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sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O Apelo dos Bad Boys


A Geraldine encostada no balcão da danceteria, tentava ser notada pela garçonete que àquela altura já parecia a estar ignorando de propósito.
Estava com o corpo esguio todo suado, a blusa de lurex branca colada no corpo, e as calças jeans ensopadas entre as coxas finas.
Era um dia quente, muito quente, e ter se acabado na pista de dança não o havia refrescado, mas, que diabos, Geraldine precisava daquilo. Precisava sair à noite com as colegas do trabalho sem nenhuma pretensão exceto se divertir, dançar, tomar uns drinques coloridos com nomes cretinos e dançar mais um pouco até a musculatura das pernas reclamar da carga excessiva e ela poder ir pra casa dormir.
Agora, tentava desesperadamente conseguir um kir royal, mas após quase cinco minutos sem ter sido sequer notada pela menina atrás do balcão, já não tinha certeza se ainda queria.
Esbravejava mentalmente contra a garçonete/bartender quando sentiu duas mãos a enlaçarem pela cintura, ouviu e sentiu na orelha o sujeito pedindo "desculpas" e "licença" enquanto esfregava a pélvis contra seu traseiro.
Bufou com a invasão de seu espaço pessoal.
Não tinha certeza de se o espaço atrás de si era tão exíguo que demandasse tal contato, mas ainda que o fosse, não lhe agradava ser encoxada por um completo estranho fosse no trem, fosse contra o balcão do bar.
Olhou para trás fazendo cara de brava, constatou que o espaço atrás de si era, de fato, exíguo, mas não soube julgar se justificava a esfregada que levara na bunda. O sujeito se perfilou à ela, e sorriu:
-Esse bar é um prodígio de arquitetura. Fica espremido entre a cabine de som do palco e os banheiros. É feito pra dar errado...
Ela não sorriu de volta, mas concordou.
De fato a arquitetura do bar não fora lá muito bem pensada. O balcão do bar, em si, parecia ter sido feito propositadamente, de forma a obrigar as pessoas a se amontoarem umas por cima das outras. A construção da cabine de som de onde um técnico podia, tanto comandar a iluminação do palco durante shows ao vivo quanto alimentar a danceteria com som extraído de toca-discos e CD-players era posterior ao resto da construção, e deixara o espaço diante do balcão ainda menor e, pior de tudo, afastado quase três metros da saída do ar-condicionado mais próxima, de modo que, o balcão onde as pessoas iam buscar por refresco, hidratação e coragem líquida era, de longe, o espaço mais desconfortável da danceteria toda.
O rapaz da encochada chamou a moça que servia os drinques e entregava bebidas atrás do balcão, ela conversava com duas outras clientes que, pelo grau de intimidade, pareciam ser habitués do local.
A garçonete/bartender nem sequer se dignou a olhar pra ele, fazer um gesto, nada. Ignorou solenemente seus "moça. Ô, moça".
Geraldine olhou pra ele com uma cara onde se lia "Já tentei isso.", e falou:
-Essa aí veio bater papo. Tá atendendo só os amigos.
O rapaz, então, espichou a mão pra dentro do balcão e começou a mexer nas coisas. Diante da intrusão, a atendente se desviou da conversa com os amigos, e se aproximou de onde ele e Geraldine estavam para censurá-lo:
-Tu não pode mexer aí!
Ele sorriu de maneira cínica e respondeu:
-Achei que era self-service.
Muito a contragosto a atendente perguntou:
-O que tu quer?
O rapaz, então, estendeu as mãos indicando a Geraldine, que surpresa, levou um momento para concatenar e pedir seu kir royal, que foi preparado sem muito cuidado ou esmero, mas ao menos não ganhou uma cusparada no lugar da cereja.
Assim que Geraldine recebeu em mãos o seu drinque, o rapaz pediu, para si, uma água com gás, e um suco em lata "para o caso de não conseguir voltar a falar com a bartender ainda hoje", justificou com uma piscadela.
A Geraldine estendeu a mão pra agradecer pela ajuda, o rapaz prendeu a lata de suco sob o braço com o qual segurava a água e retribuiu a cumprimentando:
-Posso perguntar teu nome? - Ele quis saber?
A Geraldine fechou um olho numa careta e disse:
-Hã... Olha... Melhor não... Eu vim com umas amigas e não quero deixar elas sozinhas mais tempo...
A desculpa era esfarrapada, mas ele entendeu. Fez sinal de que entendia, desejou-lhe boa noite e saiu.
A Geraldine ficou olhando o sujeito desaparecer em meio à multidão e suspirou como quem diz "paciência...". A verdade é que o cara não era feio. Era mais alto que ela, não era gordo, tinha um cabelo bacana meio desgrenhado, ficava bem de jaqueta de couro e tinha iniciativa e atitude pra superar obstáculos como uma atendente de bar xarope... Mas não era o que a Geraldine precisava naquele momento. Ela estava numas em que se bastava. E não era um sujeito, no máximo engraçadinho num bar que a tiraria de seu momento auto-suficiente, não é?
Pensava nisso quando um sujeito atrás dela disse:
-Fez bem, moça. Aquele cara não é do bem.
A Geraldine virou, não por ter dado ouvidos ao estranho, um sujeito barbudo de cabelo comprido, com figura sólida como uma bigorna e uma expressão amigável.
-Como é? - Ela perguntou.
-O cara que foi embora. - O estranho barbudo respondeu. E continuou:
-Ele não é flor que se cheire. É brigão. Amigo dos tipos errados... Posa de bom moço mas é uma raposa. Tu faz bem em ficar longe desse cara.
A Geraldine não saberia explicar por que, mas, de repente, o tal sujeito se tornara atraente. Sua gentileza ao deixá-la fazer o pedido, a forma polida como a tratara quando ela o dispensou, até a sua encoxada, máscula, mas delicada quando se esgueirou por trás dela no bar... Por alguma razão, saber que ele era um mau rapaz, e ainda assim a tratara com tanta gentileza, fez com que Geraldine repensasse sua impressão inicial...
Geraldine olhou com pouco caso para o barbudo, e, sem dizer nada, foi atrás do carinha do bar, que, ela descobriria ainda naquela noite, enquanto conversavam por horas, chamava-se Álvaro, e era, de fato, um bom sujeito.
O que ela só descobriria bem mais tarde, quando já engatava o que se tornaria uma relação longa e feliz com Álvaro, é que o barbudo no bar chamava-se Renato, e era amigo de longa data de Álvaro, com quem firmara esse pacto de, sempre que um levasse um fora, o outro tentaria remendar com a história do "estranho perigoso", que, por alguma razão que apenas a razão feminina conhece, sempre funcionava.

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