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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Rapidinhas do Capita


Carmem e Jaime estavam sentados juntinhos no sofá da sala da casa dela no maior amasso. Já se conheciam a algum tempo, davam-se bem, mas, por íntimos que fossem trocando carícias e beijos resfolegantes, não eram íntimos no sentido de se conhecerem profundamente. Aquela intimidade, sabe? Que as pessoas têm quando uma sabe como o humor da outra vai estar durante o dia inteirinho apenas pela forma como ela enunciou "bom dia" quando se viram de manhã. Essa intimidade, a Carmem e o Jaime ainda não haviam alcançado. Mas era algo que o Jaime almejava. Ele queria saber mais da Carmem. Foi pensando nisso, e em tentar trazer um pouquinho mais de romantismo ao relacionamento dos dois, que ele perguntou, enquanto a acariciava, qual era o sentido do kanji que ela tinha tatuado atrás do ombro esquerdo.
Surpeendeu-se quando ela, olhando pra TV, lhe respondeu com pouco caso:
-Não sei.
-Não sabe? Como assim, não sabe?
-Não sei... Quer dizer, ele tem algum significado, e tal, mas eu nem lembro, tava meio bêbada quando escolhi. O tatuador deve ter me explicado, mas eu não lembro, não. É um desenho bonito, mas é que nem a tua tatuagem. Não significa nada, só um desenho bonito.
Jaime não disse nada. Ele tinha um símbolo de super-herói tatuado no braço. Pra maioria das pessoas podia não ter nenhum significado, mas pra ele tinha. Pra ele, servia pra lembrar do valor do sacrifício, de como ás vezes pode ser solitário tentar tomar sempre as decisões mais corretas, de como a responsabilidade é importante, e de como pode ser compensador deitar a cabeça no travesseiro à noite sem ter nada do que se arrepender. Mas não disse nada. Ficaram olhando TV abraçados por algum tempo, até ele olhar por relógio e fazer cara de já. Se despediu com um beijo morno, dizendo "até amanhã", e se Carmem já tivesse um pouco mais daquela intimidade, notaria pela forma como Jaime enunciou seu "até amanhã", que talvez eles não se vissem.

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Quando o Fabrício era pequeno, ele passou uma semana tendo pesadelos na praia. Eram sonhos ruins recorrentes, onde ele passava por uma viela escura á noite, e ali, de um ponto mais alto na escuridão, surgia Darth Vader, que o perseguia pela rua munido de seu tenebroso sabre de luz escarlate. O vilão o seguia correndo pela praia, não a praia ensolarada com a qual ele estava acostumado, mas uma praia sombria, medonha, repleta de árvores mortas e secas de galhos retorcidos que se espichavam para tentar apanhá-lo enquanto ele corria desesperado. Em certo ponto do sonho, porém, Fabrício chegava a um penhasco, e ficava preso entre uma queda para a morte, e o implacável sabre de luz de Vader. Esse, era o momento em que ele acordava na cama, ensopado de suor, chorando pela mãe.
Aquele sonho recorrente durante uma semana assombrou o Fabrício. Seu pai, intrigado, pensou até em proibir o menino de ver TV para que ele não se impressionasse com vilões de cinema. Um dia, indo à praia com Fabrício, o pai percebeu um saco de lixo, atado ao acaso em um poste de iluminação, que, inflado pelo vento, parecia uma cabeça redonda e uma capa esvoaçante. Mostrou ao filho para saber com o que se parecia, e viu a cor sumir do rosto de Fabrício enquanto o menino apertava-lhe a mão e dizia com os lábios entreabertos "Darth Vader!".
Com muita paciência, o pai de Fabrício lhe mostrou que o vulto negro que o perseguia, nada mais era do que um saco de lixo preso em um poste de iluminação. Naquele mesmo dia, após escurecer, Fabrício foi levado pelo seu pai novamente até o local, para ver que o que parecia um pesadelo com capa, elmo e sabre, nada mais era do que a imaginação do menino, um saco de plástico negro, e o reflexo da luz do poste ganhando uma coloração avermelhada ao atravessar o plástico.
Fabrício jamais esqueceu daquilo, e embora nunca mais tenha tido pesadelos com Vader o perseguindo pela praia, jamais esqueceu de como sua mente lhe pregara peças na infância.
Ás vezes nós não somos capazes de ver as coisas mais óbvias, mas conseguimos enxergar um lorde negro de sith em um saco de lixo.

