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quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Festinha


-...Tu sabe quando a mulher tá gozando?
A pergunta realmente o pegou desprevenido. Ele sentiu o calor subir-lhe pela face fazendo-o enrubescer quase que instantaneamente, e teve certeza de que ir àquela festa havia sido uma ideia idiota.
Não era um amante de festas. Jamais fora. Odiava ter que gritar acima da música quando tentava conversar. Odiava gente entorpecida se balançando ritmadamente ao som de techno (As pessoas ainda ouviam techno?)... Claro. Aquela não era uma dessas festas.
Era o aniversário de seu cunhado, e não havia ninguém dançando, a música que tocava não era techno, mas um apanhado de algumas das piores coisas gravadas nos últimos treze anos, mas estava em um volume bastante razoável. Havia comida em uma mesa e as pessoas se serviam em pratos de plástico branco e comiam escoradas em paredes quando não eram capazes de encontrar uma das cadeiras, que eram superadas em números de 3 para um pelos convidados.
Ele, espertamente, chegara sentando-se.
Fora um movimento pusilânime, ele sabia. Chegar adonando-se de uma cadeira, uma das mais confortáveis, por sinal. E não se levantar nem para se servir dos quitutes de festa disponíveis.
Conhecia sua irmã.
Ela se prontificava, sem pedido, a municiá-lo com guloseimas e bebida de tempo em tempo. Era tanto uma coisa de personalidade dela, mesmo mais nova sentir-se um pouco mãe dos irmãos, quanto um sinal de gratidão. Um aceno de "Eu sei que tu não queria vir. Obrigada pelo esforço."
Ele não queria, mesmo, ir. Nunca queria.
Achava irônico como tantos dos castigos da infância haviam se tornado seus hobbies de adulto. Não sair de casa... Ficar trancado no quarto... Não poder comparecer à festa de aniversário de um amigo... Coisas com as quais ele era ameaçado quando era pequeno, hoje, eram sua ideia de um final de semana perfeito.
Mas não... Sua irmã, apavorada com a ideia de ter a casa repleta de amigos do marido dos quais não gostava ou aos quais não conhecia o suficiente, o convenceu a comparecer ao evento e "ficar só um pouco" para que ela não ficasse sozinha. O cunhado, afinal de contas era amigo dele antes de ser marido dela, de modo que, em teoria, ele não devia se sentir particularmente deslocado atendendo à celebração.
Em teoria.
Na prática, sua irmã estava alegremente indo da cozinha pra sala e da sala pra cozinha, e da cozinha para o pátio com mais salgadinhos e doces e bebidas, enquanto ele estava sentado sozinho na sala, entre dois desconhecidos que conversavam um com o outro mas de vez em quando olhavam pra ele esperando algum aparte que, francamente, ele não prestara atenção o suficiente à conversa para oferecer.
Sabia que levantar daquela cadeira era um movimento arriscado.
Provavelmente não encontraria outra. Mas aí se deu conta de que, sem ter onde sentar, teria a desculpa perfeita para uma retirada estratégica digna. Se saísse agora, chegaria em casa a tempo de ver Liga da Justiça na HBO antes de jogar videogame até o amanhecer de domingo e então dormir até meio-dia.
Levantou-se, deixando os dois chatos conversando entre si, e saiu. Andou até a mesa, apanhou um salgadinho de palmito com presunto e mordeu com gosto. Serviu-se em um copo plástico com Pepsi, e andou com o copo e meio salgadinho até o pátio, decorado com luzes de natal nas plantas.
Olhou em volta, não conhecia ninguém, mas viu duas cadeiras vazias, num canto obscuro do pequeno pátio, perto das folhagens junto do muro. Sentou-se esperando poder manter-se ali, longe dos olhos de todos por alguns minutos antes de sua retirada estratégica.
Colocou seu copo na cadeira ao lado para desencorajar potenciais intrusos, e puxou o celular do bolso. Mal havia aberto o browser quando percebeu uma figura assomando.
Era uma mulher.
Cabelos castanhos presos atrás da cabeça, vestido preto, tênis all-star dourado. Era bonita.
A mulher olhou com um sorriso, e apontou seu copo na cadeira vazia com o queixo.
Ele entendeu o sinal, sorriu a contragosto e apanhou o próprio copo, dando um gole.
A mulher sentou.
-Calorão, né?
Disse, abanando-se com um prato plástico vazio.
Ele concordou com um aceno de cabeça, já que acabara de colocar a metade restante de seu salgadinho na boca.
-Amigo do noivo ou da noiva? - Ela perguntou, com um meio sorriso.
Ele riu.
-Do noivo. Sou irmão da noiva. - Respondeu.
Ela fez uma careta de surpresa, como quem diz, sem palavras, "mas vocês não se parecem em nada", ou ao menos foi a impressão que ele teve.
Ela estendeu a mão:
-Rita.
Ele a cumprimentou, dizendo o próprio nome de maneira lacônica. Olhou para o celular, prestes a fazer cara de "já?" e pedir licença, mas Rita começou a falar.
E falar...
E falar...
