Nem preciso dizer que esse foi o ano da minha vida adulta em que eu menos fui ao cinema desde sempre. Com as salas de exibição fechadas desde meados de março e mais ou menos reabertas brevemente em outubro apenas para fechar de novo quando o pessoal achou que a pandemia era coisa do passado e o sistema hospitalar começou a vergar sob o peso da demanda, os estúdios resolveram adiar a imensa maioria de suas grandes produções, ou tentar estratégias alternativas de lançamento que desagradaram um bocado de diretores e fizeram com que nem todos os filmes pudessem ser vistos por toda a audiência ao mesmo tempo.
Não foi nada fácil chegar à lista de preferidos desse ano miserável, mas ei, com um pouco de esforço, serviços de streaming e um VPN razoável, o capita encontrou dez filmes favoritos em 2020.
À lista:
10 - Resgate
Além de ter criado a franquia John Wick, Chad Stahelski tem outro grande mérito: Criar um ambiente propício para coordenadores de dublês assumirem o comando de longas-metragens em Hollywood.
Sam Hargave seguiu os passos de Stahelski e, em parceria com os irmãos Russo e a Netflix lançou em abril desse ano o ótimo Resgate, onde Chris Hemsworth vive o mercenário Tyler Rake tendo que encarar a operação de extração mais violenta de sua vida ao tentar resgatar o filho de um chefão do tráfico de drogas em Bangladesh.
Não se deixe enganar pela trama básica, Resgate é um longa agressivo e direto a respeito das consequências da violência que eleva seu jogo com coreografias de luta espertíssimas, sequências de ação espetaculares e atuações honestas dos protagonistas criando duas das horas mais divertidas que eu passei esse ano.
9 - Problemas Monstruosos
Pra ser cem por cento honesto, eu ainda me flagro surpreso com o quanto Problemas Monstruosos é bom, ou até em dúvida se o filme é realmente tão bom assim, ou se ele é apenas menos ruim do que a premissa sugeria. Mas eu não preciso ir muito além de um breve exame no longa para chegar à conclusão de que ele é bom sim!
A fita sobre um meteoro e resíduos nucleares causando mutações nas formas de vida invertebradas da Terra que foi lançada direto em VoD pela Paramount tem personagens complexos com motivações bem definidas (até o cachorro do filme entra nessa!!!), sequências de ação plenamente justificadas pelo roteiro e laços emocionais se formando entre os personagens diante dos olhos da audiência em uma aula de como é que se narra uma história através de empatia.
O longa de Michael Matthews é terno, divertido, emocionante, e ainda tem Jessica Henwick em cena.
Sério, esse filme não tinha o direito de ser tão bom...
8 - Parasita
Eu assisti Parasita no início do ano, e novamente há algumas semanas, na TV. Minha impressão inicial a respeito do filme não mudou, porém. Eu continuo não achando Parasita essa maravilha toda que falam, e é possível que em um ano mais recheado de grandes lançamentos, ele não tivesse entrado na minha lista de melhores.
Ainda assim, o longa de Bong Joon Ho a respeito da paupérrima família Kim tentando tirar uma casquinha da fortuna dos Park tem suas qualidades (talvez a principal tenha sido fazer Hollywood olhar para o cinema asiático além do dinheiro da China). Há boas ideias no roteiro, uma edição caprichada e um final bastante pujante, e ainda que eu ache que tudo isso só é muito impactante para pessoas que não sabiam da existência de pobreza no mundo, Parasita fez por merecer seu lugar ao sol.
7 - Joias Brutas
O conto moral destruidor de nervos dos irmãos Safdie pode não ser a grande atuação da carreira de Adam Sandler (pra mim segue sendo Embriagado de Amor), mas é uma das mais tensas e competentes sessões de cinema de 2020.
Desde o início do longa, quando conhecemos o negociador de pedras preciosas viciado em apostas Howard Ratner é impossível não ficar na ponta da cadeira roendo as unhas pelos próximos cento e sessenta e tantos minutos.
Toda a atmosfera do filme é opressiva, o perigo das más decisões tomadas pelo protagonista está presente em cada frame, não há um segundo de paz para a audiência porque Ratner não para de fazer merda, e nós somos mesmerizados pela forma natural com a qual esse sujeito destrói cada recôndito de sua própria vida de uma maneira tão completa que mesmo os momentos de catarse não duram mais do que uma fração de segundo.
6 - Adoráveis Mulheres
Muita gente deve ter se perguntado por que Greta Gerwig resolveu fazer a enésima adaptação do livro de Louisa May Alcott sobre a vida e os sonhos das irmãs March ao invés de qualquer outra coisa... Bem, basta assistir ao delicado drama de época da diretora para entender porque.
