Nham.
Foi o ruído que fez Godofredo, mirando com uma contrição quase religiosa o sanduíche de lombo de porco, queijo provolone, tomate, maionese, mostarda e rúcula diante de si.
Godofredo adorava sanduíches. Era bom na confecção deles. Se orgulhava de dominar a técnica de corte que evitava um sanduíche torto. Sabor, para Godofredo, era tão físico quanto químico. Um sandúiche torto, ou cujo recheio ficasse escapulindo inconvenientemente de seu interior era menos gostoso do que um sanduíche pereitamente simétrico. Que pudesse ser saboreado sem que uma rodela de tomate insistisse em se dependurar feito um suicida para fora da borda do pão.
Os sanduíches de Godofredo podiam ser comidos sem guardanapo, de tão bem montados que eram. Não importava que tipo de força fosse aplicada pelo afortunado consumidor na hora de abocanhar um pedaço, o sanduíche permanecia sempre como se houvesse sido feito de espuma para uma foto.
Desde moleque Godofredo se dedicava a fazer sanduíches, como quase sempre na vida a necessidade mostrou a vocação, foi num final de semana sozinho em casa, aos quatorze anos, que Godofredo se pegou faminto, e sendo incapaz até de olhar para um miojo ou para uma lata de salsichas, viu o pão, os frios e a maionese na geladeira, e pensando que não deveria haver nenhuma dificuldade naqueilo, fez o sanduíche.
Ficara saboroso. Mas Godofredo, sem mais nada em que aplicar seu tempo ocioso, resolveu experimentar. Removeu todos os temperos do ármario da cozinha de sua mãe, e experimentou dezenas, quiçá centenas de combinações de frios, de queijos, maionese, manteiga, temperos diversos, proporções variadas.
Apaixonado pelas próprias criações, guardou-as de memória, quando seus amigos o visitavam para jogar video-game, servia-lhes as iguarias arrancando suspiros de todos. Numa noite de futebol na TV fez dois sanduíches para si, e ofereceu um deles á seu pai, que de tão espantado com a excelência do lanche que berrou pela presença da esposa, fazendo-a também provar a iguaria. O resultado foi igual, a mãe de Godofredo também se espantara com o sabor, a consistência, e a contrução do sanduíche de Godofredo.
O que começara como um talento para dividir com os amigos se tornou profissão quando Godofredo, precisasndo de dinheiro para viajar com os amigos, conseguiu um emprego temporário em uma lanchonete. Bastou um único sanduíche para que os lanches de Godofredo superassem, em muito, os chesseburguers e cachorros-quentes do estabelecimento.
Godofredo tentou, á pedido do patrão, que lhe ofereceu um bônus, ensinar sua técnica aos colegas, no entanto, por mais esforçados que fossem, eles eram incapazes de repetir com exatidão os gestos de Godofredo, de modo que seus sanduíches nunca eram tão bons quanto os originais. Ainda assim, as meras receitas de Godofredo alavancavam as vendas. Godofredo, um um lampejo de consciência e tino para negócios, percebeu o que estava havendo, e traço um plano audacioso.
Pediu a ajuda de seu pai, e através de um empréstimo bancário arriscado para as finanças de ambos (Especialmente as de seu pai, uma vez que Godofredo praticamente não tinha nenhum dinheiro.), abriu seu próprio restaurante. Especializado, claro, nos sanduíches de Godofredo.
Ele trabalhava com a mãe e a irmã mais nova, fazia os sanduíches, sua irmã servia as mesas e a mãe cobrava. Mesmo trabalhando feito um cavalo, sem tempo para nada exceto o restaurante, logo precisou contratar mais pessoas, contratou duas garçonetes, levou a mãe e a irmã para a cozinha, afinal, elas eram as únicas que se aproximavam da magia de Godofredo com pães e frios, enquanto se dividia entre o preparo dos lanches e o caixa, o que só lhe fazia labutar mais, o que fazia com gosto.
