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sexta-feira, 23 de outubro de 2015
Resenha Cinema: Ponte dos Espiões
Desde os anos setenta, Steven Spielberg vem edificando seu status como um dos mais importantes cineastas de Hollywood. A guinada de diretor de blockbusters para realizador "sério" (que aconteceu em A Cor Púrpura, de 85) apenas reforçou o papel de Spielberg como um dos diretores fundamentais do cinema contemporâneo.
Em Ponte dos Espiões, Spielberg se reúne com Tom Hanks e coloca outro tijolo nessa magnífica construção que é sua carreira. Novamente, na pilha dos acertos.
No longa, escrito por Matt Charman, Joel e Ethan Coen, conhecemos Rudolph Abel (Mark Rylance), um espião soviético preso pelo FBI.
O ano é 1957, e corre a Guerra Fria, o perigo comunista é tema de conversas e debates, e as crianças aprendem na escola a se agachar e esconder para sobreviver a um eventual ataque termonuclear soviético.
Abel se recusa a cooperar com as autoridades norte-americanas, e se prepara para encarar um julgamento que pode levá-lo à cadeira elétrica.
Surge Jim Donovan (Tom Hanks).
Donovan é sócio de uma grande firma de direito no Brooklyn, em Nova York. Ele é bom no que faz, e vem trabalhando com seguradoras nos últimos anos embora tenha experiência com direito criminal, incluindo o tribunal de Nuremberg, pós Segunda-Guerra. É por essa experiência que Jim é convocado pelo governo dos EUA para defender Rudolph Abel em seu processo.
Inicialmente relutante, Jim acaba aquiescendo ao pedido de seu chefe Thomas Waters (o veterano Alan Alda), e se apresenta para o trabalho.
Se originalmente tudo o que o governo norte-americano queria era dar a impressão de um processo legal pleno para Abel, um teatrinho para mostrar ao mundo, eles logo percebem que escolheram a pessoa errada para o protagonizar a farsa.
Jim não poupa esforços na tentativa de montar a defesa de Abel, invocando a constituição federal para tornar a busca no apartamento do espião ilegal, e argumentando que, politicamente, executá-lo seria um péssimo negócio para os Estados Unidos, tendo em vista que, na eventualidade de um espião americano ser capturado em território soviético, Abel se tornaria uma inestimável moeda de troca.
Mais do que isso, Jim luta pela vida de Abel, chegando a fazer uma apelação à Suprema Corte, porque entende que o agente é um bom homem.
Abel cumpria ordens com diligência, negou-se a mudar de lado com honradez, jamais traiu seu país... Que tipo de mensagem executar esse homem enviaria ao mundo?
Como o espectador fica sabendo em paralelo ao caso de Abel e Jim, um piloto americano a bordo de um avião U-2 é abatido e capturado em território soviético.
O jovem Francis Gary Powers (Austin Stowell) não é assumido como espião pelos EUA, assim como Abel não é assumido como espião (e sequer cidadão) pela URSS, ainda assim, uma troca é sugerida.
Após seus esforços para evitar a execução de Abel terem sido bem sucedidos, Jim é convidado pelo Departamento de Estado dos EUA a intermediar o diálogo com os soviéticos. Para o departamento é importante tanto que Jim não seja um agente do governo, quanto que ele não tenha nenhuma experiência em espionagem.
Jim, é claro, aceita a missão, e parte para Berlim Oriental para tratar com os russos. Não tarda, porém, para a trama se complicar quando um estudante de economia norte-americano é preso ao tentar passar de Berlim Oriental para Berlim Ocidental, e o governo da Alemanha Comunista passa a ver a detenção do jovem como uma oportunidade para ser oficialmente reconhecido como uma potência pelos EUA, ao mesmo tempo em que cairia nas graças da URSS ao recuperar um espião soviético em troca de um jovem estudante de Yale.
Acossado pela CIA, pela KGB, e pela polícia de fronteira da Alemanha Oriental, em um ambiente absolutamente hostil, Jim precisa resolver o que fazer na tentativa de trazer os dois americanos para casa, e devolver Abel ao seu país.