Nas mãos de Gerwig o filme se torna menos um drama romântico sobre a rivalidade entre irmãs que se amam mas competem entre si para se tornar um conto a respeito do que felicidade significa para cada pessoa, e de como devemos ser capazes de entender o que a busca por essa felicidade significa para aqueles que amamos.
Sem jamais colocar a sua mensagem na frente da história que narra e contando com o trabalho de primeira de um elencaço na ponta dos cascos, Greta Gerwig entregou uma das mais delicadas e aprazíveis sessões de cinema de 2020, e deixou tremendamente claro que o sucesso de Lady Bird não foi acidental.
5 - Soul
Após passar algum tempo fazendo sequências de seus longas mais bem-sucedidos, a Pixar voltou aos originais em 2020, primeiro com o bom Dois Irmãos: Uma Aventura Fantástica e depois com esse excepcional Soul, a animação que ousa embrulhar perguntas profundas como qual é o sentido da vida e como alimentamos nossa alma em uma aventura divertida para toda a família que, bem à moda da Pixar, contrabandeia lágrimas e questionamentos profundos como o fato de que mesmo a falta de objetividade da existência pode abarcar felicidade, e que a vida, por mais caótica e dolorosa que possa ser ás vezes, é, assim como a morte, uma parte da jornada pela qual todos nós devemos passar...
Trabalho de gênio do co-diretor Pete Docter que vai se juntar aos clássicos fundamentais do estúdio de animação.
4 - Mank
A obra prima em perolado preto e branco engendrada por David Fincher a partir de um roteiro escrito por seu falecido pai é um conto a respeito do preço da criatividade em Hollywood e de como um estranho no ninho precisa lutar para encontrar seu espaço entre pessoas que não o consideram um par que é cozido em fogo baixo sem jamais se apressar ou se desculpar por suas posições.
Ancorado no talento de um esculhambado Gary Oldman, Mank usa o período em que Herman Mankiewicz ficou confinado em um rancho escrevendo o roteiro de Cidadão Kane e pensando nas decisões que o levaram até ali para lançar uma luz, ainda que parcialmente ficcional, sobre os bastidores do poder político e financeiro na Hollywood da era de ouro e a confecção de um dos maiores clássicos do cinema em todos os tempos.
3 - O Som do Silêncio
O longa a respeito de um baterista de punk metal que perde a audição do dia para a noite, nas mãos erradas, ou com um elenco menos competente, poderia ser um dramalhão difícil de assistir.
Sob a batuta de Darius Marder e estrelado por um Riz Ahmed no auge da forma, porém, o longa se torna uma história tão elegante quanto emocionante a respeito de deficiência, vícios e sobrevivência. Um longa simultaneamente agressivo e contido sobre encontrar o seu lugar no mundo após perder algo que amava, que coloca a audiência nos sapatos do protagonista através do uso soberbo do design de som, e mostra a todo mundo que ator Riz Ahmed é capaz de ser.
Uma pérola tardia no catálogo de dezembro da Amazon Prime.
2 - Jojo Rabbit
É provável que nenhum outro diretor além de Taika Waititi fosse capaz de imaginar uma comédia dramática sobre amadurecimento estrelada por uma criança que tem Adolf Hitler como amigo imaginário, mas que bom que ele o fez.
Desde os créditos de abertura Waititi deixa claro que Jojo Rabbit é um filme estranho, mas durante sua metragem de pouco menos de duas horas ele toca a audiência das maneiras mais belas ao narrar uma história sobre como a empatia é o estado natural das pessoas, e sobre como a bondade e o amor ao próximo podem perseverar mesmo em meio aos momentos mais sombrios da humanidade.
Sendo capaz de arrancar gargalhadas e lágrimas da audiência em igual medida, Jojo Rabitt é o filme perfeito para se assistir nos estertores de um ano infernal como 2020.
1 - 1917
Sam Mendes fica com o primeiro lugar da lista em 2020 graças a 1917. O longa que o diretor concebeu como forma de homenagear os feitos do avô, veterano da "guerra para acabar com todas as guerras" é a proverbial obra prima da carreira de um diretor repleto de realizações sensacionais no currículo.
Mostrando a corrida desesperada dos soldados Schofield (George McKay) e Blake (Dean Charles Chapman) para impedir que um batalhão caia em uma armadilha dezessete quilômetros nas entranhas do território ocupado pelo exército alemão, 1917 mostra a guerra como o verdadeiro vilão do filme sem jamais desviar os olhos da bondade que se nega a ser varrida pela brutalidade do conflito.
Tecnicamente soberbo, com atuações excepcionais e uma direção de mestre de Mendes, 1917 foi a mais sensacional sessão de cinema da qual eu desfrutei esse ano, e fica com a medalha de ouro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário