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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
Resenha Cinema: Êxodo - Deuses e Reis
Chega a ser engraçado pensar que, em pleno 2014, nessa era de ouro de super-heróis e triângulos amorosos adolescentes, tenhamos visto não apenas um, mas dois filmes bíblicos na melhor tradição do cinemão de antigamente...
Mais cedo no ano tivemos o Noé de Darren Aronofsky, um filme cheio de ideias e intenções que, ainda que não fosse perfeito em sua execução, ao menos tentava inovar ao apontar uma abordagem diferente ao mito da arca de Noé, e, agora, nos acréscimos do segundo tempo do ano, chega aos cinemas esse Êxodo - Deuses e Reis de Ridley Scott.
Com uma trama muito familiar, que já teve ao menos uma versão definitiva (Os Dez Mandamentos, com Charlton Heston e Yul Brynner) que está na memória de todo mundo, a história da saída dos escravos hebreus do Egito rumo à Terra Prometida era um prato cheio para um diretor com o calibre de Scott, um cineasta conhecido e reconhecido por sua capacidade de elaborar espetáculos visuais grandiloquentes de derrubar queixo.
Na trama conhecemos Moisés (Christian Bale) e Ramsés (Joel Edgerton), primos criados como irmãos pelo faraó Seti (John Turturro), monarca do Egito.
Enquanto Ramsés é um playboy cheio de si, Moisés é um general capaz e diligente, um líder hábil e formidável em quem Seti percebe maior capacidade de governar do que no próprio filho.
Entretanto, quando vem à luz a verdade sobre Moisés, na verdade um hebreu adotado pela irmã do Faraó, Ramsés exila o primo adotivo, que vaga pelo deserto indo além do mar vermelho onde recomeça sua vida como um pastor ao lado da esposa Zipporah (A lindona María Valverde).
Após nove anos de vida simples, enquanto Moisés cuida de sua esposa e filho, Ramsés transforma Mênfis em um inacabável e superpopuloso canteiro de obras, erguendo monumentos em honra ao próprio poder e exterminando os escravos hebreus cujos corpos alimentam grandes fogueiras que ardem dia e noite.
É nesse momento que Moisés é procurado por Deus, que cansado dos abusos aos quais o povo hebreu é submetido há 400 anos, decide que é hora de deixar seu povo partir do Egito.
O Too-Poderoso ordena a Moisés que parta de volta a Mênfis e demande junto a Ramsés a libertação dos escravos.
Moisés, inicialmente reluta em assumir a missão que lhe é dada, mas logo percebe que não pode fugir de seu destino, e parte para o Egito, onde reencontra Ramsés e inicia uma guerrilha contra seu antigo irmão-de-armas, dando origem a uma guerra santa sem precedentes!
Ainda que tenha algumas escolhas bastante discutíveis tanto em termos de elenco (Joel Edgerton, por exemplo, com seus olhos azuis e cara preparada de gringo, precisa de muito mais do que um bronzeado pra parecer egípcio no papel que foi oferecido a Javier Bardem e Oscar Isaac) quanto de espetáculo visual (senti falta da imagem do mar repartido em dois que já havíamos visto em Os Dez Mandamentos e O Príncipe do Egito), Êxodo não é totalmente carente de acertos.
John Turturro não vai mal como o faraó Seti, Christian Bale é sempre um ator competente, e Ben Kingsley é muito acima da média, conseguindo tirar leite de pedra mesmo com pouquíssimo tempo de tela (Kingsley aparece pouco, mas Sigorney Weaver, no papel da esposa do Faraó, aparece menos ainda...).
Além dos bons valores no quesito atuação e da óbvia grandiloquência visual que se espera de qualquer épico de Ridley Scott, existe uma interessante sugestão de ironia tanto na relação dos hebreus com os egípcios (no início de sua luta contra o faraó, Moisés e seus homens são verdadeiros terroristas, praticando atos de guerrilha contra o poder estabelecido, mais ou menos como os palestinos fazem hoje, em Israel), quanto na relação de Moisés com Deus.
Deus é retratado como um menino. Um moleque em seus dez, doze anos, num interessante retrato do irascível, vingativo e impaciente Javé do Velho Testamento.
Infelizmente essas boas sacadas não salvam o filme de seus erros.
O roteiro de Adam Cooper, Bill Collage, Jeffrey Caine e Steven Zaillian sofre do mal de todos os blockbusters que apareceram nas telonas nos últimos anos:
A aposta no espetáculo sobrepõe o desenvolvimento dos personagens.
Aliando isso à insegurança de atores como Joel Edgerton, que não consegue encontrar o tom para seu Ramsés mesmo com seu figurino cheio de ouro, plumas e paetês, sendo incapaz de chegar ao nível de extravagância do faraó de Brynner, por exemplo, perdendo-se em um personagem escrito para ser dúbio em seus sentimentos com relação a Moisés, mas torna-se um personagem hesitante e indefinido, e Aaron Paul, que quase entra mudo e sai calado, passando a maior parte do tempo fazendo cara de apavorado, Êxodo não é ruim, mas resulta em um filme insuficiente para suas pretensões, que não recheia a contento o esmero da produção, o elenco estrelado, a longa duração de duas horas e meia e o absolutamente desnecessário 3-D.
Vale a visita ao cinema pelo escopo da produção, mas ainda não é o filme que vai tirar Scott de sua longa sequência de filmes aquém dos melhores momentos de sua obra.
"-Lembre-se disso. Eu estou preparado para lutar. Pela eternidade."
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