Hoje o ano de 2020 vai nos deixar, e, se alguém quiser saber, já vai tarde. Com as centenas de milhares de mortos, o colapso do sistema capitalista, e o holofote jogado sobre a falta de preparo dos governantes e a ignorância completa do povo parece leviandade reclamar dos cinemas fechados e dos lançamentos adiados, então eu não farei isso.
Apenas irei dizer que 2020 foi um ano atípico também nos cinemas, e que eu nem sempre encontrei ânimo para assistir filmes horrorosos apenas para poder rir deles na hora de escrever essa lista. Com a quantidade limitada de longas sendo lançados esse ano, fosse em salas de exibição, streaming ou aluguel digital, para chegar aos dez da lista de piores, tive que usar critérios diferentes do habitual que colocaram aqui filmes que, em um ano normal, provavelmente teriam escapado, mas essa é minha lista, e eu assino embaixo.
À ela:
10 - Tenet
Até mesmo os melhores diretores de cinema erram a mão quando o conceito se sobrepõe à história. Isso fica dolorosamente claro em Tenet, longa metragem de mais de duzentos milhões de dólares que naufragou nas bilheterias mesmo com a assinatura do deus dos nerds Christopher Nolan, que se apaixonou pela ideia do fluxo invertido do tempo e fez dela a protagonista de um filme que é tão tecnicamente brilhante quanto emocionalmente vazio.
Se não há nada na tela com que a audiência possa estabelecer algum tipo de conexão, nem todas as sequências de ação visualmente geniais do mundo fazem com que o filme funcione. Sem a presença de um Robert Angier, um Bruce Wayne ou um Dom Cobb, Tenet é apenas uma sucessão de diálogos expositivos seguidos de grandes cenas de ação que é tão bonito de olhar quanto estéril.
9 - O Homem Invisível
Enquanto os grandes estúdios de Hollywood se acotovelam pela chance de conseguir sua própria franquia multibilionária de super-heróis, a Blumhouse mostra que se pode fazer muito dinheiro investindo muito pouco (ao menos para os padrões de Hollywood).
Foi esse cartão de visitas que fez a Universal ceder uma de suas propriedades intelectuais mais longevas, para que Jason Blum o tornasse uma dessas máquinas de fazer muito com pouco, e o resultado foi esse O Homem Invisível de Leigh Whannell que transformou o cientista louco no marido abusivo de Cecilia Kass.
Se há alguma decisão correta em O Homem Invisível, é ancorar o filme nas costas de Elisabeth Moss, que tem talento se sobra para vender a imagem de mulher assombrada pelo abuso, infelizmente essa é provavelmente a única boa decisão do longa que é corrido, previsível, inconsistente e descartável...
8 - Era Uma Vez um Sonho
Ron Howard é um cineasta que já deixou sua marca em Hollywood. O homem fez filmes como Apollo XIII, Uma Mente Brilhante, Rush, Frost/Nixon... Ninguém coloca em dúvida a extensão de seu talento como diretor. O que também não deve ser posto em dúvida é que volta e meia ele entra numas e faz uns dramalhões com descarada tendência papa-prêmios que geralmente saem pela culatra.
É o caso desse Era Uma Vez um Sonho, onde nem o trabalho de duas atrizes de grosso calibre é o suficiente para salvar o longa de soar pretensioso e moralista com sua história a respeito de um jovem tentando fugir da areia movediça que é a pobreza do lado mais caipira e branco dos Estados Unidos. Apesar de boas atuações e algumas boas ideias, o longa não consegue evitar de se tornar um novelão de duas horas...
7 - Convenção das Bruxas
Robert Zemeckis já foi uma das grandes promessas do cinemão norte-americano quando surgiu para o grande público com De Volta para o Futuro. Ele alcançaria altíssimos níveis de prestígio com longas como Contato, Náufrago e Forrest Gump e depois se apaixonaria pela ideia de fazer filmes com captura de performance e entraria em um tipo de purgatório criativo de onde tira a cabeça vez por outra.
O desnecessário remake de Convenção das Bruxas não é uma dessas saídas de Zemeckis do purgatório. O longa é infantil demais, alcança seu ápice no começo do segundo ato e se torna tão tedioso e excessivo daí em diante que parece que o diretor estava interessado demais em garantir a qualidade técnica do longa para se preocupar com roteiro ou direção do elenco.
6 - Mulan
A versão em live action de Mulan é mais um exemplo da dificuldade que alguns estúdios têm de entender que força e infalibilidade não são a mesma coisa.
Na tentativa de criar uma "personagem feminina forte" como protagonista, o longa dirigido por Niki Caro rouba de Mulan a tenacidade, engenhosidade e até o livre-arbítrio que a versão animada transbordava. Aqui, Mulan deixa de ser uma jovem que se recusa a ser derrubada e que procura formas de contornar suas óbvias desvantagens físicas para se encaixar no exército imperial chinês para se tornar uma lutadora de kung-fu mágica que chuta lanças e é mais forte e hábil que todo mundo porque nasceu com um chi maior que o dos outros.
