Quando eu tinha uns nove ou dez anos de idade, minha avó e eu assistimos Convenção das Bruxas. Eu tenho quase certeza de que foi uma ideia dela, e não minha. Eu estava em uma fase de horror slasher que se estendia desde os meus oito anos, e embora não soubesse, então, quem era Roald Dahl, eu sabia, pelos trailers que passavam nos intervalos da programação infantil do SBT, que aquele filme era "pra criança". Nada que se encaixasse nas minhas sanguinolentas preferências quando se tratava de horror. E certamente não se encaixou nas preferências da minha avó, também, já que a dona Tereza, que dormia com as galinhas, se recolheu em meio ao filme e me deixou sozinho na sala para terminar de assistir.
O Convenção das Bruxas de 1990 realmente não me deixou marcas além da ótima maquiagem usada por Angelica Houston, de modo que eu não estava ligando para essa nova adaptação lançada nos cinemas daqui em fins de outubro e, desde então, disponível no serviço de streaming da HBO MAX.
Mas ontem fui atacado pela vontade de assistir um filme. A escolha óbvia era Mulher-Maravilha 1984, entretanto, com o recrudescimento da taxa de infecção da pandemia em Porto Alegre tendo fechado os cinemas daqui novamente, a minha ideia foi pelo ralo, e, vasculhando os filmes recentes disponíveis no catálogo de streamings, me deparei com o longa de Robert Zemeckis ao qual, sendo fã de Octavia Spencer e de Anne Hathaway, resolvi devotar uma hora e quarenta e quatro minutos da minha noite.
Essa nova adaptação do conto de Dahl abre com um narrador (Chris Rock) explicando, durante uma projeção de slides, as particularidades a respeito de bruxas à uma audiência de crianças.
A primeira nota do slide deixa claro: Elas são reais!
Se lobisomens, fantasmas e outras criaturas são todas fantasia e invenção, bruxas são tão verdadeiras quanto pedras no sapato, vivem entre os humanos, e têm como único e exclusivo intento fazer com que crianças sofram.
A despeito das características físicas que as tornam distinguíveis, como o fato de terem garras no lugar de mãos e pés, uma boca anormalmente larga, e ausência de cabelos, as bruxas conseguem passar tranquilamente por mulheres humanas usando luvas, truques de maquiagem e perucas e chapéus, de modo que todo o cuidado é pouco quando se está na mira dessas pérfidas feiticeiras.
Nosso heroico narrador, então começa a contar como foi que, em 1968, logo após perder seus pais em um acidente de carro, e ir morar com sua avó, Agatha (Octavia Spencer) no Alabama, teve seu primeiro contato com as bruxas.
Então com oito anos de idade (e com a cara de Jahzir Bruno), tendo apenas se recuperado do luto pela perda dos pais, ele foi abordado por uma bruxa em um supermercado local. Assustado, ele conta a sua avó a respeito do ocorrido, e, para sua surpresa, ela não desfaz de seu encontro sobrenatural.
Não.
Quando criança, Agatha também viu de perto o que uma bruxa pode fazer ao ter sua melhor amiga tocada pela maldição de uma bruxa. Sabendo da extensão dos poderes e do ódio das bruxas por crianças, Agatha decide pegar seu neto e se refugiar em um refinado hotel na costa onde estarão a salvo.
Ou ao menos é o que eles pensam.
Não tarda para que seu refúgio seja conspurcado quando nosso herói descobre que o hotel em que ele e sua avó estão hospedados está recebendo uma convenção nesse período. E não é uma convenção qualquer, mas sim, um encontro de bruxas encabeçado pela Grande Alta Bruxa do pacto (Anne Hathaway), que anunciará à suas convivas um nefasto plano para acabar com as crianças do mundo de uma vez por todas, a menos que ele e Agatha possam fazer algo para impedir.
Esse novo Convenção das Bruxas não é horrível, mas dado o nível de talento envolvido em todos os níveis, da direção de Zemeckis ao roteiro de Guillermo del Toro e Kenya Barris às atuações de Spencer, Hathaway e Stanley Tucci, é difícil não ter a impressão de que o longa entregou menos do que poderia, mesmo em se reconhecendo que Convenção das Bruxas é um trabalho menor de Dahl (se comparado ao Grinch e à Fantástica Fábrica de Chocolates).
Não que não haja qualidade no longa.
Tecnicamente falando, o filme é um primor, e algumas das sequências, em especial o primeiro encontro do protagonista com a Grande Alta Bruxa, são contadas de maneira que certamente deixarão os pequenos na ponta da cadeira de tensão e os adultos admirados com a qualidade dos efeitos utilizados.
No que tange ao trabalho dramático do elenco, Octavia Spencer está muito bem como a avó durona e cálida, e Hathaway parece se empolgar e entrar em modo berserker toda a vez que está em cena, com direito a um pesado sotaque leste-europeu, gestual exagerado e oscilações no tom de voz. Chamá-la de canastrona seria puro despeito, mas que ela exagera na teatralidade, não tenha dúvida.
O elenco infantil, que além de Jahzir Bruno conta com Codie-Lei Eastick é OK, enquanto Stanley Tucci e Kristin Chenoweth estão corretos em seus respectivos papéis.
Então por que o longa foi algo detonado pelo público e a crítica?
Bem, deixando de lado a estupidez de o filme ser "insensível com pessoas que têm má-formação de mãos e pés", uma bobagem tão descabida que eu me recuso a levar em conta, acredito que o problema do novo Convenção das Bruxas é ser um filme para um nicho extremamente específico. Se tu tiver passado um ano da faixa-etária certa, ele deixa de ser um grande programa e se torna quase uma curiosidade (como foi pra mim.).
O tempo em que filmes infantis podiam se dar ao luxo de ser apenas para crianças morreu com o advento da Pixar, que deixa claro lançamento após lançamento, que um longa pode ter conteúdo para todos os membros da família independente de idade. Convenção das Bruxas falha nesse sentido. É um bom programa pra sobrinha de seis anos, mas não pra namorada de 30.
E é uma pena. Mesmo sendo um trabalho menor de Dahl, Convenção das Bruxas poderia se tornar muito mais se recebesse um pouco mais de atenção em certas áreas. Falta construção de mundo ao longa, e nenhuma sequência após a revelação das bruxas consegue ser tão interessante ou bem construída quanto, o que junto com o final vago, torna o longa algo anticlimático...
Da maneira que está, Convenção das Bruxas é um trabalho menor de Zemeckis, del Toro, Hathaway, Spencer e companhia, e um filme que não fica na memória de nenhum membro da audiência que tenha mais de oito anos de idade.
Espere passar na TV.
"-Muito bem. Onde é que nós estávamos? Ah, sim. Isso mesmo. Eu lembrei. Uma nota sobre bruxas. Veja, aqui está o negócio a respeito delas: Elas são REAIS!"
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