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quinta-feira, 2 de abril de 2015

Unanimidade


Eu não nasci gostando de futebol como muitos brasileiros. O futebol, pra mim, foi um gosto adquirido, que começou com a Seleção Brasileira de 94, e apenas no ano seguinte se estendeu ao amor clubístico, no caso, pelo glorioso Internacional.
Com isso em mente, podemos dizer que eu acompanho futebol, de fato, há exatos vinte anos. Desde 1995, um ano, aliás, muito ruim para alguém escolher ser colorado.
Foram assim, aliás, a grande maioria dos anos noventa.
O período em que o co-irmão de azul chegou a convencer o Brasil de que era um time grande. Tudo bem, foi fogo de palha, e já no ano seguinte encerrou-se o breve ciclo vencedor do tricolor da Azenha que, dali em diante, caiu na real, mas ainda assim, aqueles anos entre 94 e 96 foram muito complicados para alguém que, aprendia a amar futebol, escolher de maneira consciente ser colorado.
Talvez tenham sido as nuvens pesadas que pairavam sobre o time do Beira-Rio que me fizeram mergulhar no passado do clube. Foi graças à antigas revistas de um tio recém falecido, que descobri as glórias passadas do Internacional. Do super-time tri-campeão brasileiro dos anos setenta, do temerário Rolo Compressor da década de 50, e do Rolinho dos anos sessenta.
Eu era testemunha ocular (e algo distante) apenas de um gauchão, em 94, e de uma Copa do Brasil, em 1992. Dois títulos de pouca expressão, que empalideciam ante as conquistas do passado virtuoso do Inter, e naqueles anos, a única forma de vislumbrar grandeza para um Internacional endividado e sucateado, era olhando saudosamente para o passado, ou esperançosamente para o futuro, e a maioria de nós, colorados, dividia seu tempo entre as duas coisas.
Os anos correram e surgiu o amanhã, radioso de luz e varonil, e um Inter reerguido a partir da base, seguiu sua senda de vitórias que se empilharam a partir da metade dos anos 2000.
O resto todos já sabem. Título Brasileiro clamorosamente roubado em 2005, eliminação duvidosa na Copa do Brasil do mesmo ano, e, em seguida, Libertadores sobre o então Bicho-Papão São Paulo, e Copa do Mundo de Clubes da FIFA sobre o invencível Barcelona de Ronaldinho, Deco, e Xavi.
À essas conquistas gigantes, seguiu-se uma Sul-Americana, uma Recopa, Estaduais e mais Estaduais. Isso sem contar três bolas na trave no Brasileirão 2006, 2009, e na Copa do Brasil do mesmo ano, para em 2010, erguer a América de novo contra o Chivas Guadalajara.
Foram anos alvissareiros para o Clube do Povo do Rio Grande do Sul, em que o Inter viu nascerem ídolos eternos como Rafael Sóbis, Iarley, Fernandão, Tinga e Clemer. Astros improváveis como Adriano Gabirú, Rentería e Perdigão, e jogadores históricos como Índio, Fabiano Eller, D'alessandro e Alex.
Claro, nem só de acertos vive o futebol. Nem mesmo o Barcelona acerta sempre em suas contratações, e o Inter viu uvas inexplicáveis vestidas com o manto envergado por Larry, Valdomiro e Falcão.
Quem não lembra de Kléber Pereira? Edu? Pinga e Michel. Apenas alguns de um sem-número de jogadores que simplesmente não tinham bola no corpo para fardar num dos maiores clubes da América do Sul e do Mundo. Muitos deles foram vaiados, xingados, perseguidos pela torcida. Tome por exemplo o lateral-direito Nei, hoje no Vasco.
Nei não era nenhum Luís Carlos Winck ou Cláudio Duarte. Não era sequer um Ceará ou Elder Granja.
Nei poderia ser descrito como um jogador comum e olhe lá.
