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sábado, 5 de novembro de 2016

Satisfação


Estavam os dois sentados na mesma mesa de sempre no bar.
O Everaldo e o Paulo Roberto, de frente um pro outro, o Everaldo brincando com as bolachas de chope que se amontoavam diante de si, o Paulo Roberto bebendo uma Coca-Cola enquanto olhava, de soslaio, para a TV no canto oposto do bar.
Ali pelas tantas, passou um conhecido, o Amaury, que imediatamente reconheceu os dois, e parou brevemente para cumprimentar.
Falou as amenidades de hábito.
"Quanto tempo!", "PE verdade!", "E a família", "Precisamos marcar alguma coisa", e finalmente despediram-se com "satisfação!".
Assim que o Amaury foi embora o Everaldo cuspiu uma risada forçada:
-Escroto do cacete...
O Paulo Roberto riu de verdade:
-Tu não gosta do Amaury?
-Nem a mãe desse filho da puta gosta dele. - Respondeu o Everaldo, seco.
O Paulo Roberto tentou apaziguar:
-Ele não é tão ruim... É meio forçado, eu concordo, mas tem gente pior no mundo...
-Ah, sim... Mas se tu vai partir desse princípio fodido, então ninguém é ruim de verdade, a não ser o pior filho da puta da face da porra da Terra...
-É... - Paulo Roberto viu-se obrigado a concordar. -Tem razão. Mas eu não acho o Amaury tão ruim. Ele é chato, verdade, mas quem não é, ao menos ás vezes?
-Esse escroto do caralho não é chato "ás vezes", Pê Erre, ele é chato pra caralho a porra do tempo inteiro. É o estado natural desse filho da puta. Ele é um filho da puta falso. Quem é que se despede dizendo "satisfação"? Quem é o olho de um cu que diz uma porra dessa se despedindo? Que é que significa essa merda?
O Paulo Roberto sorriu:
-Ué... Ele ficou satisfeito de nos ver... Daí disse "satisfação"...
-Ah, mas vai te foder, tu e ele, Pê Erre... Tu usa isso pra cumprimentar? - Retrucou o Everaldo.
-Não. - Respondeu o Paulo Roberto -Mas conheço gente que usa.
-Tudo falso. - Sentenciou o Everaldo. -Corja de falso filho da puta. - Completou.
O Paulo Roberto discordava:
-Tu acha impossível sentir satisfação por ter encontrado alguém? - Perguntou.
-Eu acho... Satisfação é outra coisa... Quando encontra alguém que gosta nego sente alegria, felicidade... Vai tomar no teu cu com "satisfação"...
O Paulo Roberto resolveu especular:
-Então, tá, Everaldo. O que seria uma situação pra sentir "satisfação", pra ti? Uma boa refeição? Uma boa trepada? O quê se encaixaria na tua definição de "satisfação"?
-Satisfação, mesmo - Disse o Everaldo, mexendo os dedos como se a ideia flutuasse diante dele e ele a estivesse colhendo -É enfiar o dedo no nariz, e tirar um tatu... Mas não qualquer tatu. Eu tô falando daqueles tatus que são grandes, meio duros, e chegam a obstruir a passagem de ar na narina, e tu te vê obrigado a cavoucar a nareba com a unha pra conseguir tirar, porque assoando o nariz ele não sai... E aí tu pesca aquele colosso de muco enrijecido com a unha do indicador, e puxa ele com cuidado pra não perder, e ele vem arrastando consigo uma âncora de ranho, e quando aquela porra sai, Pê Erre, e tu consegue respirar... Puta merda... O alívio...
Isso, sim, é satisfação...
Do outro lado da mesa o Paulo Roberto encarava o Everaldo com uma expressão indefinida.
Parecia um cientista diante de uma nova forma de vida, algo nunca antes visto na Terra e cujas ramificações ainda não eram totalmente compreensíveis no médio a longo prazo. Ele não sabia dizer se estava diante de um milagre ou de uma desgraça.
Apertou os olhos mirando o amigo que empilhava bolachas de chope do outro lado da mesa e ainda sem ter certeza, disse apenas "Que nojo.".
E bebericou um gole de sua Coca-Cola.

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