Vez e outra eu sou lembrado do quanto sou relapso com a minha observação dos catálogos de longas originais da Netflix e especialmente do Prime Video. Eu, por exemplo, sequer sabia da existência de O Som do Silêncio.
É bem provável que se eu tivesse topado com o longa na tela do Amazon Prime Video, eu tivesse parado para assistir, fosse pela cara de coitado de Riz Ahmed, que vem se provando um ator acima da média já faz alguns anos, fosse pelo nome de Darius Marder, responsável pelo script do belo O Lugar onde Tudo Termina fazendo seu debute como diretor de longas-metragens de ficção (ele tem um crédito prévio pelo documentário Loot).
Em O Som do Silêncio nós conhecemos Ruben Stone (Ahmed), um baterista de heavy metal alternativo que se apresenta na companhia de sua namorada, a cantora Lou (Olivia Cooke). Ruben e Lou levam uma vida algo cigana a bordo de um bem-equipado trailer viajando pelos Estados Unidos de show em show.
A existência de Ruben dá uma guinada quando ele acorda uma manhã e percebe que sua audição praticamente desapareceu. Não ouve zumbido nem uma perda gradual. Um dia Ruben acorda quase que completamente surdo. Ele se consulta com um médico que lhe dá a notícia de que ele perdeu quase oitenta por cento da audição em ambos os ouvidos, e pior: Que seu quadro, seja causado pela exposição aos altíssimos decibéis de seu instrumento ao longo dos anos, seja resultado de uma doença autoimune, não deve melhorar.
Inicialmente Ruben age como se isso não fosse um problema. É um período de negação onde ele se recusa a aceitar tanto a gravidade quanto a natureza definitiva de sua situação. Ele acredita que pode gerenciar o problema. Que pode tocar sem ouvir o som que produz. Que pode fazer uma cirurgia e voltar a ouvir... Mas Lou sabe que o problema é ainda mais grave.
Ruben é um viciado em recuperação. Ele está afastado das drogas há quatro anos, mas ter seu tapete puxado de sob seus pés dessa maneira, é o tipo de situação que pode empurrar uma pessoa de volta ao precipício. É quando surge a oportunidade de Ruben se instalar em uma instalação conduzida por Joe (Paul Raci), um alcoólatra que perdeu a audição no Vietnã e tem um programa para ajudar pessoas surdas. Lá, Ruben não irá ser curado de sua perda de audição, ele irá aprender a conviver com ela.
Mas qual é o impacto que se tornar um especialista em algo apenas para ter isso arrancado de si causa na vida de uma pessoa? Como é que alguém pode reaprender a andar com as próprias pernas novamente quando tem a sua melhor muleta roubada?
É essa pergunta que Ruben precisa responder enquanto tenta se adaptar à sua nova realidade.
O Som do Silêncio é um filme soberbo.
É focado, sensível, paciente, e vai direto ao ponto sem jamais correr ou sequer apertar o passo. Não há supérfluos em seus cento e cinquenta e cinco minutos de projeção que jamais se rebaixam às saídas e lágrimas fáceis frequentemente escolhidas por longas-metragens a respeito de eventos que mudam a vida de seus personagens.
Muito desse mérito recai sobre Riz Ahmed. O ator cria Ruben como um modelo de contenção, sempre escolhendo as reações mais sutis e mais suaves, o que ao mesmo tempo mantém O Som do Silêncio longe do melodrama barato, mas também torna Ruben mais crível e genuíno. Ahmed e Marder não apenas escolhem o silêncio, mas se refestelam nele garantindo que os olhos e expressão corporal de Ruben digam tudo o que a audiência precisa saber.
O silêncio, por sinal, é frequentemente utilizado pelo design de som do filme para mostrar de maneira quase opressiva o que o protagonista está experimentando. Há sequências que nós vemos em completo silêncio, e outras que nos são mostradas com sons abafados e indiscerníveis.
Ainda assim, O Som do Silêncio é tanto um drama sobre surdez quanto um drama sobre vícios. Sobre como é difícil se livrar de distrações e da tentação de não abrir mão daquilo que queremos, da forma como queremos, e do preço que podemos pagar por esses desejos.
É um filme sobre a importância de encontrar sentido em meio ao caos, esperança em meio ao desespero e paz, não em outros, mas em nós mesmos.
Darius Marder e seus co-roteiristas Abraham Marder e Derek Cianfrance encontram o tom perfeito para contar essa história, e a depositam nos capazes ombros de Riz Ahmed, que faz todas as escolhas certas em sua atuação, e torna a experiência de perder a audição relacionável de uma maneira comovente e inspiradora.
Assista.
O longa está disponível no Prime Video.
"Ruben, como você sabe, todo mundo aqui compartilha a crença de que ser surdo não é uma deficiência. Não é uma coisa pra consertar. É muito importante por aqui. Todas essas crianças... Todos nós, precisamos nos lembrar disso todos os dias."
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