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quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Claustro


Décimo-sexto dia trancado dentro de casa.
Dezesseis dias sem ver a luz do sol. Venezianas fechadas, luzes apagadas.
Duas semanas e dois dias sem ver ou ouvir outro ser-humano. Seria o mesmo período sem ver outro ser vivo não fosse pela lagartixa que vi na cozinha, ontem à noite.
Trezentas e oitenta e quatro horas sem ouvir a voz de outra pessoa.
Vinte e três mil e quarenta minutos de solidão.
Um milhão, trezentos e oitenta e dois mil e quatrocentos segundos de claustro auto-infligido...
Não que eu esteja contando...
Eu sei que eventualmente terei que sair das trevas... Minha mente racional diz isso.
O tempo todo.
O cérebro assume as rédeas vez por outra e se esforça pra se fazer entender... "Veja bem", diz o consciente, "Isso não vai funcionar.".
Eu sei a que ele se refere.
Em algum momento a comida vai acabar.
O dinheiro do banco vai acabar.
E aí vai acabar a energia elétrica... A água...
Na eventualidade de tudo isso acabar vai ser apenas questão de tempo até que eu acabe, também.
O ponto é... Será que eu não prefiro acabar?
Não sei...
O consciente diz que não.
O inconsciente diz "whatever".
Inconsciente idiota. Falando em inglês.
Quem ele pensa que é?
A verdade é que eu estou me divertindo transformando minha casa em uma caixa de Schrodinger...
Nesse momento eu estou vivo e morto ao mesmo tempo.
A experiência é por demais libertadora pra alguém querer abrir mão.
E eu nem precisei do contador Geiger, do veneno e do composto radioativo... Só da chave de casa.
Banqueteando-me da delícia de ver o celular tocando e não atender, imaginando a aflição das pessoas do outro lado da linha se perguntado o que aconteceu comigo...
Seria ainda mais delicioso se alguém ligasse de fato e todo o prazer sádico de afligir os outros não fosse inventado.
O consciente diz que as pessoas ligariam se eu não as afastasse a todas.
O inconsciente diz "quem liga?"...
Pra um inconsciente ele até que sentiu a minha censura por falar em inglês de maneira desnecessária.
Existe um dito a respeito de não faltar ao trabalho e dar ao patrão a certeza de que tu não é necessário... Acho que foi o que eu fiz... Mas ao invés do trabalho faltei à vida... E ao invés do patrão, foram todas as pessoas que ganharam a certeza de que eu sou desnecessário...
Na verdade tudo isso... Todo esse experimento... Começou por eu ser desnecessário.
Não foi?
Desnecessário para uma pessoa em particular. Não fosse isso, e talvez as coisas tivessem seguido seu curso natural e eu ainda estivesse simulando minha vida lá fora.
Em contato com outros seres humanos. Com outros seres vivos que não a Madalena...
É o nome da lagartixa...
Se eu não tivesse sido confrontado com a minha inutilidade... Eu não teria me enclausurado isolado por dezesseis dias...
Trezentas e oitenta e quatro horas...
Vinte e três mil e quarenta minutos...
Um milhão, trezentos e oitenta e dois mil e quatrocentos segundos...
Dos quais só pensei em ti.

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