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Ele estava escorado no balcão de um bar estiloso. Olhava em volta escolhendo aquela que seria sua vítima naquela noite. Sim, pensava ele. Nessa noite, eu sou um caçador dançarino, e preciso encontrar a parceira/presa perfeita. E ele encontrou. Assim que seus olhos deitaram sobre ela, ele soube que ela era a parceira perfeita para a dança especial que tinha coreografado para aquela noite.
Era linda, glamourosa, com longos cabelos loiros presos em um rabo de cavalo quase no topo da cabeça. Os lábios carnudos fulguravam em vermelho envolvendo o canudinho mais sortudo do salão enquanto ela sorvia um drinque mais colorido que o cenário dos Teletubbies.
Era magnífica. Uma criança de menos de onze anos poderia cair em seu decote por três dias sem chegar ao fundo, e suas pernas eram tão longas que pareciam não ter fim, assim como a transamazônica. Sua cintura era ínfima e seus quadris mais generosos que político em campanha. E estava sozinha.
Ele sabia o que fazer se quisesse chegar ao ápice do que aquela noite poderia ser. Deu seu passo. Cochichou algo com o bartender, e recebeu um drinque igual ao que ela segurava.
Do outro lado do salão, esperou até que o drinque dela estivesse terminando. Não podia ser afoito e chegar antes que ela chegasse à metade do copo, tampouco esperar o copo esvaziar, assim que viu a brecha perfeita, três dedos de bebida, deu seu passo.
Se aproximou como um jaguar trazendo o drinque dela em uma mão, e uma dose de whisky, que detestava, na outra.
-Olá - Disse ele, parecendo confiante. Estava confiante, era moreno, alto e forte e bem-vestido. Ofereceu-lhe o drinque.
-Aceita?
Ela assentiu com a cabeça. "Perfeito.", pensou ele. Agora um momento crucial, a hora de se dar bem ou fazer papel de garçom.
-Posso? -Perguntou sinalizando com o queixo, a cadeira vazia à frente dela.
-Claro. - Ela respondeu, mostrando a cadeira com a mão espalmada.
"Feito" ele vibrou em silêncio enquanto sentava.
Ele sentou e olhou pra ela por breves instantes. Tudo parte do balé erótico que, esperava ele, acabaria em uma cama redonda de motel. Um novo passo do balé. Sacudiu a cabeça brevemente, como quem se recompõe de um transe:
-Desculpa... Tua beleza me deixou sem palavras por um momento.
Ela sorriu.
"Sim", ele pensou, "está tudo como devia ser. Alguém devia estar filmando isso, eu precisava de uma estenógrafa pra me acompanhar e registrar isso pra posteridade.".
-Posso perguntar o teu nome? - Ele disse.
-Claro. - Ela respondeu enigmática.
"Mas, ah, guri!" ele vibrou, era perfeito.
-Qual o teu nome?
Ela sorriu com os lábios no canudo do drinque, e após sorver um gole generoso da bebida, disse:
-Carízia.
Ele sorriu como quem não entende:
-Como?
-Carízia. - Ela repetiu.
Ele sorriu por um instante. Então colocou o punho fechado na frente da boca e riu. E então riu mais. E mais. E teve um acesso de riso.
Não pôde segurar. Tentou, mas foi pior. Fez aquele ruído de ar escapando entre os lábios fechados, foi horrível, ela ficou muito séria olhando pra ele, e isso só lhe deu mais vontade de rir. Ela se levantou chamando-o de trouxa e foi embora enquanto ele, sob os olhares desaprovadores de inúmeras pessoas, chegava a balançar as pernas enquanto ria.
Não adianta, não há balé erótico coreografado à exaustão que suporte um nome esquisito.

2 comentários:

  1. O óbvio pra mim é sempre questionável e por mais que eu me esforce, não consigo parar de ver Darth Vader

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  2. Ás vezes é bom ver o Darth Vader, mas ás vezes ele é só uma minhoca na nossa cabeça...

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