Falou muito... Sobre muita coisa... Durante muito tempo.
Falou sobre seu trabalho, sobre como conhecera o cunhado dele na faculdade e mantinha contato desde então por acreditar piamente que o futuro do empreendedorismo estava no networking.
Falou sobre o ex-namorado-quase-marido que a traíra com uma colega de faculdade e que se tornara o pivô de sua decisão de jamais se relacionar novamente com homens mais novos.
Falou sobre seu trabalho como promoter e suas ideias para montar uma academia.
Falou sobre astrologia...
Sobre política...
Sobre fatos da vida.
Falou sobre cinema e sobre música sem jamais deixar espaço para uma réplica completa pois toda a vez que ele começava a tentar responder alguma coisa ela pescava algo no meio de sua primeira frase e tecia uma tese. À certa altura começou a sobre como as aparências enganam, e disse que, olhando pra ele, não iria imaginar que ele fosse alguém tão fácil de conversar.
Ele pensou em responder que aquilo não era uma conversa, mas uma palestra com breves apartes da plateia de um homem só, mas refreou-se. Apenas concordou que as aparências enganam, repetindo o adágio com o qual nem sequer concordava totalmente apenas esperando que ela dissesse "isso me lembra de", para interrompê-la e pedir licença pra ir embora.
Mas, ela disse:
-Verdade... Tu sabe quando a mulher tá gozando?
Ele demorou a concatenar. Ficou, conforme já foi dito, inflamado de vergonha, e sentia o rosto aquecendo-se. Pensou se, ali, à meia-luz do pátio seria possível discernir-lhe o vermelhão. Nem entendeu, ao certo, o que ela quisera dizer. Respondeu:
-Hã...?
Na verdade esperando que ela fosse continuar, como em "Sabe tal coisa? Então...". Mas ela não emendou outra tese. Repetiu a pergunta:
-Tu sabe? Reconhecer quando a mulher goza?
Ele olhou em volta, brevemente, para ver se alguém ouvira aquilo. Não se considerava um puritano, mas não achava que falar em gozo com estranhos fosse de bom tom, especialmente após menos de meia hora de conversa.
-Se eu sei quando uma mulher está gozando? - Ele repetiu, tentando obter confirmação.
-É. - Ela confirmou, casual.
Ele raciocinou tão rápido quanto pôde. Tinha alguma base, alguns indícios. Mas não podia afirmar que sempre sabia. Não podia afirmar, com certeza, que soubesse a qualquer tempo, na verdade... Resolveu ser honesto.
-Não... Não sei.
Ela riu.
-Não sabe?
Ele se sentiu enrubescer novamente:
-Não com certeza...
Ela riu, como quem faz pouco-caso.
-Bom... Existem alguns indícios...
-Espero que tu não esteja falando de gemidos e respiração ofegante.
Ele não disse nada. Os gemidos, ele geralmente ignorava, mas a respiração ofegante ele levava em conta, sim...
Ela riu, sarcástica:
-Tá te lembrando de quantas vezes tu achou que estivesse abafando por causa de um gemido estridente?
Ele se sentiu desconfortável. Respondeu algo ríspido:
-Não. Eu nunca na vida achei que estivesse "abafando"... De qualquer forma, não tem nenhum sinal evidente como tem com nós, homens.
-É sempre a desculpa dos homens. Mulher é diferente...
-É - Ele concordou. -É a razão pela qual eu gosto delas.
Ela olhou pra ele como quem não entende. Ele explicou:
-Eu gosto de mulher exatamente por elas... Vocês, serem diferentes dos homens.
-Ah - Ela entendeu. -Mas mesmo gostando tu não entende... - Ela acusou.
Ele se sentiu um pouco ofendido. Se defendeu:
-"Entender" é um termo amplo. O que significa pra ti?
Ela se endireitou na cadeira, um sinal, ele aprendera na última meia hora, de que ia começar uma tese, mas eis que, sem aviso, sua irmã surgiu:
-Tu sumiu lá de dentro. Achei que tinha ido embora sem se despedir. - Disse, pousando a mão sobre o ombro de Rita.
Ele olhou pro relógio, já havia perdido treze minutos de Liga da Justiça, mas se saísse agora, chegaria em casa a tempo de tomar um banho e ver o arranca-rabo da Liga contra o Superman redivivo e a luta final contra o Lobo da Estepe. Levantou-se:
-Não ia ir embora sem me despedir, mas preciso ir agora. Bom te conhecer, Rita.
Deu uma piscadela para a irmã, um tapinha no ombro do cunhado, de passagem ao cruzar a sala, e ganhou a rua para andar as três quadras que o separavam de casa.
Quando começou a caminhar, deu-se conta que acabara perdendo, além de duas horas e pouco de sua vida, a chance de entender as mulheres, ou ao menos de ouvir o conselho de uma especialista para identificar um orgasmo feminino. Deu de ombros ao lembrar-se, ligeiro, que havia apenas uma mulher que queria entender, e que ela, poderia lhe dizer, algum dia, exatamente o que queria que ele fizesse para agradá-la.

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