. Tu quer terminar comigo, beleza, eu entendo, não vou, sabe, me forçar na tua vida, não vou impôr minha presença de nenhuma maneira, só... Me avisa o que é, por que esse papo de "tô em dúvida sobre a gente", não me diz muita coisa exceto que tu tem medo de dizer como tu te sente de verdade... - Delcir ouviu o próprio tom, percebeu que estava se exaltando, estava a dois passos de bater na porta do quarto da sua versão escrota. Refreou-se. - Então... Sei lá... Me dá uma luz. Diz o que é pra gente resolver como duas pessoas sensatas.
A Mariana tomou mais um gole de refrigerante. Pousou o copo sobre a mesa mas não o largou. Na verdade o segurou firme entre as duas mãos. Olhando pro copo começou a falar:
-Eu não sei, Del... Não sei, mesmo. Se eu soubesse eu não ia dizer que tinha dúvidas. Ia dizer o que me incomodava e pronto. Eu não sei o que é, e essa é a parte pior. Eu não sei o que é, então... Sei lá. Parece que tem alguma coisa que eu não gosto, e ela vai contaminando as outras, sabe? Eu não sei mesmo o que é. Achei que podia ser, de repente, a tua necessidade constante de privacidade, sabe? Não que eu não queira te dar privacidade, mas ás vezes, sei lá... Parece um pouco demais, entende? Tu não me deixa entrar... O teu muro, sabe? Tu tem um muro ao redor, e ele nem é... Não é alto, entende? Mas ele fica tão longe... E eu não sei, ás vezes, se eu já cumpri a distância, eu não sei se tu já me deixou entrar de verdade. Eu não sei se tu quer me deixar entrar. Ás vezes a gente tá conversando e eu penso "É isso, eu tenho certeza que ele me ama!", mas aí, no momento seguinte, tu faz alguma coisa, ou não faz, ou diz alguma coisa e eu penso "Não. Alarme falso. Ele nem sequer gosta de mim.". E eu lamento, sabe? Por que a gente tem tanto em comum, e tu gosta de umas coisas tão legais, e não é, sabe? Chato o modo como tu gosta dessas coisas. E eu queria muito que só te amar bastasse. Mas eu não sei se é. Eu não sei se basta. E essa dúvida me assusta, e quando eu tô assustada, eu geralmente penso em me preservar. Então... Então é isso. É essa a minha dúvida.
Ela ergueu os olhos do copo, onde parecia que o discurso estava escrito antes de ela começar a falar. Ela o encarou, e parecia tranquila, embora seus olhos estivessem vagamente marejados.
O Delcir olhou, também, para o seu refresco.
-Olha, Mari... Eu... Eu sei que eu não sou fácil, sabe? Não é de propósito... Não totalmente. Eu só... Sou assim. Não é que eu queira te afastar. Mas eu também preciso me preservar. O que eu posso te dizer? Tu me conhece. Eu não sou otimista. Eu não acredito que tudo vai se resolver ou dar certo no final. Não... E não. Não acho que amor, apenas, baste. Por que, olha... O Amor, ele... Ele não conquista a tudo, ele não é cego, não é com amor que a amor se paga, nem... Olha, que Deus me perdoe, o John e o Paul estavam errados, não é só do que você precisa... Mas...
A Mari ergueu os olhos. Delcir tirou a mão dela do copo de coca e apertou entre seus dedos.
-... Mas é um puta começo, então, acho que a gente tá no caminho.

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