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quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Resenha Cinema: Doutor Estranho


Após treze filmes acredito que a audiência já tenha aprendido o que esperar quando vai ao cinema assistir um longa da Marvel...
A fórmula surgiu em Homem de Ferro e O Incrível Hulk há oito anos atrás, e de lá pra cá o estúdio percebeu que sua mistura de aventura e comédia era uma mina de ouro, e na melhor aplicação do adágio que diz que, se não está quebrado, não conserte, o conluio Marvel/Disney tem aplicado a fórmula em cada um dos seus filmes, ás vezes pendendo o lado mais para a ação, caso do excelente Capitão América: O Soldado Invernal, hora para a comédia, como aconteceu em Homem Formiga.
É por isso que eu espero, francamente, não ler ou ouvir nenhuma crítica a Doutor Estranho lamentando o fato de que o longa dirigido por Scott Derrickson, egresso de O Exorcismo de Emily Rose, A Entidade e Livrai-nos do Mal não seja mais sério, mais soturno, e mais assustador.
Se a audiência quer ver um filme sério, soturno e assustador, então não deveria ver nada com o selo vermelho e branco da Marvel perto do título.
Doutor Estranho é exatamente o que todos os filmes da Marvel têm sido desde que Robert Downey Jr. apareceu segurando seu scotch no banco de trás de uma Humvee ao som de Back in Black no debute da encarnação cinematográfica da editora, e, se o espectador não estiver esperando uma estapafúrdia ruptura de um (muitíssimo) bem-sucedido modelo, eu tenho certeza absoluta de que será capaz de se divertir assistindo a história de Stephen Strange (Benedict Cumberbatch).
Strange é um neurocirurgião cujo talento para salvar vidas só é equiparado pela arrogância e ego inflado de um profissional com uma habilidade sem par.
Capaz de realizar milagres médicos enquanto ouve canções e declama autor, álbum e data de lançamento Stephen Strange é tão cheio de si que chega a ser irritante que ele seja tão bom no que faz.
Que o digam seus colegas de hospital, como o doutor Nicodemus West (Michael Stuhlbarg) e Christine Palmer (Rachel McAdams), que têm lugar na primeira fila para as demonstrações tanto do talento de Strange quanto de seus rompantes de diva.
Stephen é um homem que tem tudo, ao menos até perder tudo quando um acidente automobilístico causa o esmagamento de suas mãos sob o painel de sua Lamborghini.
Os danos aos nervos de suas mãos são extremamente severos, e após inúmeras cirurgias, tratamentos e fisioterapia, Strange se vê incapaz de sequer se barbear sem ajuda, que dirá retomar sua carreira como cirurgião.
Enquanto torra todo o seu dinheiro em tratamentos experimentais, ele toma conhecimento do caso de Jonathan Pangborn (Benjamin Bratt).
Pangborn sofreu um grave acidente que o deixou tetraplégico, e milagrosamente ressurgiu em Nova York andando, trabalhando e jogando basquete com os amigos.
Strange encontra Pangborn, que lhe dá o mapa da mina:
Um lugar chamado Kamar-Tej, no Nepal.
Torrando até seu último centavo em uma passagem só de ida para Catmandu, Stephen encontra o santuário de Kamar-Tej, onde é apresentado a Mordo (Chiwetel Ejiofor), a Wong (Benedict Wong) e à Anciã (Tilda Swinton).
Mas ao invés de curandeiros espirituais, Strange encontra magos que não precisam de muito para vencer seu ceticismo, e apresentá-lo a um novo mundo.
Logo Strange se torna um membro dessa ordem, aprendendo vorazmente sobre a magia oculta de nossa dimensão, a força de seu intelecto e a vontade de aprender logo deixam claro que o ex-cirurgião tem um potencial tremendo para as artes ocultas, mas seu aprendizado é interrompido quando eclode a guerra entre a ordem e um pupilo renegado, Kaecilius (Mads Mikkelsen), que pretende usar o conhecimento de tomos proibidos para abrir as portas da dimensão negra e trazer o terrível demônio Dormammu à Terra.
Arrastado para o meio desse conflito, o Doutor Estranho precisa decidir se é capaz de colocar seu ego de lado e usar seus talentos para proteger nossa dimensão do que existe além.
É óbvio que é divertido.
O longa tem todas as melhores qualidades de um filme da Marvel, boa ação, piadas engraçadinhas, efeitos visuais de ponta, e um ótimo elenco emprestando credibilidade à maluquice na tela.
Benedict Cumberbatch é um excelente ator, e sua performance no papel título é inspirada, transitando com naturalidade entre o drama, a ação e a comédia.
Chiwetel Ejiofor é outro baita ator, e seu Mordo é majestoso e grave e que obviamente terá muito mais a oferecer no futuro, enquanto Benedict Wong interpreta um Wong completamente diferente daquele dos quadrinhos, mas ótimo dentro da proposta do filme. Pra melhorar, ele ainda tem uma química divertidíssima com Cumberbacth.
Tilda Swinton, por sua vez, é um capítulo à parte.
A celeuma pela mudança de etnia e gênero do Ancião (nos quadrinhos ele é um velho oriental, uma piadinha que inclusive surge no filme) vira pó sob a interpretação serena da atriz britânica, que esmerilha com sua presença naturalmente etérea no papel da personagem eterna (tudo a ver com Swinton, que tem a mesma cara desde Orlando: A Mulher Imortal), sábia e poderosa.
Mads Mikkelsen faz o que pode com Kaecilius. O personagem, devo admitir, é um dos poucos vilões recentes do universo Marvel com algum background, e mesmo que sua conexão passada com a Anciã seja apenas brevemente sugerida, já dá uma ajuda para a audiência vislumbrar um motivo por trás de suas ações, o que é um respiro em meio a tantos vilões que são maus apenas porque sim...
Rachel McAdams é uma gracinha e uma atriz gostável o suficiente pra fazer a gente se importar com ela mesmo que o par romântico seja apenas uma formalidade nesse tipo de filme de origem e sua participação, à certa altura, se resuma à reagir de maneira engraçada aos absurdos que acontecem na tela.
Filmes de origem precisam respeitar uma certa estrutura, e Doutor Estranho não é exceção à regra, de modo que é saudável que o longa sirva-se do talento de seu elenco acima da média e da qualidade lisérgica dos quadrinhos de Stan Lee e Steve Ditko para dar uma refrescada numa equação quase obrigatória quando se apresenta um super-herói.
As viagens interdimensionais e sequências de sonho caleidoscópicas são muito bem sacadas, e apesar da implicância de alguns aborrescentes ranhetas com os primeiros trailers que tinham um visual reminiscente ao A Origem de Christopher Nolan, não tema, os efeitos visuais vão mais fundo que a dobra de prédios que apareceram na primeira prévia, e são esticados muito além daí.
Doutor Estranho faz um ótimo trabalho contando a história de origem do mestre das artes místicas do universo Marvel, abre novas portas para o futuro, e torna o Universo Cinemático Marvel um pouco mais Estranho...
Assista no cinema.
Apenas a possibilidade de ver os talentos de Swinton, Ejiofor e Cumberbatch dividindo cenas já valeria o preço do ingresso.
Como de hábito, espere até o final dos créditos, ao contrário do que aconteceu em filmes recentes da Marvel, as duas cenas ocultas estabelecem filmes vindouros.

"-Isso não faz nenhum sentido.
-Nem tudo faz. Nem tudo precisa fazer."

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