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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Franqueza...


Estavam, ele e ela, sentados à mesa de um restaurante decente. Nem bom nem ruim. Um restaurante decente. Era o primeiro encontro dos dois, assim, encontro, mesmo, sabe? Antes haviam se visto em algumas oportunidades, conversado, algumas vezes brevemente, outras vezes com um pouco mais de tempo. Foi o bastante pra aquele começo de atração, que há quem chame de fagulha, enfim, aquele indício de que poderia haver mais do que apenas amabilidade e simpatia de parte a parte. Foi ele quem sugeriu, casualmente, que saíssem alguma hora dessas. Ele não imaginou, contudo, que ela fosse aceitar a sugestão tão prontamente. "Claro, vamos sim, sábado?". Ele aceitou meio de sopetão. Ela escolheu o lugar. O horário. tudo. Agora ali estavam. Ela, linda. Diferente. Estilosa. Graciosa, simpática, algo tímida, mas ainda assim, chamava a atenção.
Ele, normal. Comum. Algo desajeitado, contido, envergonhado, e sem nenhuma vontade de passar qualquer outra impressão.
Conversavam polidamente enquanto comiam. Ele comeu um pedaço do seu filé frango, e mastigou fazendo uma pequena careta. Ela perguntou se estava bom, ele disse que estava seco. Ela sorriu que o filé de carne dela estava bom. Ele chegou a sentir a língua coçar pra dizer à ela que frango também era carne, mas entendera o que ela disse. Ela, ainda sorrindo, estendeu o garfo e perguntou-lhe se ele queria experimentar. Ele disse que não. Não disse que nunca comia do prato alheio. Apenas sorriu de volta e agradeceu com a mão direita espalmada em frente ao rosto. Ele sorriu, parecendo ter chegado àquela encruzilhada em que falta assunto. Olhou pra ele, e sorriu fazendo um rápido "hm", enquanto mastigava. Ele pensou em dizer:
-É isso que eu sou, entende? Eu acho não vou mudar. Acho que nem quero mudar. Eu não tenho medo de quase nada, não acredito em Deus, espíritos e milagres, não gosto de verduras, de cinema europeu nem de música alta. Não gosto de receber visitas em casa, nem de sair à noite, acho que gatos são metidos e que cachorros pequenos são irritantes. Adoro o Discovery Channel e futebol, mas só vejo os jogos do meu time, salvo raríssimas exceções. Eu gosto de me exercitar e tomo até três banhos por dia quando está calor, quando as coisas me incomodam, eu não falo, pelo menos por algum tempo. Não sei demonstrar sentimentos com palavras, é mais fácil com gestos, e, ainda assim, ás vezes demora um bocado pra eu articular um gesto. Eu tento não ser grosseiro mesmo quando estou profundamente contrariado, mas posso acabar sendo um pouco seco, e todo mundo nota que eu estou chateado. Quando eu não quero falar sobre alguma coisa, eu digo que não quero falar, e quando me dizem que não querem falar sobre determinado assunto, eu não insisto, então, não diga que não quer falar á respeito fazendo charminho, pois eu não vou insistir, uma vez que valorizo deveras a minha privacidade e por isso, respeito a privacidade alheia. Quando tu me disser "não", eu vou entender "não", quando tu disser "sim" eu vou entender "sim", e se tu disser "talvez" eu vou te dar tempo pra pensar e perguntar de novo em uma outra oportunidade. Quando eu digo "não", é peremptório, quando eu digo "Acho que não", também é um "não peremptório", mas eu não quero ser incomodado á respeito. O mesmo vale pra "acho brabo" e "Bah, meio difícil". Quando eu digo "vamos ver", significa que provavelmente não, mas eu te considero o suficiente pra ao menos cogitar a hipótese, e quando eu digo "sim", é "sim", mesmo. Inapelável, sem amarras ou limites, mas é dificílimo me arrancar um "sim", especialmente se nós não nos conhecermos muito bem ou eu não gostar muito de ti, e, ainda assim, pode ser que eu não diga "sim" com muita frequência.
Eu me esqueço das coisas. De uma porção de coisas. Eu sou distraído, esqueço o nome das pessoas, me apresento e digo "Prazer" duas, três vezes, especialmente se não gostar da pessoa, ou se ela não parecer interessante pra mim de alguma forma. E me lembro de outras tantas. Também uma porção. Mas minha memória funciona errado, eu não armazeno praticamente nenhuma informação útil, mas sou profundamente versado em informações sem qualquer valor. Essas, eu guardo todas. Ano em que um filme foi produzido, diretores, escritores, quadrinhos, brinquedos, programas de TV, constelações, estrelas, como funcionam os buracos negros, mitologias... Isso eu guardo, mas não me pergunte qual a data do aniversário da sua mãe, pois eu vou esquecer.
Eu sou inseguro a ponto de parecer seguro. Eu estou sempre esperando que me apunhalem pelas costas ou me magoem, sempre, todos. Não confio em ninguém, mas, ao invés de me tornar paranóico, eu decidi não dar atenção à raça humana. Estou aqui, então vou dançando conforme a música, mas dou meus próprios passos. Não ligo pra o que as pessoas pensam de mim, e não penso nas pessoas, pelo menos na imensa maioria. Não sou insensível, talvez seja sensível demais. Choro vendo comerciais de ONGs que combatem o aquecimento global, especialmente se mostrar ursos polares á deriva sobre pequenas placas de gelo. Aquilo me arrasa, me fere a alma, e eu nem sei explicar por quê, já que nunca nem sequer vi um urso polar ao vivo.
Eu me distancio das pessoas com facilidade, mas meu cachorro é meu melhor amigo, ainda assim, eu sei que ele é só um cachorro, e que ele vai morrer antes de mim, não fico feliz com essa pespectiva, mas ela também não me arrasa.
As pessoas pensam que eu sou inteligente, mas é por que eu falo pouco, e apenas quando tenho certeza do que vou dizer, mas eu não as corrijo, pois espero que, assim, pensando que eu sou muito esperto, elas continuem longe. Pelo menos a maioria. Eu posso estar te assustando com esse volume violento de informação, mas estou sendo bem franco por que eu gostei de ti. Não te amo, não sei se seremos melhores amigos, conhecidos que se veem na rua e sorriem depois de se despedir ou se eu vou ser o pai dos teus filhos e tu a mãe dos meus, mas achei melhor ser franco logo de cara, pois eu não quero que, quando eu for franco, mais adiante, tu te sinta enganada.
Ele pensou em dizer tudo isso. Mas apenas sorriu de volta e fez um "hm" parecido enquanto mastigava.
Eles não voltaram a se encontrar...

Um comentário:

  1. Uau!
    Se todo mundo já fosse assim de cara... a palavra descobrerta e romantismo seriam riscadas do dicionário.
    Na verdade, é o que queremos dizer, até mesmo pra gente não perder tempo com toda aquela melação e dar de cara no muro, acabar se envolvendo tanto que pode ficar sem muitas opções no futuro.
    A franqueza é absolutamente tudo e consoegue arrasar quarteirões... mas é a verdade e poucos estão prontos pra ela. Por isso, as vezes, é melhor dizer "hum..." e poupar a vida, ou quem sabe, nunca saber se seria possível.

    Em suma, não há receitas!!!

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