Os negócios cresciam em um ritmo vertiginoso, em menos de três anos Godofredo precisou contratar mais duas pessoas, depois mais três, alugou a loja ao lado e ampliou seu negócio, sempre trabalhando com afinco á despeito dos apelos de sua mãe, que queria que ele parasse um pouco, e cuidasse de si.
Mas Godofredo não parava.
Contratou moto-boys para as tele-entregas para bairros distantes, aumentou a variedade de seu cardápio após dois meses de noites mal-dormidas testando combinações e sabores novos.
Pagou seu pai, e, em agradecimento, deu-lhe um carro novo. Pagou férias no exterior para o pai e a mãe, pagou a faculdade da irmã, comprou um apartamento para si e abriu, junto com um dos amigos da adolescência, outro restaurante em outro bairro da cidade, sempre diligente, jamais relegando tarefas e mantendo a qualidade de seus sanduíches celestiais.
Á despeito do cansaço beirando a exaustão, de ter abandonado a escola, e de não ter tempo para mais nada, os negócios iam bem para Godofredo, mas, conforme sua vida ficava um pouco mais tranquila, graças aos ajudantes e ao dinheiro, Godofredo percebeu que estava se sentindo solitário.
Foi sentindo essa solidão que percebeu Charlote, jovem atraente que sempre ia ao restaurante e pedia o mesmo sanduíche, lombo com rúcula.
Godofredo sempre a achara atraente, e, numa noite de movimento mais tranquilo, teve a oportunidade de conversar com ela. Foi quando se encantou, além dos cabelos castanho-avermelhados, dos olhos verdes e dos lábios rosados, com a inteligência, a presença de espírito, e a doçura da jovem, divertida e tão atenciosa para com ele, a convidou para sair ela aceitou.
Foram ao cinema, ele a pegou em frente á sua casa, estava linda, perfumada, o que fez com que ele se sentisse desconfortável, atrapalhado que estava com o trabalho, mal tivera tempo de tomar um bom banho, estava com barba por fazer, cabelos desalinhados, dirigindo o carro da lanchonete. Mas a noite foi agradável, e na despedida houve a promessa de novo encontro.
Godofredo se apaixonou pela moça. Resolveu que, se quisesse alguma chance com Charlote, precisaria dar uma melhorada na sua judiada carcaça. Ao invés de cortar o cabelo num cabeleireiro qualquer foi á um hair stylist, que lhe cobrou um preço que, em qualquer outra ocasião pareceria abusivo, fez a barba em uma estética masculina, coisa que seus amigos taxariam, no mínimo, como coisa de gremista.
Fez as unhas, geralmente roídas e engorduradas pela maionese e os frios, e passou gel no cabelo.
Encontrou Charlote, á levou para jantar, conversou com ela novamente, embora ela seguisse educda e agradável, ele a sentiu um pouco evasiva, imaginou que fosse por causa de seu carro e de suas roupas. Afinal, vestia uma camiseta qualquer, calças jeas e tênis, e dirigia um fiorino com o nome de sua sanduicheria no lado.
Investiu dinheiro em roupas de marca, e, arriscando um pouco o orçamento, comprou um sedã japonês do ano. Do ano passado, mas enfim.
Quando foi encontrar Charlote novamente, vestia-se com roupas de grifes famosas e dirigia um sedã caro.
Mas Charlote, que durante todo o tempo parecera desconfortável, ao se despedir, pediu que Godofredo não a procurasse novamente, pois não havia mais a química que, á princípio, imaginou haver entre eles.
Godofredo atendeu o pedido de Charlote, e não a procurou mais. Passou algum tempo novamente afundado no trabalho, eventualmente, com o tempo, curou a dor de cotovelo e encontrou o amor, mas jamais esqueceu Charlote.
O que ele não entendeu, é que Charlote gostava de homens simples, trabalhadores, talvez até meio toscos, mas autênticos. Como era Godofredo antes do banho de loja e da repaginada, e como seguiam sendo seus deliciosos sanduíches.
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