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sábado, 22 de janeiro de 2011

Tatuagem


O Sandro entrou no estúdio de tatuagem carregando uma pasta de plástico canaletada daquelas que a gente usa quando tem preguiça ou pouca grana pra encadernar alguma coisa. Ele olhou em volta por um breve instante, os pôsteres de pessoas com imensas tatuagens ao estilo Yakuza, piercings, modificações corporais, viu um espelho grande na parede ao seu lado, e percebeu como estava deslocado, ali. Calça jeans, tênis branco, camiseta vermelha, óculos... Não parecia estar no lugar certo. Mas estava.
De trás de um balcão alvíssimo, surgiu um sujeito gordo e alto, que usava um colete jeans e por baixo uma camisa estampada que Sandro levou uma fração de segundo pra perceber que não era camisa, e sim a pele dos braços e torso do sujeito, repletas de desenhos coloridos. O sujeito sorriu amigável, o que não fez Sandro achá-lo menos ameaçador, e perguntou se podia ajudar.
O Sandro, não conseguiu evitar encarar as protuberâncias em forma de chifre que o sujeito trazia na testa. Pensou em perguntar, brincando, se podia falar com a esposa dele, mas achou melhor evitar a piada. Podia ser mal-interpretado, resolveu se ater ao essencial.
-Oi, vamos ver, tchê. Olha - Começou hesitante enquanto tentava calcular a bitola dos alargadores que o sujeito usava nas orelhas -Eu tô com vontade de fazer uma tatuagem...
-Aqui é o lugar certo, e eu sou o cara que tu procura. - O sujeito respondeu, ainda amigável. -Tu tem ideia do desenho, já?
O Sandro abriu a pastinha canaletada e mostrou uma impressão meia boca de uma ilustração em preto e branco do Boba Fett apontando o seu rifle blaster.
-Eu tava pensando em alguma coisa assim, saca? - Pensou se ainda se usava a expressão "saca?".
O sujeito olhou o desenho com atenção, o tirou da mão de Sandro, e o encarou pensativo por alguns segundos.
-Tem bastante detalhes, mas dá pra fazer, sim... Tu quer assim, só em preto, mesmo?
-Não - O Sandro respondeu, ainda parecendo pensativo. -Quero colorido. Tem aqui o padrão de cores da figura, ó.
O Sandro abriu a pastinha novamente e tirou várias fotos e desenhos coloridos do Boba, os estendeu ao tatuador.
O sujeito olhou pensativo para todas as ilustrações.
-Onde tu quer fazer o desenho?
-Nas costas. - Respondeu o Sandro, pela primeira vez, decidido.
-E de que tamanho tu quer?
-Mais ou menos assim. - O Sandro fez com as mãos, com os polegares bem separados, um enquadramento de mais ou menos trinta e cinco centímetros por vinte e cinco centímetros. Quase o tamanho todo das suas costas.
O Tatuador o olhou incrédulo e suspirou:
-Bom... Com esse tamanho dá pra caprichar nos detalhes e cores...
-Eu também quero uns dizeres... - Acrescentou Sandro, hesitando novamente.
-Dizeres?
-É.
-Tipo, uma frase?
-Isso, com aquelas letras góticas, sabe?
-Sei, sei...
-Pois é. Esses dizeres aqui. - O Sandro mostrou um papel pro tatuador, o sujeito pegou e leu em voz alta.
-"A vida é lôca, o Sistema é Bruto e o Futuro a Deus Pertence"... - O sujeito olhou Sandro de cima a baixo, como se o medisse. -Sério? - Perguntou.
-Sim. Eu sei que o "lôca" tá com a grafia errada, mas é de propósito. Tu acha que eu devo colocar entre aspas?
-Não... Não... Acho que tá bom assim. A gente escreve o resto certinho, aí as pessoas devem saber que a grafia errada de "Lôca" foi proposital. Até por que, o acento circunflexo é um bom indício...
-Arram. - Concordou Sandro, pensativo. -Então... Quanto tempo será que a gente vai levar pra fazer?
Conversaram o tatuador e Sandro, marcaram a data em que começariam a fazer o desenho, acertaram a dimensão exata e o preço, tudo encaminhado. Quando Sandro saiu, o tatuador o acompanhou até a rua, onde se despediu com um "'se falemo' na semana que vem, então". Ele observou Sandro caminhando com sua pasta, agora vazia, já que os desenhos haviam ficado para ele usar como referência e preparar a tatuagem, e imaginou o que levara aquele nerd a querer uma mega tatuagem ocupando setenta e oito por cento das suas costas. Imaginou que devia ser necessidade de auto-afirmação, crise de identidade, ou algo do gênero, e ele provavelmente se arrependeria do desenho antes de completar trinta e cinco anos. Enfim, não era de sua conta, não lhe dizia respeito alertar o geek sobre as óbvias implicações de um trabalho de arte perene no corpo, sua obrigação era realizar o trabalho com o máximo acuro e higiene para garantir que aquele nerd tivesse o Boba Fett gigante mais legal possível preso eternamente às suas costas. Mais tarde se debruçaria sobre as referências deixadas pelo Sandro, e prepararia, até o final da semana, um desenho genial para aplicar na pele do maluco.
Enquanto isso, Sandro descia do táxi, e tocava no interfone de um apartamento do centro. A porta se abriu sem ninguém perguntar nada, e ele entrou. Subiu algumas escadas, e chegou a um apartamento no terceiro andar, cuja porta estava convidativamente aberta, e entrou.
Lá dentro, uma moça com uma mecha rosa pink no cabelo tingido de preto ultra escuro, sorriu mostrando um piercing no dente incisivo quando viu Sandro entrar, e saltou do sofá para envolvê-lo com os braços repletos de tatuagens em um abraço e fulminá-lo com um beijo estalado nos lábios.
-Onde tu tava? - Perguntou o encarando com os olhos repletos de rímel negro.
-Ah, vendo umas coisas, só... - Respondeu Sandro, evasivo, enquanto sentava no sofá. Quando a menina tatuada sentou ao seu lado, aninhando-se sob o seu braço, ele segurou sua mão delicada, com os dedos cheios de anéis, e leu a tatuagem em seu pulso:
A Vida é Loka, O Sistema é Bruto, e o Futuro a Deus pertence.
E teve, finalmente certeza de que fizera a coisa correta. Iria, ao mesmo tempo, mostrar a mulher de sua vida que tinham mais interesses em comum do que um e o outro, e ainda homenagearia o personagem visualmente mais maneiro da saga espacial mais fabulosa da história da humanidade.
Radical, romântico, e nerd na mesma medida. Depois de terminar a tatuagem, compraria um anel pra pedí-la em casamento.

2 comentários:

  1. Radical, Romântico e Nerd faz parte do pacote Special Prime da Relacionamentos Expres e com uma pequena taxa adicional é excluído do vocabulário, gírias infames como ''saca''.

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  2. Ahahahahahahahahahaha!
    Pois é, ninguém mais fala coisas como "saca", "jóia", e "maneiro", nem chama os outros de "bicho". Eu sinto falta dessas gírias...

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