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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Conceito.


Estavam brigando. Ela, linda, seria ainda mais linda se não estivesse chorando. Cabelos, boca, pele, nariz, tudo lindo. Os olhos... Nossa, os olhos... mesmo inchados, mesmo vermelhos, ainda eram lindos. Ainda eram, sei lá, até demais. Enfim, ela, linda e chorosa, respirou fundo, como que buscando controle pra não saltar em cima dele. Ele não estava chorando. Estava sério. Tinha uma expressão corroída de fúria e desgosto. Talvez consigo próprio por que dela, vamos ser francos, era impossível desgostar.
-Qual é o teu problema? -Ela quis saber. Sua voz saiu carregada de raiva.
-Muitos. -Ele respondeu, dolorosamente franco.
-Ah...
-Eu nem sei quantos. Eu nem sei listar todos...
-Cala a boca...
-Tá bem.
-Sério... O que te assusta tanto em mim?
-Nada.
-Nada? Então não é medo, é desprezo?
-Não é desprezo...
Então tu não sabe o que é?
-Isso... Eu não sei o que é.
Não disseram mais nada. Ela tomou um táxi pra casa por que achou que o ônibus ia demorar, não se despediu quando entrou no carro. Apenas olhou pra ele com uma expressão indefinida.
Ele voltou pra casa a pé. Chegou lá, tirou o casaco e os tênis, se jogou no sofá e ligou o video game. Não jogou nada. Ficou encarando a tela de apresentação do sistema. "O que é que te assusta", ela quis saber. Ele mentiu quando disse nada. Muita coisa nela assustava ele. O fato de ela ser ela, e ele ser ele. De ela ser maravilhosa e ele ser uma bagunça. De ela provavelmente ser fantástica fazendo tudo, e ele ser, quando muito, meia-boca. O fato de ela, talvez, ver nele mais do que de fato existia, ou de ela ter gostado dele por idealizá-lo de algum modo. Talvez, no final das contas, fosse isso que mais assustasse ele. Ela imaginar que ele era tudo de bom, e ele ter a certeza inabalável de que não era. Ele morria de medo, mesmo, de ser um conceito.

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