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quinta-feira, 9 de abril de 2015

Com Uma Pequena Ajuda dos Amigos


Daniel vinha andando pela rua, o cachorro na coleira, olhando adiante enquanto o felpudo animal cheirava cada macega, árvore e poça que encontrava pelo caminho.
Não se importava com a meticulosidade do amigo canino, de nome Bilbo, em descobrir o passado de cada acidente geográfico do bairro através do olfato.
Para ele era importante que o Bilbo aproveitasse suas duas saídas diárias à pleno, e para isso a paciência de Daniel deveria ser de Jó, e deveria estar pronta a ser exercitada. É, afinal de contas, pelo nariz que os cães vislumbram o mundo, e Daniel queria que Bilbo vislumbrasse tudo o que tivesse vontade.
Enquanto o cão apreciava o bouquet da base de um poste de iluminação da avenida onde moravam, o sujeito percebeu, saindo do prédio onde moravam, a forma voluptuosa de Silvana.
A Silvana era uma moça de seus vinte e cinco, vinte e seis anos, cabelos louros encaracolados e olhos azul-marinhos. Se vestia com roupas que pareciam ter sido aplicadas a vácuo em seu corpo de formas generosas que, se fossem anunciados por alguma Perdigão ou Sadia da vida alardeariam a quantidade maior de coxa e peito disponível naquela espécie.
A Silvana, aquele imenso catalisador de hormônios masculinos de 1,77 m, era consciente do efeito que tinha nos homens.
Jovem, bonita e com uma qualidade à que nosso avô provavelmente se referiria como "tesuda", Silvana era avessa às aproximações e investidas masculinas em geral desde que, logo após chegar ao condomínio, pouco mais de um ano antes, tornara-se alvo de investidas de praticamente todos os vizinhos, tendo inclusive causado, ainda que sem intenção, o rompimento do seu Abílio com a sua esposa, dona Vera, do 302. O seu Abílio, dono da ferragem do lado do prédio, estava sempre se oferecendo pra fazer consertos e reparos na casa da Silvana, que negava sempre. As negativas da moça, no entanto, não arrefeceram os convites do seu Abílio que, por alguma razão, achou que seria mais eficiente se ele deixasse presentes na porta da casa dela.
Flores, bombons, perfumes... Todo o dia o seu Abílio deixava algum mimo na porta de Silvana e um bilhetinho.
Não tardou para o estratagema de Abílio ser descoberto por dona Vera que, ato contínuo, deu-lhe um corridão de casa e início imediato aos trâmites do divórcio.
A Silvana, posta sob o escrutínio de todas as coroas do edifício, inclusive chegou a tentar se mudar, tamanha a antipatia da mulherada do condomínio por ela, mas por ter tido dificuldade em encontrar outro apartamento perto da faculdade e do trabalho com preço acessível, acabou ficando.
Acabou ficando, mas fosse como fosse, naquele último ano e pouco, a Silvana não deu mais nenhum tipo de abertura, por remota que fosse, à aproximação de ninguém no prédio. Ficava silente, quando muito maneando a cabeça quando lhe desejavam bom dia, ou agradecendo de forma quase inaudível quando alguém lhe segurava a porta do prédio ao entrar.
O papel de pivô na separação alheia a tornou inacessível e seca aos vizinhos.
Uma lástima para Daniel, que sempre fora paradão na Silvana, e que ainda hoje amaldiçoava o fato de ter sido lerdo demais para convidá-la para fazer alguma coisa.
Daniel sentia o peso da oportunidade perdida sempre que via, de longe, a vizinha.
Não apenas pelos quadris redondos que rebolavam musicais ao andar da Silvana, nem pelas pernas rijas e bem torneadas, pela bunda épica, a barriga achatada ou os peitos dignos de comercial de sutiã.
Claro, tudo isso ajudava, e ajudava um bocado, mas, na verdade, o que Daniel gostava, mesmo, e que o tornara um fã da Silvana e o teria mantido nessa condição mesmo sem praticamente todo o resto, era o sorriso.
A Silvana tinha um desses sorrisos que iluminam o rosto, com uma ruguinha surgindo debaixo de cada olho, e a ponta do nariz sendo puxada pra baixo conforme o lábio superior se esticava. Esses dois detalhes eram das coisas que o Daniel achava mais bonitas em um sorriso, e a Silvana fazia ambos.
Daniel nem sabia dizer o quanto lamentava nunca mais ter visto a Silvana sorrir, nem sequer de esguelha.
Agora, ali estava ela, com uma blusa branca, calça de terninho cinza, salto alto, os cabelos presos num coque apressado, andando em sua direção.
Olhou para Daniel e acenou com a cabeça, no seu gesto máximo de "olá" ou "bom dia" naqueles tempos, então, viu o Bilbo, e sua expressão se abrandou.
Ela se agachou na calçada, equilibrando-se sobre a ponta dos pés, e se pôs a acariciar o pelo farto do cão, no lombo e no peito, e, quase sorrindo, disse:
-Adoro essa raça. É meu sonho de consumo.
O Daniel, de bate-pronto, com um sorriso que não deixava claro se estava fazendo uma piada ou falando sério, respondeu:
-E tu és o meu. Dá pra negociar isso aí.
Hoje, se alguém perguntar pro Daniel de onde saiu aquilo, ele vai dizer que estava escrito nas estrelas. Mas seria mentira. Na hora, ele se perguntou a mesma coisa. Chegou a sentir um frio na boca do estômago quando a Silvana ergueu os olhos e o encarou sob as sobrancelhas, mas aí, o Bilbo deu-lhe uma lambida no rosto, e ela e Daniel começaram a gargalhar quase que automaticamente.
Hoje, Silvana e Daniel vivem juntos. Mudaram pra um apartamento maior em outro condomínio, e Bilbo, sem cuja ajuda a união do casal talvez jamais tivesse sido consumada, passeia três vezes ao dia, e Silvana e Daniel estudam a possibilidade de arranjar uma namorada pra ele, também.

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