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quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Resenha Filme: Era Uma Vez um Sonho

 


Já faz algum tempo que eu vi no YouTube o trailer de Era Uma Vez um Sonho e, após ver os nomes de Ron Howard, Amy Adams e Glenn Close, pensei "Hm, acho que vou ver esse filme.", e então o esqueci completamente. Até ontem à noite, quando resolvi dar uma espiada na Netflix para ver se O Céu da Meia-Noite já tinha estreado no serviço e, ao constatar que ainda não, dei de cara com o longa e resolvi remediar meu esquecimento.
Era Uma Vez um Sonho abre em 1997 com a narração de J. D. Vance (interpretado na infância por Owen Asztalos, e adulto por Gabriel Basso) que nos conta como sua família vem de uma cidadezinha nas montanhas ao norte do Kentucky onde as pessoas mantém carros destruídos nos quintais e há tartarugas atravessando as estradas, mas ele cresceu em Ohio, para onde sua avó fugiu grávida aos treze anos de idade.
J. D. é um bom rapaz. Ele deu duro na escola, trabalhou desde a adolescência, serviu no exército, se formou na faculdade do estado e conseguiu cursar direito na prestigiada universidade de Yale onde se desdobra em três empregos tentando pagar pelo curso, mas ainda assim vê seu próximo semestre comprometido a menos que ele consiga um dos prestigiados estágios de verão aos quais os alunos da universidade têm a chance de se candidatar.
Além de uma porta de entrada para o mundo corporativo, tais estágios garantem um generoso pagamento que pode resolver o problema de J. D. pelo semestre. É durante um jantar de Yale onde tem a chance de conhecer os figurões das grandes firmas de advocacia dos EUA que J. D. recebe uma ligação de sua irmã Lindsey (Haley Bennett), que o informa que sua mãe, Beverly (Amy Adams) está hospitalizada após uma overdose de heroína, e pede que ele volte para casa para ajudá-la a resolver a situação.
Enquanto encara a viagem de volta a Ohio, J. D. relembra seu passado, a constante luta de sua mãe com o vício, as maneiras como sua avó (Glenn Close) o salvou diversas vezes durante a infância e a adolescência, e todas as decisões que o levaram até onde ele chegou, e as decisões que ele deverá tomar se quiser ter uma chance de uma vida melhor.
Há um bocado de coisas que Era Uma Vez um Sonho faz certo nessa adaptação do livro do verdadeiro J. D. Vance, e outras tantas que o longa faz errado.
O principal acerto do filme provavelmente é a escalação de seu elenco, e o trabalho que dito elenco realiza.
Se os atores que interpretam as duas versões de J. D. são bastante insonsos, isso parece mais uma decisão do script do que um problema com o trabalho dos intérpretes. É improvável que um sujeito menos reativo do que o J. D. do filme fosse capaz de escapar da vida dos Vance da maneira como ele faz. Se J. D. é todo reação, as verdadeiras catalisadoras do longa são Amy Adams e especialmente Glenn Close, que estão ótimas. Adams pode ser criticada pelo excessivo histrionismo de Beverly mas quem conhece algum dependente químico sabe que não são pessoas lembradas por sua sutileza. Close, por sua vez, quase some embaixo da peruca enroladinha, dos óculos gigantes e da maquiagem grosseira de Mamaw e do cigarro perenemente entre seus dedos no que parece uma caricatura até vermos imagens da verdadeira Mamaw nos créditos do filme. Mais do que a caracterização, porém, é a atuação de Close que enche essa velha durona que cospe palavrões em profusão e ainda assim compadecida e terna à seu modo, de notas que alguns de nós serão capazes de reconhecer de nossas próprias avós.
Infelizmente, as atuações de Close e Adams não são o suficiente para livrar Era Uma Vez um Sonho de uma cara danada de novelão caça-prêmios.
Ron Howard não é estranho a esse tipo de filme (eu me lembro bem de A Luta pela Esperança...), que pode ressoar com determinadas faixas da audiência por suas situações, mas jamais se livra da sombra da pieguice pela forma como é apresentado ao público.
Sendo eu mesmo filho de uma família de brancos pobres que lidaram ou lidam com vícios em seu seio, não faltaram momentos em que as situações retratadas na tela me tocaram, e ainda assim, eu jamais senti aquela rasteira emocional que os grandes filmes são capazes de oferecer.
Isso provavelmente ocorre porque Howard e a roteirista Vanessa Taylor têm tanta preocupação em não ofender o tipo de pessoa que o longa retrata (aparentemente sem sucesso, já que quando fui procurar por uma foto do longa para ilustrar essa postagem, encontrei mais de um site da região dos apalaches pedindo o boicote do filme...) que se furtam da possibilidade de abraçar o absurdo de determinadas situações com uma dose de humor negro, ou de ir um pouco além em como os ciclos de pobreza e más decisões afetam as vidas das pessoas que se veem enroladas neles.
A despeito da maneira como o longa acertadamente mostra que as defesas que permitem a uma pessoa sobreviver a um ambiente familiar destrutivo podem ser as mesmas que as prendem a tais situações, falta coragem aos realizadores para oferecer uma abordagem mais valente aos temas que o longa retrata.
Era Uma Vez um Sonho poderia ser um grande filme, mas da forma como é entregue, é um filme medíocre com acertos eventuais.
O longa está disponível na Netflix.

"Qualquer vida melhor que meus avós estivessem perseguindo pela Rota 23, eles nunca encontraram..."

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