Batman vs Superman: A Origem da Justiça é um filme... Difícil.
E não pelas razões que seus fãs mais ardorosos gostariam de pensar que é. O longa não é demasiado complexo, cheio de nuances ou intelectualmente desafiador das formas que provavelmente Zack Snyder gostaria que fosse. Ele é um filme com boas ideias que são frequentemente suplantadas numericamente pelas suas más ideias e pela ausência de poder de síntese de seu realizador. Eu já falei a respeito disso em mais de uma vez...
Entre os acertos daqueles filme, porém, está a apresentação da Mulher-Maravilha de Gal Gadot, que foi uma inesperada (ao menos pra mim) bola dentro de Snyder.
A magricela de carinha bonita da franquia Velozes & Furiosos era provavelmente a última atriz de Hollywood, dentro da etnia e faixa etária, que eu imaginaria no papel da princesa das amazonas, mas ei, se eu já acertei em cima da pinta ao imaginar atores em certos papéis (quando assisti Tudo Pode dar Certo disse que Henry Cavill seria um ótimo Superman, por exemplo...), já errei muito, também, e sempre admiti. E Gadot foi um desses meus erros de julgamento.
Não tanto por sua breve aparição em BvS, mas especialmente por seu filme solo, lançado no ano seguinte. Sob a batuta da diretora Patty Jenkins, Gadot provou ao mundo que ela era provavelmente a escolha mais acertada da Terra para o papel ao mostrar força e ternura em níveis estratosféricos no corretíssimo Mulher-Maravilha que faturou mais de oitocentos milhões de dólares em bilheterias pelo mundo e foi o melhor filme do DCUE lançado até então.
Após três anos e um problemático filme da Liga da Justiça, Diana (mais ou menos) volta aos cinemas em uma nova aventura solo.
Mulher-Maravilha 1984 abre com uma lembrança de Diana em Themiscyra, quando ela aprendeu com Antíope (Robin Wright) e Hipólita (Connie Nielsen) a importância da verdade...
Corta para Washington, 1984.
Diana mora na capital dos EUA onde ajuda a manter a paz na cidade da maneira que pode. Salvar uma vida aqui, impedir um assalto ali... Tudo isso enquanto mantém sua existência em relativo segredo e leva uma vida discreta trabalhando como pesquisadora no Instituto Smithsonian.
A paz de Diana é ameaçada quando, após impedir um assalto a uma joalheria em um shopping, o caminho de Diana se cruza com um antigo artefato de natureza misteriosa que acaba parando na mesa de sua colega, a tímida e retraída mineralogista Dra. Barbara Minerva (Kristen Wigg), atraindo a atenção do empresário Maxwell Lord (Pedro Pascal).
E antes que Diana possa investigar a fundo o que está acontecendo, ela é surpreendida quando inexplicavelmente Steve Trevor (Chris Pine) ressurge em seu caminho, dando o pontapé inicial para uma série de eventos cataclísmicos que ameaçam o mundo inteiro...
Mulher-Maravilha 1984 é um filme bastante irregular.
Uma coisa que já deveria ter ficado clara para os cineastas e roteiristas de Hollywood é que filmes de super-herói com múltiplos antagonistas geralmente não funcionam porque nas duas horas que normalmente compõe um longa-metragem é muito difícil apresentar e desenvolver os personagens de forma que a audiência se interesse por todos da mesma forma. Na melhor das hipóteses um deles inevitavelmente irá ser escanteado pela narrativa e se tornará um pastiche ou um acessório. Na pior, serão os dois.
O roteiro do novo Mulher-Maravilha acaba fazendo as duas coisas em algum momento. Durante seu primeiro ato, o relegado é Lord, que mesmo com o carisma de Pascal não consegue convencer como uma ameaça real em nenhum momento, na verdade, o personagem parece muito menos um vilão e mais uma vítima da própria ambição. Durante o terceiro ato, é Barbara quem fica em segundo plano, o que é uma pena pois a personagem tinha um arco que, se está longe de ser particularmente original, funcionava muito bem na proposta do filme, e Wigg surpreende pelo compromisso.
