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terça-feira, 30 de abril de 2013
Durante o Blecaute
Ele descobriu que precisava muito, muito mesmo falar com alguém. Ligou pra ela. Perguntou se ela estava bem, ela disse que sim, algumas outras amenidades, e ele tomou coragem pra perguntar:
"Seria extremamente inapropriado se eu abrisse meu coração pra ti?", ela disse que não, que eram amigos e que amigos eram pra essas coisas. Então ele foi à casa dela, sentou-se no sofá diante de uma lata de Pepsi e, de fato, abriu o coração. Contou tudo, do início ao fim, exceto algumas partes que lhe pareciam demasiado íntimas de modo que ele omitiu.
Após várias horas em que contou quase tudo, estava terminando, sob o olhar atento dela.
-E a culpa não é de ninguém... Certamente não é dela... Não existem culpados. Engraçado que eu acho que, uma situação tão ruim, sem culpados, é ainda pior do que a mesma situação se desse pra apontar alguém e dizer "A culpa é dele.". Não sei porque-
-A culpa é tua. - Ela o interrompeu.
- Eu tenho essa impressão... O quê? - Ele não tinha, mesmo, entendido.
-Não é uma situação sem culpados. O culpado é tu. - Ela manteve, olhos azuis nos dele.
-Eu? - Ele perguntou pra ter certeza da afirmativa dela.
-É. Tu é o culpado. Tu, e tu sozinho. Tudo é culpa tua. - Ela sustentou.
-... - Ele não tinha nada pra dizer. Aquilo o atingira como um murro.
-Sério. Para pra pensar um instante. E recapitula tudo o que tu acabou de me contar, Ned... - Ela pediu, se ajeitando no sofá. -Quem é que foi puxar assunto com a menina? Tu. Quem deu corda quando ela começou a falar contigo? Tu. Quem não a desencorajou a te procurar? Tu. Quem agiu contra todos os próprios instintos o tempo inteiro? Tá, tudo bem, pelo que tu me disse ela fez isso, também, mas tu devia ter te flagrado, tu é mais velho, mais pé no chão...
-Ela também é pé no chão...
-Não importa... Depois tem todo esse lance de que tu não quer falar, que tu diz que não influencia, mas deve influenciar um pouco, já que tu não quer falar a respeito...
-Não... Foi um mau bocado, só. Mas pelo qual ela e eu passamos juntos... Não influenciou em nada.
-Se tu diz... Aí a gente chega nesse último parágrafo, em que ela te julga mal... Mas Ned... Te põe no lugar dela. E se o ex-namorado dela fosse um dos melhores amigos dela, saísse com ela, fosse ao trabalho dela... Tu acharia normal?
-Sim. - Ele respondeu, sem nenhum medo de estar sendo injusto. -Porque ela é esse tipo de pessoa, que a gente sempre quer ter por perto... Com quem ninguém em sã consciência quer romper relações...
-Ah... Mas tu não é. Um monte de gente em sã consciência quer romper relações contigo.
Os dois riram, mas ela ficou séria e continuou:
-Tu tem uma noção de mundo diferente das outras pessoas... Tu não pode cobrar ela dos outros, não pode medir outras pessoas pelos teus parâmetros. - Ela disse, pousando a mão no braço dele. E continuou:
-As pessoas normais se mordem, desconfiam, embrabecem e depois passa... Tu te desliga fácil, tu deixa pra lá, nada te atinge. Não é porque tu é insensível, nem porque tu é muito superior. É porque tu te concentra com todas as forças em outras coisas... Tu desata a ler, escrever, ver filmes, e deixa todo o resto pra lá... E quando tu te morde, te magoa e embrabece, meu Deus... Sai da frente, nunca mais... Como nesse caso...
Ele olhou pra ela com o que deve ter sido uma expressão cômica, pois ela riu:
-Acontece... As pessoas fazem cagadas. É o que nos torna humanos, não precisa entrar em choque.
Ele suspirou e abriu um meio sorriso de tristeza enquanto bebia um gole de refrigerante:
-Não é... Não é choque. Bom... Talvez seja um pouco. De tanto ela dizer que não era culpa de ninguém, eu acreditei. Eu sabia que não era culpa dela. Claro que sabia... Mas não tinha noção de que era tão minha culpa...Claro que alguma culpa eu tinha... Eu tenho essa tendência a ser-
-Responsável pela tua própria tragédia? - Ela complementou.
Ele riu de novo.
-Pois é... Essa compreensão súbita é meio dolorida vindo de outra pessoa... Bem dolorida, na verdade... Eu causei isso... Né? Toda a dor, olhando em perspectiva, todos os maus momentos passam por mim... Eu já sabia disso... Acho que disse isso pra ela em algum momento... Mas ela tinha esse jeito de me convencer do oposto, sabe? E era cômodo dividir os méritos com ela ao invés de arcar com as culpas sozinho...
A luz acabou. Estavam os dois sentados no sofá apenas com a luz que entrava pela sacada do apartamento. Uma luz amarelada do céu carregado de nuvens. A cidade estava escura. Ela abraçou ele em torno do pescoço. A luz voltou e eles ainda estavam abraçados. Ele perguntou:
-Ela vai ficar melhor sem mim, não é?
-Tu tem alguma dúvida? Olha pra ti, tu é um traste.
Os dois riram. Ele terminou o refrigerante, se levantou e agradeceu por ela tê-lo ouvido.
Enquanto ele voltava pra casa, passou em frente ao hotel Poa Residence, quando chegou ao viaduto a eletricidade caiu novamente. E ele voltou pra casa no escuro absoluto, exceto pelo farol dos carros que eventualmente passavam por ele, e cercado pelas trevas, pensou se elas eram, do lado de fora, tão escuras quanto as que trazia dentro de si.
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