Evilásio era um sujeito corpulento. Era assim que sua mãe se referia á forma física do rebento quando o pai de Evilásio apontava o filho com o queixo e dizia: "Carla, para de encher o guri de doce, ele tá ficando gordo.".
Corpulento.
Não passava, na verdade, de um eufemismo para não alardear que Evilásio era atarracado. Aos dezesseis anos, Evilásio passava por "corpulento", era um sujeito volumoso, mas praticava esportes, era muito ativo, então, apesar de atarracado, não era um gordão, na verdade era um corpulento até meio atlético, toda aquela atividade física permitia á Evilásio pequenas incorreções gastronômicas, como o vício incontrolável que tinha por latas de leite condensado, ou aquelas misturas de docinhos, tipo Moça-Fiesta, que Evilásio adorava e comia de colher enquanto assistia clipes na MTV.
O problema de Evilásio foi que a atividade foi rareando, primeiro com a faculdade.
Evilásio cursava administração numa universidade particular de Porto Alegre, onde conheceu Ana Rita, por quem se apaixonou e foi correspondido, estudando á noite Evilásio tinha o dia para praticar seu futebolzinho, ás vezes uma corridinha, diminuíra a atividade, é verdade, mas se mantinha ativo.
Como estudava á noite, não tinha tempo para jantar, por isso, ele passava em jejum da entrada na faculdade, ás sete da noite, até a saída, já quase onze, e, ao chegar em casa, antes de dormir, comia com prazer uma lata de doce.
Ali, Evilásio já se tornara atarracado, de fato.
Quando começou seu estágio em uma imobiliária, Evilásio estagnou as atividades físicas durante a semana, só praticando esportes aos sábados, e, de vez em quando, aos domingos. Ele e Ana Rita foram morar sozinhos, ás vezes, quando tirava a camisa exibindo o ventre cada vez mais generoso, Ana Rita lhe dizia que devia se exercitar mais, ou abandonar as latas de docinhos, pois estava ficando gordo.
Evilásio sorria, aninhava Ana no peito largo e peludo, e falava uma bobagem, ela sorria, ele também, e lá ia Evilásio sentar de fronte á TV com a lata e a colher em punho.
Evilásio evoluiu, se formou na universidade, abriu uma empresa de software com um primo que manjava tudo de informática, ganhou dinheiro, comprou um apartamento, comprou um carro, casou com Ana Rita e, embora seguisse comendo seu doce favorito, abandonou de vez os exercícios.
Evilásio sequer ia ao mercado comprar as latas de doce á pé, fazia o trajeto de carro.
Foi ficando maior e maior.
Ana Rita, preocupada com a saúde de Evilásio, e, que diabos, também com a estética, afinal, ninguém quer casar com um hipopótamo (á menos que seja uma hipopótoma, mas não era o caso, Ana Rita era uma mulher esbelta.), pediu que ele procurasse um nutricionista, Evilásio rechaçou a ideia como superman faria com balas, ela insistiu que, pelo menos, cortasse as malditas latas de doce.
Evilásio bufou como um animal de fazenda, mas, olhando para sua amada não soube dizer não. Prometeu que abandonaria as tais latas, e tentaria se exercitar um pouco mais.
Passou a ir ao mercado andando.
Era um começo, pensava Ana Rita.
Ela não o fiscalizava para ter certeza de que ele cumpria o prometido, afinal, ele era um homem crescido, seria ridículo ela ter que atentá-lo para os perigos da displicência em relação á alimentação.
Por vários meses Evilásio não apareceu com as inseparáveis latinhas de doce e colher, Ana Rita estava orgulhosa.
O orgulho sumiu quando, em uma noite qualquer, ouviu Evilásio chegando em casa, e estranhou a demora dele em sair do automóvel. Ao se aproximar do carro para verificar a causa da demora, deparou-se com o esposo esbaforido no banco do motorista enquanto sorvia com sofreguidão o conteúdo de uma caixinha de leite condensado.
Ele ia começar á se desculpar quando Ana, observadora atenta, viu as várias caixas e latas de doce espalhadas pelo chão do carro sob os bancos.
Enfurecida perguntou á Evilásio por que seguia comendo porcarias, se não se preocupava com a própria saúde, por que mentira pra ela.
Evilásio, envergonhado, admitiu que não ligava para a própria saúde, que gostava muito dos doces, e que amava demais Ana Rita, mas não queria fazer dietas, nem atentar a alimentação.
Ana, entristecida, aceitou o desleixo do amado com a própria saúde e a própria aparência. Se era o jeito dele de ser, que diabos, que fosse. Ele era atencioso, fiel, sensível, carinhoso... Que fosse um guloso, ela poderia suportar.
Os anos passaram até que, numa tarde agradável de sábado, Ana Rita sentou-se á sua poltrona próxima á TV, ela percebeu a aproximação de Evilásio, viu que ele trazia consigo a indefectível lata de doce, então sentiu uma pancada acima do olho direito e desmaiou.
Acordou horas mais tarde, no hospital, sob os olhares cândidos de uma enfermeira e de um médico e o olhar envergonhado de Evilásio.
O motivo de vergonha do marido ficou evidente quando o médico explicou á Ana Rita o que acontecera. Quando Evilásio sentou, o botão de sua calça, oprimido por sua barriga abissal, foi disparado feito um foguete, acertando em cheio o supercílio de Ana.
Agora ela tomara dois pontos acima do olho, depois de ficar alguns minutos nocauteada.
Naquela noite, horas de discussão se seguiram na casa de Evilásio e Ana Rita, e uma nova dieta, bem mais drástica do que a anterior foi acordada. E, desta vez, Ana Rita fiscalizaria Evilásio de perto, afinal, se antes era apenas um dos membros do casal quem corria perigo, agora eram ambos.
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