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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
Pessimismo
Roberval não era lá uma grande pessoa, entende? Não era uma boa pessoa. E nem digo isso baseado na minha crença inabalável, pra não dizerem que não creio em nada, então, nem baseio isso na minha crença inabalável de que as palavras "boa" e "pessoa" jamais casam numa mesma frase. Ele não era uma boa pessoa. Não é que ele não fizesse nada de bom, sabe? Ele até fazia. Mas nunca fazia pensando nos outros. Ele fazia pra se sentir bem consigo mesmo. Sei lá, se essa franqueza o tornava melhor ou pior do que a média, mas baseado na média, de que adianta ser melhor, né? Não chega a ser lá grande coisa.
Então, quer dizer, era esse tipo de coisa, sabe? Essa... Sei lá. Falta de auto-comiseração, talvez? O Roberval sempre achou que as pessoas têm muita facilidade pra sentirem pena de si mesmas. Ele não. Quando alguma coisa ruim acontecia ao Roberval, ele sempre pensava "claro. Faz sentido.". Ele não tinha pena de si próprio. Nem de ninguém, que fique bem claro. Tinha pena dos ursos polares. Muita. Não consiguia passar um dia sem guardar um momento pra sentir dor pelos ursos polares. Não me pergunta por que. Não tinha pena das baleias. Não tinha pena das focas, nem dos outros ursos. É dos polares que ele sentia pena. Quando alguém falava de focas sendo mortas ainda filhotes por causa da pele, das baleias sendo arpoadas pelos japoneses, quando lhe falam de tubarões sendo pescados, tendo as barbatanas arrancadas e sendo jogados de volta ao mar pra morrerem, ele sempre pensava que era nisso que dava dividir o mundo com a humanidade. Os ursos polares não. Os ursos polares o feriam. O entristeciam. Quer acabar com o dia do Roberval, mostre os ursos polares à deriva em uma mínima placa de gelo com nada exceto água ao redor. Aquilo entristecia tanto, mas tanto, o Roberval, que ele ficava pensando "Nah, ele não vai morrer. Ursos polares são exímios nadadores". É. Ele chegava a esse ponto. Ele tentava ser otimista. Quem conhece o Roberval sabe que otimismo não é sua praia. Podem perguntar pra quem o conhece. Pessimismo. Esse é o negócio dele. Em qualquer coisa. Economia, futebol, política, na vida de modo geral. Pessimista nato. Pessimista a ponto de correrem ele da sala durante jogos de futebol. Pessimista a ponto de as pessoas desistirem de discutir com ele, não por que seus argumentos são muito bons, mas por que elas ficam deprimidas. Esse tipo de pessimismo.
Ser pessimista assim, sempre rendeu bons frutos ao Roberval. Ele raramente se desapontava. Ele não era de criar expectativas mágicas a respeito de coisa alguma, nem de deixar de tentar ascoisas esperando que tudo se resolvesse, embora na maior parte das vezes fizesse as coisas pelo prazer de ver dar errado e falar "eu não disse?". Ainda assim, ele não se abstinha de viver. Se abstinha, sim, de algumas coisas que podiam não dar certo, de coisas que ele supunha, não fossem pro seu bico.
Ele tinha certeza de que, ela, por exemplo, era uma dessas coisas. Inalcançável. Inatingível e que, das duas uma:
Ou ele tinha algum problema grave por imaginar o contrário, ou ela tinha um problema grave por não perceber o quão problemático ele era.
Essa era uma daquelas ocasiões em que Roberval gostaria de estar errado.
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