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quarta-feira, 24 de abril de 2013

Sem Rastros



Foi uma noite febril a que o Roberval tivera.
Ele sempre sentira as alterações de temperatura do outono gaúcho caírem sobre ele como a ira de um deus furioso. Não era novidade. Quando as manhãs e as noites tinham temperaturas de inverno, e as tardes eram ensolarados dias de verão, o sistema imunológico do Roberval colapsava. Em grande parte era sua culpa, já que ele era, no mínimo, negligente com a sua saúde.
Agora, Roberval via-se desde domingo à noite com dores de garganta, febre, e coriza. Os sintomas típicos de um resfriado causado pela variação climática brusca.
Dormira cedo. Cansado, febril, dolorido, triste... E sonhou...
No sonho, andava pela praia ao lado de um amigo. Talvez fosse Antero.
A praia certamente era Torres.
Viu quando se aproximou, de blusa cortada e amarrada na barriga e biquíni a Jurema.
Jurema era uma menina muito, muito linda que morara na mesma rua em que Roberval na adolescência. A Jurema tinha uma irmã, Joseane, que era igualmente linda. Ambas pareciam-se bastante uma com a outra e um bocado com a Natalie Portman e era até difícil distingui-las, e a verdade é que Roberval praticamente não tivera nenhum contato com a Jurema, embora tivesse conversado ocasionalmente com a Joseane, que era bastante hippie, gostava de drogas leves, álcool e de tomar banho no rio de roupa íntima.
No sonho de Roberval, a Jurema se aproximou sorrindo, e o beijou na boca, dizendo "oi, amor".
No sonho, um intervalo se ofereceu, para que Antero explicasse a Roberval que Jurema e ele estavam namorando. Quando Roberval perguntou "Como é que eu estou namorando com a Jurema?", Antero disse "Eu não sei. Tu estava bêbado e disse alguma coisa que ela gostou muito.".
Roberval aproveitou-se da situação, e saiu de mãos dadas com a Jurema, com quem comeu pastel e bebeu suco de uva em um quiosque da beira da praia.
Depois, foram a um luau, onde Jurema e ele trocaram beijos e carícias enquanto ao seu redor havaianos com a máscara do Homem de Ferro dançavam balançando folhas de bananeira.
O tempo todo, Roberval pensava que não devia estar fazendo aquilo. Por mais linda que Jurema fosse, ele não merecia estar com ela. E nem sequer sabia se queria. Passear na praia uma noite era uma coisa, mas e amanhã? E depois? Jurema talvez fosse tão hippie quanto Joseane, e ele era o extremo oposto disso...
Acordou-se em sua cama, ensopado de suor, com um calor absurdo.
Levantou-se e andou trôpego até o banheiro, onde se despiu e tomou um banho fresco.
Voltou pra cama, cobriu-se e voltou a dormir.
Dessa vez sonhou que seu amigo havia perdido um carro perto do super-mercado. Levaram horas procurando sem encontrar nada. Ele acabou acordando de leve, olhou para a TV, uma socióloga falava das hipotecas nos EUA, o sobrenome dela era Sassen, ele não viu o primeiro nome e voltou a dormir.
No sonho estava sentado na sacada do antigo apartamento de sua avó, na Fernando Machado, o céu estava negro e ventava muito, havia uma barra verde no horizonte, onde o sol parecia se pôr, e relâmpagos brancos dançavam entre as nuvens e a eles seguiam-se trovões violentos que ribombavam no estômago de Roberval. Sua avó saiu da sacada e perguntou:
-O que é que tu está fazendo aí, meu filhinho?
E Roberval respondeu:
-Estou esperando. Estou esperando porque é bom esperar. Estou esperando porque eu sou bom nisso. Talvez seja a coisa na qual eu sou melhor nessa vida... Esperar por ela. Porque ela é a melhor coisa da minha vida, então... Simplesmente faz sentido.
Acordou-se novamente. Com muito, muito frio. Ardia em febre. mediu a temperatura e ergueu as sobrancelhas ao constatar os 41 graus. Tomou um anti-térmico, um copo grande de água muito gelada, e voltou a se deitar. Seus olhos doíam.
"Estou esperando"... Ele já lera aquilo? Eram palavras dela? Não sabia... Nem poderia saber. Ela se fora, e levara consigo suas palavras... Ele não tinha nada... Nem as palavras dela para se confortar.
Voltou a dormir, com os olhos doloridos, mas dessa vez, não sonhou.

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