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sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Resenha Cinema: Green Book: O Guia


Ontem comecei, tardiamente, minha temporada de cinema para 2019, e resolvi começar com um dos filmes multi-indicados/premiados em cartaz, esse Green Book: O Guia.
Um raro esforço diretorial solo de Peter Farrelly, que geralmente trabalha em parceria com seu irmão Bobby na construção de comédias pastelão que, quando funcionam, são algumas das melhores fitas de humor grosseiro que alguém poderia querer assistir (Débi & Lóide, Eu, Eu Mesmo e Irene, Kingpin: Estes Loucos Reis do Boliche...), e que quando não funcionam são simplesmente ruins demais pra sequer ver uma segunda vez (Ligado em Você, As Aventuras de Osmose Jones, Os Três Patetas...).
No longa corre o ano de 1962, e Tony "Bocudo" Vallelonga (Viggo Mortensen) tem um emprego no tradicional night club novaiorquino Copacabana como porteiro. Um sujeito durão e afável, Tony luta para sustentar sua família através de seu trabalho, mantendo suas conexões com os "wise guys" ítalo-americanos da vizinhança restritas ao campo social, sem jamais trabalhar para eles.
As coisas se complicam para Tony quando o Copa fecha suas portas para reformas. Desempregado por dois meses, Tony precisa dar um jeito de manter o aluguel pago e comida na mesa da esposa Dolores (Linda Cardellini, adorável) e dos dois filhos. Com o dinheiro minguando, ele vê a chance de ficar financeiramente confortável pelo período de reformas do Copacabana quando seu caminho se cruza com o do doutor Don Shirley (Mahershala Ali), um pianista clássico de imenso prestígio que está prestes a embarcar em uma turnê pelo sul dos Estados Unidos apresentando-se em teatros, clubes e até residências privadas por oito semanas de viagens.
Don Shirley é tudo o que Tony não é: Elegante, eloquente, metódico e negro.
Habituado à sofisticação de Nova York, Shirley entende que pode necessitar das qualidades de um sujeito como Tony, mesmo que, pessoalmente, não esteja impressionado com o carcamano. E a recíproca é verdadeira. Tony nutre sua cota de restrições contra afrodescendentes, e não vê com grande entusiasmo o trabalho de ser chofer para um "preto", ainda assim, os dois caem na estrada munidos com o Livro Verde do Motorista Negro que dá nome ao filme, um guia mostrando localidades onde negros eram bem-vindos no amplamente segregado sul norte-americano dos anos 60.
Juntos, o esnobe pianista clássico virtuoso e o simplório porteiro brucutu precisam aprender a se suportar fazendo uma jornada através de injustiças e preconceitos enquanto mudam um ao outro, aprendem um com o outro e descobrem que, apesar de tudo, não são tão diferentes.
Eu sei que, colocada assim, essa sinopse grita "fórmula básica do road movie" aos quatro ventos. Por Stan Lee, parece até um remake de Conduzindo Miss Daisy onde a cor de motorista e passageiro foram invertidas.
Mas se Green Book: O Guia abusa do formato do road movie com parceiros que não combinam entre si, acerta a mão ao fazê-lo sob o prisma das relações raciais em uma época extremamente retrógrada da história dos EUA, e apoiando sua história, baseada em fatos reais, nos ombros de dois atores fenomenais.
Viggo Mortensen desaparece sob o corpo quadrado de tiozão de Tony Vallelonga. O ator tem trejeitos, expressões faciais, sotaque e pança de coroa italiano, um cigarro perenemente colado no lábio e apetite de misturador de cimento e ainda assim, não é uma mera caricatura. Os trejeitos e a aparência física são apenas uma parte do personagem, que apesar de todos os seus pequenos desvios de caráter, ainda tem noção de certo e errado o suficiente tanto para não se tornar um criminoso quanto para rever seus próprios conceitos quando exposto à uma realidade que ignorava.
Mahershala Ali, vencedor do Globo de Ouro com o papel, é outro animal, adicionando uma admirável quantidade de matizes à um personagem que poderia facilmente se tornar unidimensional nas mãos de um intérprete menor. O ator enche Don Shirley de elegância, mas deixa claro o quanto daquela atitude superior e condescendente é uma fachada para proteger um homem repleto de atribulações pessoais, que prefere se distanciar das pessoas do que expôr a própria vulnerabilidade.
Peter Farrelly espertamente explora o trabalho dos dois atores e a excelente química que os dois partilham em cena movimentando a história inteiramente através da dupla, com isso, ele edifica um filme à moda antiga, que tem temas complexos como seu pano de fundo, mas os aborda quase sempre com leveza, para garantir que a experiência de assistir ao longa seja sempre agradável, mas jamais inócua e nem totalmente livre de momentos de revirar o estômago.
Ainda que seja convencional em seus temas, abordagem edificante, em até em seus defeitos (O longa foi amplamente acusado de simplificar e diluir o peso do racismo nos EUA), é difícil não gostar de Green Book: O Guia, seja pela enorme quantidade de talento em cena, seja pelo inegável (e talvez descabido) otimismo no script de Brian Currie, Nick Vallelonga e do próprio Farrelly.
Uma agradabilíssima sessão de cinema para começar 2019 na sala escura com o pé direito.
Certamente vale o ingresso.

"O mundo está cheio de pessoas solitárias esperando pra tomar a iniciativa."

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