O resultado é uma Mary Sue das mais murrinhas em um filme que é tão visualmente belo quanto pobre em sua mensagem de que, pra vencer em qualquer campo, basta nascer especial.
5 - Bad Boys Para Sempre
Olha as caras de Marcus e Mike nessa foto. É mais ou menos a mesma expressão que eu tinha no rosto quando Bad Boys Para Sempre acabou.
O mais novo filme da franquia Bad Boys iniciada no distante ano de 1995 envelheceu como Martin Lawrence, e está tão inchada e sem graça quanto. O longa, apenas produzido por Michael Bay, que deixou a cadeira de diretor para Adil El Arbi e Bilall Fallah, é um amontoado de clichês de gênero temperado com um drama que não se sustenta e uma temática de confronto de gerações que causa bocejos resultando num produto tão barulhento quanto descartável e a recorrente promessa de "uma última vez" que é desmentida ainda no meio dos créditos quando o longa acena com a possibilidade de mais uma sequência se ainda houver alguém disposto a pagar pra assistir a porcaria...
4 - Bloodshot
Eu não faço ideia de como seja Bloodshot enquanto quadrinho. O longa metragem é baseado numa série de gibis publicada nos EUA pela Valiant Comics e seria a pedra fundamental de um Universo Cinemático Valiant, a ser realizado e conduzido pela Sony na esteira do sucesso do longa.
Mas Bloodshot não fez sucesso. Difícil dizer se pela chegada da pandemia do Covid-19 ou se porque o filme é horroroso. Na trama, um soldado fodão vivido por Diesel é morto por um terrorista junto com sua esposa, e então trazido de volta à vida por um cientista que passa a usá-lo como uma arma após injetar nano-robôs em seu sangue e torná-lo super-humano.
O filme flutua entre fita de ação e de ficção científica sem convencer em nenhum dos frontes, tem atuações canhestras, efeitos visuais meia-boca e um roteiro que mira RoboCop mas acerta no RoboCop de 2014 provavelmente sepultando a franquia sonhada pela Sony.
3 - The Tax Collector
David Ayer só sabe fazer um filme.
Ei, se o cara pode fazer sempre a mesma coisa quando dirige um longa de milhões de dólares eu posso dizer sempre a mesma coisa quando avalio o trabalho dele.
Em Tax Collector o cineasta alcança um novo ponto baixo em sua relativamente bem-sucedida carreira ao não conseguir entregar nem mesmo as coisas que costumavam funcionar em seus outros filmes, como boas sequências de ação e de tensão.
Mal ajambrado, pobremente escrito e com uma estrutura modorrenta, The Tax Collector é um filme óbvio erigido sobre estereótipos e violência sem substância que provavelmente tem como única qualidade ser relativamente curto.
2 - Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa
Aves de Rapina era uma das galinhas dos ovos de ouro da Warner após o sucesso de bilheteria de Esquadrão Suicida e de Margot Robbie ter se tornado a queridinha de Hollywood por sua acertada atuação como a sidekick do Coringa no longa de 2016. Infelizmente, entre idas e vindas do projeto que foi de um longa estilo Bonnie & Clyde com o casal de palhaços a um longa sobre um grupo de mulheres enfrentando o vilão Máscara Negra na Gotham City mais misógina já imaginada por alguém, o filme se perdeu.
Desejando ardentemente ser o Deadpool da DC, Aves de Rapina entrega um filme que não tem grandes cenas de ação, não é engraçado, e nem fiel aos quadrinhos, morno e aborrecido, o longa de Cathy Yan consegue a proeza de ser pior que o Esquadrão Suicida de David Ayer, e isso, meus amigos, é proeza pra ninguém botar defeito.
1 - Artemis Fowl
Eu confesso que, quando Artemis Fowl foi lançado, eu fiquei me perguntando porque a base de fãs da série literária havia ficado tão ofendida com o filme dirigido por Kenneth Branagh. Mas isso foi apenas até ver o filme e ficar ofendido não apenas como amante de cinema, mas também como ser humano com um cérebro funcional.
A tentativa da Disney de ter seu próprio Harry Potter, uma franquia baseada em livro infanto-juvenis com a qual uma base inteira de fãs pudesse crescer e amadurecer enchendo os cofres do Mickey de bilhões é tão malograda que é difícil saber quais defeitos apontar primeiro.
Com um protagonista desprovido de qualquer carisma, uma mitologia sem sentido e bagunçada e uma trama incoerente e vazia, Artemis Fowl foi a sessão de cinema (em casa) mais excruciante de 2020, e ganha o topo do pódio e o título de pior dos piores.
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