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terça-feira, 14 de abril de 2015
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O Fidel e a Amanda vinham andando pela rua.
Ele, emburrado, mãos nos bolsos, nem olhava pra ela, que já estava começando a ficar irritada, também.
Voltavam da casa de uma tia dela. Dona Mariana. A dona Mariana era muito chegada à irmã, mãe da Amanda, e parte fundamental da rotina da Amanda, era jantar na casa da tia ao menos duas vezes por mês. Ao chegarem ao apartamento amplo da dona Mariana, depararam-se com os novos moradores do domicílio:
Dois cães pinscher miniatura, pouco mais que filhotes, ávidos por atenção, saltando e arfando em volta dos tornozelos do casal.
A dona Mariana, cheia de amor pelos novos mascotes, era toda sorrisos, totalmente alheia ao desconforto de Fidel que era louco por cachorros, os amava, mas, por algum motivo que nem ele própria sabia precisar, odiava cães pequenos.
A Amanda, ciente dessa faceta obscura do parceiro, tratou de monopolizar os cãezinhos pelo resto da noite, fazendo toda a sorte de festa e carinho que podia, aproveitando-se da receptividade dos animais, acariciando-lhes as barrigas e os pescoços, coçando-lhes as costas e falando com eles com uma vozinha meio grave, depois outra meio fininha, e por fim uma algo rosnada, um lance tão inédito que o Fidel até se alarmou.
Em todos os anos em que conhecia a Amanda, ele jamais a havia visto fazer vozinha.
E aquilo bateu pro Fidel. Bateu porque ele não era homem de vozinha. Tanto que ele, dono de um cachorro, e apaixonado por cachorro, não falava com seu cão com vozinha.
Não falava com bebê com vozinha.
Nem nunca tivera vozinha pra falar com namorada.
E o Fidel acreditava que a sua vida amorosa pregressa fora trágica justamente por causa disso:
Pela falta de uma vozinha, que todo mundo sabe, relacionamento feliz não sobrevive sem uma vozinha.
Ao conhecer a Amanda e conviver com ela, o Fidel pensou ter encontrado a sua alma gêmea não apenas por conta do tesão que sentia por ela, por amar sua companhia, por conta da enormidade de gostos em comum que tinham, mas também porque nenhum dos dois era de fazer vozinha.
E ali, na noite do jantar na casa da dona Mariana, o Fidel descobre que a Amanda tinha vozinha. Pior! Que tinha um amplo rol de vozinhas.
O Fidel ficou quieto no resto da noite. Os assuntos passavam por ele com monossílabos e meio sorrisos silentes, e assim, foi.
Na saída a Amanda já tinha certeza de que alguma coisa estava errada com o Fidel, e, já ficando, também azeda, confrontou-o.
-Por que esse ranço, criatura? Passou a noite inteira de cara amarrada. Que coisa chata. O que houve?
O Fidel, meio a contragosto, respondeu. Contou a história das vozinhas, da sua relação com as vozinhas, seu conforto com a falta delas, e por fim, seu profundo choque com a revelação de que a Amanda tinha vozinha, aliás, vozinhas.
-Pô, Amanda... PelamordeDeus... Eu bem tranquilo, achando que nosso relacionamento era um sucesso porque nenhum de nós tem vozinha, e daí: Pá! Tu tem vozinha. Pior, tem mais de uma. Tem uma pra cada cachorro. Uma pra cada situação. Só não tem pra mim...
A Amanda ficou olhando pra ele incrédula:
-Sério que tu ficou tão chateado por causa disso? Mas Del... Eu sei lá... Nunca fiz vozinha contigo por causa do teu jeito... Tu, todo sério, eu sei lá... Não me senti à vontade pra fazer vozinha contigo... Talvez com mais tempo... Mais convívio... Eu me soltasse mais...
O Fidel olhou pra ela como quem não está convencido.
-Tu precisaria de um prazo, então?
-É... - Confirmou a Amanda. -Algo assim. Uns seis meses de convívio mais contínuo, de repente...
-Ah, entendi. - Disse o Fidel. -Há quanto tempo tu conhecia os cachorros da tua tia, mesmo?
-Ai, Fidel... É diferente... Tu viu só eles? Coisa mais querida, já chegaram pulando em mim, me lambendo.
O Fidel, cara amarrada, resmungou de lado:
-Até parece que eu não fiz a mesma coisa na noite em que te conheci...
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