Outra coisa que não chega a convencer em MM84 é a ambientação oitentista.
Essa tendência entre alguns filmes de quadrinhos, de revisitar décadas passadas apenas por injustificada nostalgia já estava cansando durante a série X-Men. Por mais que haja uma mensagem sobre consumismo exacerbado no longa, algo que a cultura norte-americana abraçou com todo o gás nos anos de Reagan na Casa Branca, não é como se nossos anos 2010 não padecessem do mesmo mal a ponto de a mensagem não poder ser entregue em um filme contemporâneo.
Se por um lado, eu gosto do fato de o longa dar uma piscada aos fãs de quadrinhos ao colocar Diana em Washington na década de 1980 (algo que George Pérez fez quando recontou a origem da personagem após a Crise nas Infinitas Terras), por outro a ambientação é puro confete sem propósito...
Uma outra decisão discutível é a forma como o longa aborda a relação entre Diana e Steve Trevor redivivo.
A química do casal continua firme, mas a presença do piloto de volta à vida de Diana após quase setenta anos é espremida entre corre-corre, falatório expositivo e sequências de ação de uma maneira que rouba a reunião de significado. Ainda assim, eu gosto do fato de que Patty Jenkins respeita o personagem o suficiente para que, mesmo sendo arrastado por Diana de um lado pro outro, ele jamais se torne um palerma como aconteceu com Finn nos Star Wars da Disney ou com todo mundo que contracena com a Capitã Marvel...
Ainda assim, faltou inspiração ao roteiro (de Jenkins, Geoff Johns e Dave Callaham) para aproveitar melhor o tempo do casal juntos, ou explorar o efeito que os anos 1980 teriam sobre um homem que nasceu no Século XIX além de gags visuais.
No tocante às sequências de ação o longa novamente fica devendo. O assalto ao shopping é algo cartunesco, quase como a sequência de abertura de Superman III, enquanto a luta entre a Mulher-Maravilha e a Mulher-Leopardo do fim do filme é extremamente mal coreografada e aborrecida. A sequência com os veículos de combate no Cairo, porém, é bem intencionada, provavelmente a melhor do filme.
Em termos de efeitos visuais o longa não compromete, mas também não traz nada de novo além das sequências de voo (eu gosto de como Diana aprende a voar praticamente usando o método de Arthur Dent nos livros d'O Guia do Mochileiro das Galáxias), que são boas, mas desnecessárias.
O elenco faz o melhor que pode com o material, e MM84 além de estar longe de ser um primor de script, se espicha além do necessário com quase duas horas e meia de projeção, mas nada que fira a dignidade dos envolvidos.
A exemplo do que ocorreu com o longa onde a amazona debutou em 2016, Mulher-Maravilha 1984 tem acertos e erros em profusão e por vezes as boas ideias são suplantadas tanto pelas ideias ruins, quanto por uma execução desastrada.
Há um belo recado no cerne de MM84, porém. A respeito da importância de se trabalhar duro para conseguir o que se deseja, de aceitar que tudo na vida tem um preço e que há coisas que estão simplesmente fora do nosso alcance, e que tudo bem. Não é o fim do mundo...
Isso é uma das coisas que os erros de Jenkins e companhia não conseguiram roubar da Mulher-Maravilha: Ela é um símbolo de esperança, mas também de compreensão e de bons sentimentos, e apesar das lambanças na execução, o filme entrega essa mensagem, mesmo que de forma algo atabalhoada.
Em suma: Mulher-Maravilha 1984 não é um desastre total, mas está longe de ser a maravilha que a personagem merecia, ainda assim, com o ano que temos tido, eu teria assistido ao longa nos cinemas sem grandes arrependimentos.
"Nada de bom nasce de mentiras. E grandeza não é o que você imagina."
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