Tinha pulmão de aço, chute poderoso mas sem direção, bom domínio de bola, e meio que acabava por aí. A jogada assinatura de Nei era matar a bola no peito com muito estilo, correr cinquenta metros, fazer um corte pra dentro e emendar um petardo de esquerda que geralmente ia parar no Gigantinho ou nos campos suplementares da Escola Rubra, dependendo de pra quê lado o Inter estava atacando.
Nei era alvo preferencial da torcida, que se ressentia do fato de um jogador limitado como ele ser titular absoluto e barrar a entrada de jovens que, supunha-se, não jogariam pior que ele e seriam potencialmente mais baratos além de ter potencial de crescimento.
Nei era vaiado, xingado, e motivo de chacota nas redes sociais com a clássica piada "cite três alterais-direitos melhores do que ele no Brasil".
Eventualmente Nei acabou sendo negociado, isso após ser campeão da América e de uma Recopa, e, ao chegar ao Vasco, seu novo clube, disse que era muito agradecido pelo tempo que passara no Internacional e que aprendera muito aqui.
Ontem, assistindo ao jogo entre Internacional e Ypiranga de Erechim, um daqueles clássicos confrontos entre um grande da capital e um pequeno do interior que vira um ataque contra defesa da pior espécie, estava quase pegando no sono quando o lateral-esquerdo Fabrício, do Inter, recebeu uma bola na sua zona de jogo, avançou alguns passos com ela, foi reduzindo a velocidade até parar, seu marcador chegou junto e o desarmou. A torcida, claro, chiou, e Fabrício, ao invés de seguir no lance e tentar recuperar a bola, virou-se para a arquibancada e fez gestos obscenos para a massa que o vaiava.
O árbitro da partida, vendo o achaque do ex-jogador da Portuguesa, correu e apresentou-lhe o cartão-vermelho, para urros de aprovação da torcida colorada. O lateral, então, entrou em um violento faniquito, arrancou a camisa do corpo lutando contra o zagueiro Juan, que tentava impedi-lo de fazer uma bobagem. Ainda assim, Fabrício desvencilhou-se do zagueiro, tomou a camisa do veterano defensor, e a jogou no chão.
Encaminhou-se para o túnel mandando a torcida longe e prometendo ir embora enquanto afastava de maneira ressentida feito um moleque birrento, todos aqueles que se aproximavam para tentar acalmá-lo.
Fabrício, de fato, é perseguido pela torcida. Talvez não seja culpa dele ser um jogador absolutamente insuficiente, tanto técnica quanto intelectualmente, alçado à uma posição de intocável dentro do elenco colorado. Eu mesmo sou um detrator do Fabrício, a quem me refiro como o jogador mais burro que já vi vestindo a camisa vermelha, desde que ele chegou ao Inter por empréstimo da Portuguesa.
Mas Fabrício, mesmo perseguido e apupado pela massa colorada, não sofreu mais do que Nei, por exemplo... Fabrício não foi mais contestado do que Danilo Silva... Fabrício não ouviu mais piadas do que Adriano Gabirú... E Fabrício não é tão vencedor quanto nenhum desses, todos vencedores de Libertadores e/ou Mundial com o Inter.
Digo mais, nenhum desses três meros exemplos que citei, jamais teve um faniquito sequer próximo dos acessos escandalosos de histeria de Fabrício, que arranca a roupa, grita e chora quando é expulso. Nenhum desses jogadores jamais atirou o manto escarlate ao chão e xingou a torcida que paga seu salário prometendo ir embora como se resolvesse quando encerra o próprio contrato.
Fabrício entrou num rol extremamente limitado da História maiúscula do Sport Club Internacional.
Se tornou uma das poucas, pouquíssimas unanimidades do Inter em todos os tempos. Mas na ponta errada da curva.
Esse elemento jamais pode voltar a vestir a camisa do Colorado nem sequer em treino. Se o Internacional ainda for um clube sério, isso é o mínimo que deve acontecer.

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