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quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Quindim


E tem a história da Fátima e do Miguel.
A Fátima queria encontrar seu homem ideal.
O homem ideal, pra Fátima, era polido, educado, um autêntico cavalheiro. Se tinha coisa da qual a Fátima não abria mão, era educação. Era que abrissem a porta do carro pra mulher entrar, e oferecessem a mão para ajudá-la a sair.
Seu homem ideal era aquele tipo que deixa que ela passe na frente, sempre e se levanta quando ela sai da mesa... O homem ideal da Fátima jamais ergueria a voz, jamais diria uma grosseria, não riria gargalhando, e nem beberia água no gargalo.
A primeira coisa que ela ouviria dele todos os dias seria "bom dia" e a última "boa noite", e ele jamais a encontraria sem saudá-la.
A Fátima jamais veria seu home ideal cortando as unhas, nem das mãos, que diria-se dos pés. Mas ainda assim, as unhas dele estariam sempre limpas, bem aparadas e lixadas. Quiçá com uma demão de base incolor...? Não... Muito gay.
Os pelos... O homem ideal da Fátima seria depilado no peito, nas costas e nas axilas. Ele teria pelos nos antebraços e nas canelas, apenas. Talvez no púbis, mas teria que ser como a barba... Ele não teria barba, mas se resolvesse cultivar uma de maneira extravagante por algumas semanas, ela estaria sempre limpa e bem aparada.
O homem ideal da Fátima passaria óleos e hidratantes para que sua barba jamais a pinicasse de maneira desconfortável e abrasiva. Ele escovaria os dentes sete vezes por dia, mais, se comesse algo fora de hora, mas ele nunca comeria fora de hora... E seu hálito não teria cheiro de menta, que é artificialmente criado com pasta dental ou pastilhas, mas de baunilha, que é igualmente artificial, vá lá, mas ele saberia que ela prefere.
O homem ideal da Fátima usaria "com licença", "por favor" e "obrigado" em profusão, e teria uma condescendência paternal por quem achava que isso o fazia parecer efeminado.
Ele seria um amante gentil e abnegado, capaz de fazer horas de sexo oral se achasse que isso satisfaria a Fátima, e jamais faria grosserias como puxar-lhe o cabelo ou aplicar-lhe um tapa na bunda durante o coito.
Ele usaria essa palavra: Coito.
E não riria.
Ele também não faria nojeiras como ejacular em algum lugar inapropriado da Fátima. Como os seios, o rosto, ou as nádegas. Credo. Não.
O homem ideal da Fátima saberia que o sêmen tem só dois lugarzinhos, onde ele surge e pra onde tem que ir, e jamais o colocaria num outro lugar que não fossem aqueles.
Ele correria pra atender a todos os desejos dela, a valorizaria acima de qualquer outra coisa e moveria céus e terras pela felicidade dela, que não era mulher de exigir mimos, mas não se importaria de ser mimada por ele, que seria bonito, charmoso e bom pai, ainda por cima.
Claro... A Fátima não era burra. E sabia que a idealização não existia... Ela jamais encontraria esse homem exatamente como ela sonhava. Por isso estava disposta a abrir mão de um par de predicados da lista.
Só tinha que decidir quais.
E o Miguel?
O Miguel queria encontrar sua mulher ideal.
A mulher ideal, pro Miguel, era companheira, divertida e fiel. Se fosse gostosa, melhor. Podia curtir esportes e era importante, pro Miguel, que ela gostasse de quindim.
Mas não do quindim todo. Só da parte do coco queimado, embaixo, que ele não gostava. Sua mulher ideal gostaria do coco queimado, mas não gostaria do ovo. E eles dividiriam os quindins irmãmente, cada um ficando com a parte de que gostava mais.
Claro... O Miguel não era burro. E sabia que a idealização não existia... Ele jamais encontraria essa mulher exatamente como ele sonhava. Por isso estava disposto a abrir mão de um par de predicados da lista.
Sabia até qual.
Mas não era o lance do quindim.
Cada um a seu modo, a Fátima e o Miguel desejavam o impossível. E iriam morrer sozinhos.

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