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terça-feira, 16 de julho de 2013
O Moralista
Estavam saindo do bar, na rua da República, quase na esquina com a Sarmento Leite. Ele vestia o casaco, enrolando o cachecol no pescoço, enquanto ela soltava os cabelos ao perceber quão frio estava na rua comparado com o interior do estabelecimento. Saíram andando em direção à Lima e Silva sem dizer palavra, até virarem a esquina. Ela disse:
-Bacana o namorado novo da Beta, né?
-É novo? - Ele perguntou.
-Sim, né? Tu não viu?
-Não...
-Bom, é novo, a Beta separou do João já tem quase um mês.
-Hmmm...
-Que foi?
-Nada... Mas entendi porque o cara não gostou de mim. Chamei ele de João a noite inteira...
-Ah, pelo amor de Deus... Sério que tu fez isso?
-Fiz... Achei que era o mesmo cara, mas que tinha cortado o cabelo e deixado um bigode...
-Mas eles são completamente diferentes!
-Sim, esse tem cabelo curto e usa bigode, o outro tinha cabelo comprido e cara limpa.
-E tu me confunde os dois?
-Mas eu ia fazer o quê? Tu sabe que eu sou péssimo fisionomista, especialmente pra esse povo pra quem eu não ligo-
-Meus amigos!
-A Roberta é tua amiga, o namorado dela não é. Eu reconheceria a Roberta de cabelo diferente, talvez a reconhecesse até de bigode porque, vamos combinar, ela nem é um pedaço de mau caminho, com aquela altura toda, é o mau caminho inteiro, mas o namorado dela...
-Francamente, viu...
-Pois é...
Ficaram os dois em silêncio, andando em direção à casa dela. Após cruzarem a Perimetral, porém, ele voltou a falar:
-Mas também... Quê que ela queria, né?
-Quem? A Roberta?
-É... Nem um mês e já tava toda enroscada naquele cara como se namorassem a séculos... O cadáver do outro relacionamento nem tinha esfriado e ela já tava enrabichada com aquele... Aquele Bennett.
-Não é Bêne. De onde tu tirou Bêne? O nome dele é Paulo...
-Eu não disse "Bêne", disse Bennett. O vilão de Comando para Matar, com o Schwarzenegger.
-Comando para Matar...? Aquele do robô que vem do futuro?
-Não vou nem começar a te explicar a importância de O Exterminador do Futuro pra ficção científica e o cinema de ação e nem dizer o tamanho da dor que eu senti dentro do peito quando tu confundiu os dois filmes, mas não, Comando Para Matar é um filme do Schwarza em que ele é um super soldado aposentado que vive com a filha numa cabana no meio do ermo e tem que voltar à ativa quando a guria é sequestrada por um de seus inimigos, justamente o Bennett, que era interpretado pelo Vernon Wells, um ator feioso que fazia vilões com frequência nos anos oitenta. O Bennett era uma versão mais gay do Freddie Mercury, e tinha uma fixação maluca no personagem do Schwarzenegger, o John Matrix.
-Ah, do Matrix eu lembro... Keanu Reeves, capa preta, caratê...
-Esquece a referência... De qualquer forma, bem feito pra Roberta e pro Bennett. Eles deviam ter a decência de flertar por um par de meses antes de saírem se agarrando a torto e a direito, isso chega a ser imoral para com os casais presentes com relações que sobreviveram à dela com o João. E quer saber? Digo mais: Eu devia era ter dado um abraço apertado no Bennett, chamado ele de "Johnny, meu velho", e relembrado histórias antigas, devia ter perguntado como tava a mãe dele, deveria ter chamado ele de canto e perguntado quando é que ele ia tomar tendência, comprar uma aliança e fazer da Roberta uma mulher direita... Isso é que eu deveria ter feito pra aqueles dois desavergonhados, ora, Francamente...
Ela não convidou mais ele pra nenhum evento envolvendo a Roberta e o clone do Bennett, o que foi bom pra ambos, pois ele não era fã de ocasiões sociais em geral, e especialmente daquelas envolvendo os amigos dela, e ela não precisou passar vergonha com ele chamando o Paulo de "Johnny, meu velho", coisa que ele provavelmente teria feito.
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