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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Divagando...


Foi o ruído característico do flautin do afiador de facas e sua melodia indefectível que fizeram o Amadeu perceber que estava ficando velho. Foi ele lembrar que quando era criança, era difícil passar um dia sem ouvir aquele som, e a melodia comum a todos os afiadores ecoando por dentro de casa. Foi lembrar como, em mais de uma ocasião, ele recebeu trocados de sua mãe e saiu correndo com algumas facas embrulhadas em um pano de prato. De como ficou observando enquanto o afiador, geralmente um homem de meia idade, nunca jovem, com a pele escurecida pelo sol e castigada por vento, chuva e monóxido de carbono afiava as peças com o seu equipamento atrelado à uma bicicleta modificada que era uma mistura de meio de transporte e estação de trabalho.
Amadeu pensou se aqueles afiadores que ainda resistiam não estavam apenas procrastinando o inevitável. Se ainda havia, nos dias de hoje, nesses dias de coisas mais e mais descartáveis e fugazes, quem precisasse afiar facas.
Se sentiu velho. Velho e cansado ao perceber quão raros eram os afiadores de facas naqueles dias, e quanto tempo se passara desde que ele ouvira aquele som pela última vez com alguma frequência.
Pegou-se questionando o próprio comportamento ao perceber sua idade, e que, com sua idade, seu pai já era casado, tinha três filhos, e não comprava mais brinquedos de nenhuma espécie. Lembrou-se que seu pai, com sua idade, sequer lia os gibis do Conan que ambos tinham em comum quando da infância de Amadeu.
Ele lembrava de seu pai chegando do trabalho no final do dia com um gibi do Conan em um envelope pardo, que era como as bancas de revista do centro de Porto Alegre embalavam gibis, e lhe entregar o mimo lhe dizendo desbocadamente que a história daquele mês estava "do caralho".
Amadeu pensou no que andava fazendo. Se agia certo. Se não estava sabotando algo, relegando algo, procrastinando alguma coisa, ou vivendo uma crise precoce de meia idade.
Ao chegar à sala apanhou o sabre-de-luz de brinquedo sobre o encosto do sofá. Ligou-o vendo a luz vermelha preencher a lâmina branca e sorriu enquanto o zunido característico da arma enchia o ar. Sorriu mais ainda ao lembrar dela, e de como ela reagira bem ao brinquedo.
Havia coisas, pensou, para com as quais era melhor não ter pressa.

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