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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O segredo da felicidade


-Arthur -Ela começou. Dizia Arthur com um sotaque britânico tão forçado e tão pesado que parecia uma nativa de Manchester que vivera, sei lá, no Azerbaijão. Saía algo como Ah-ssuãh. No início ele achava engraçado, agora não achava mais. Ele, ás vezes, ficava tão bravo com ela, que fingia não ter ouvido o que ela dissera, só pra poder ignorá-la um pouco mais. Não era, entretanto, e regra. Pelo menos, não fora desde sempre. Eram apenas píncaros de brabeza de casal. Perfeitamente natural, ele supunha. Pelo menos até se tornar excessivamente recorrente, como nessas ocasiões em que ela escolhia o lugar onde iam, e o arrastava pra um bar lotado, quente, e repleto de gente que ele não conhecia, e, pior, nem queria conhecer.
Ela repetiu:
-Ah-ssuãh?
Ele permaneceu fingindo não ter ouvido, ou achando que não era com ele. Ela insistiu novamente:
-Ah-ssuãh?
Ele não aguentaria por muito mais tempo, pois, quando ele a ignorava, ela começava a fazer uma voz mais e mais esganiçada para atrair-lhe a atenção, o que o deixava agoniado e parecia fazer o seu calor aumentar:
-Quié?
-Ah-ssuãh, eu descobri o segredo da felicidade, my dear...
Quando ela começava a ficar "alegrinha" desatava a falar em inglês. Outra coisa que, no princípio, ele achava bonitinha, e que agora, o irritava.
-Ah, é? -Ele respondeu como quem não quer saber, enquanto se abanava.
-Yeah, darling - O sotaque britânico ia se tornando mais e mais pesado. O "Darling" saiu "dãhlen". -O segredo da felicidade é... Chega aqui pertinho pra eu sussurrar, por que é segredo...
Ela se debruçou por cima da mesa, derrubando um copo que se espatifou no chão. Ninguém percebeu, o bar estava cheio, e havia muita gente falando alto ao redor da mesa. Ela riu, riu bastante, pra dentro, como se estivesse fazendo força pra não rir. Pra ele pareceu a risada do Muttley. O cachorro do Dick Vigarista. Ela continuou se espichando, braços estendidos, por sobre a mesa para alcançá-lo:
-Here, my love - O sotaque subitamente se tornou irlandês. Com um erre bastante pronunciado em "here" e o "my" soando como "mi". -Eu vou te contar um "seacrest".
"Seacrest". Ela definitivamente bebera demais. Ele embrabeceu de vez.
-Tá, parou. Te endireita, aí.
Ela não lhe deu ouvidos, alcançou-o, agarrando-o firmemente pelo pescoço e queixo:
-José Cuervo, lovely lad. O segredo da felicidade é Jose Cuervo Special Gold...
Ela sussurrou isso quase lambendo seu ouvido. Outra coisa que, subitamente passara a incomodá-lo. Como ela ficava sexualmente agressiva quando bebia.
-Tá, tá bem, chega.
Ela não parou. Lambeu atrás da orelha dele. Ele suava, tentou afastá-la, mas ela lutou, ainda o segurando, disse:
-Aqui tem sal, cadê o limão?
Ele a segurou firmemente pelos pulsos delicados e a conduziu com decisão de volta à cadeira. Ela sentou, parou de rir e ficou séria, olhando pro próprio colo.
"Ela vai chorar... Puta-merda, ela vai chorar." pensou Arthur, arrependido da própria truculência e antevendo uma cena. Mas a cena não se consumou. Ela ergueu os olhos e apanhou o copo que estava do lado de sua bolsa. "Bolsa em cima da mesa.", Arthur pensou enquanto ela apanhava o copo. "Tá pedindo pra ser roubada. Não adianta falar.". Suspirou um ruído qualquer.
-Vamo embora? -Perguntou olhando o relógio e erguendo as sobrancelhas fingindo alarme com a hora.
Ela segurava o copo e o mirava com os olhos semi cerrados.
-Sabe qual é o teu problema, Ah-ssuãh?
-Ah, meu Deus...
-Tu é um reprimido, honey.
-Arram.
-E me odeia por que eu sou free.
-Nesse momento eu provavelmente te odeio um pouquinho, sim...
-Não é minha culpa, my love, se tu não sabe viver... Eu sei. Mas ó... Ainda assim, sendo um velho ranzinza preso no corpo de um jovem, eu te amo, viu?
-Tá bem.
Ela meio que tinha razão. Ela de fato, sabia viver. Não o tipo de vida que ele apreciava, mas, que diabos, quem era ele pra dizer como os outros deviam viver? Ele com seus gibis, livros, filmes, video games e colecionáveis Marvel e Star Wars? O que ele sabia de viver? Talvez ela estivesse certa. Talvez ele a odiasse por que ela sabia viver e ele, não. Pelo menos algumas vezes. Na maior parte do tempo, porém, ele a amava por saber viver. Por ser o que ele não sabia ser. Por complementá-lo. Se o preço era, vez por outra, fazer papel de velho ranzinza. Ele aceitava.
-Não me odeie, Ah-ssuãh. Don't hate me...
-Tô me esforçando, mas de vez em quando é complicado, viu...?
-Hã?
-Nada. Termina tua tequila e vamo embora. Tô com sono.
Ela lhe mandou um beijo estalado do outro lado da mesa. Ele fez um"tsc" estalando a língua no céu da boca. Mas, por dentro sorriu.

3 comentários:

  1. iaushdiuashdiaushdiaushd "seacrest" aishdiahsd... a d o r e i i i i ! eu pude visualizar essa cena. toda ela, iusahdiuahsdiu
    bem bom o texto.

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  2. ''Ele com seus gibis, livros, filmes, video games e colecionáveis Marvel e Star Wars? O que ele sabia de viver?'' hahaha puxa, obrigado pela parte que me toca! E eu aqui pensando que tudo que eu sabia sobre a vida era graças aos meus livros,gibis,filmes e colecionáveis !

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  3. Olha, Laís, se serve de consolo, somos dois.
    Eu não troco o que Obi-Wan Kenobi, Peter Parker, Verbal Kint e Bruce Wayne me ensinaram por nenhuma mesa de bar, eheheheheheheheheh.

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