Um tema recorrente na filmografia de Spielberg, o "sujeito comum" sendo apresentado à uma situação extrema, e a enfrentando (Inclusive, esse é basicamente o tema no primeiro filme de Spielberg, Encurralado) permeia esse Ponte dos Espiões, e é novamente muito bem utilizado.
Para Spielberg, um herói não precisa usar capa e ter super-poderes, muito antes pelo contrário, para o realizador de E.T., o verdadeiro herói é o camarada comum que não se acovarda diante da dificuldade, e, ainda que não busque os grandes feitos, não perde a oportunidade de realizá-los.
Nesse papel, Tom Hanks mostra que não perdeu o jeito. Um dos melhores atores de sua geração, ele coloca a preguiça de lado e tem uma excepcional atuação, equilibrando a grandeza que alguns momentos do longa demandam, sem deixar de demonstrar a fragilidade e a dúvida que inevitavelmente atacariam uma pessoa de verdade diante de uma situação tão delicada.
O Jim Donovan de Spielberg e Hanks é o sujeito que não tem pudores em dizer ao chefe da KGB que um acordo só vai acontecer de uma determinada forma, mas também é o cara que tem seu casaco roubado sem reagir, e se resfria por andar desagasalhado no inverno alemão.
Esse equilíbrio entre o herói idealizado e o homem de carne e osso é mostrado de maneira sutil, mas eficiente na primeira tomada do filme, quando o espião Abel é apresentado de costas, mas vemos tanto seu reflexo no espelho, quanto o auto-retrato que ele pinta. O espião, por sinal, merece aplausos. O impassível personagem criado por Mark Rylance é excepcional. De palavras e gestos econômicos, ele é o sujeito que, da mesma forma que Donovan, se recusa a escolher a saída fácil, consegue ver o quadro completo, e se reconhece no advogado o suficiente para confiar nele.
Com a fotografia sempre excepcional de Janusz Kaminski (tornando a paleta de cores do longa ao mesmo tempo verossímil e cinemática), uma trilha sonora eficiente e discreta de Thomas Newman (O filme segue por quase meia hora sem nenhuma trilha, e quando começa, é com muita parcimônia, apenas em momentos chave.), uma edição espertíssima de Michael Kahn, e um trabalho de primeiríssima linha de um elenco que conta ainda com Amy Adams, Jesse Plemons, Scott Shepherd, Dakin Matthews, Peter McRobbie, Will Rogers, Mikhail Goreyov e Sebastian Koch, Ponte dos Espiões é mais um triunfo de Spielberg, e, facilmente, um dos melhores filmes do ano.
"-Você não parece alarmado.
-Isso ajudaria?"
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Para começar o elenco é perfeito, seguido por um script muito completo. Ponte dos Espiões marca o retorno de Steven Spielberg à boa forma e ao modo mais gostoso de se fazer cinema: com criatividade e amor pela arte. Como sempre, Hanks traz sutilezas em sua atuação. O personagem nos cativa, provoca empatia imediata graças a naturalidade do talento do ator para trazer Donovan à vida. Mark Rylance (do óptimo Filme Dunkirk ) faz um Rudolf Abel que não se permite em momento algum sair da personagem ambígua que lhe é proposta, ocasionando uma performance magistral, à prova de qualquer aforismo sentimental que pudesse atrapalhá- lo em seu trabalho, sem deixar de lado um comportamento espirituoso e muito carismático. O trabalho de cores, em que predominam o cinza e o grafite, salienta a dubiedade do caráter geral do mundo. Ponte dos Espiões levanta uma questão muito importante: a necessidade de se fazer a coisa certa, mesmo sabendo que isso vai contra interesses políticos ou de algum grupo dominante. A história aqui contada é baseada em fatos reais, mas remete também ao caso recente do ex-administrador de sistemas da CIA que denunciou o esquema de espionagem do governo americano em 2013 e foi tratado como um traidor, mesmo que tenha tido a atitude correta. É uma crítica clara à hipocrisia norte-americana, que trabalha sempre com dois pesos e duas medidas em se tratando de assuntos como esse.
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