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terça-feira, 29 de março de 2011

Sofrimento


Jurandir estava fazendo a barba, coisa que odiava fazer, mas via-se obrigado por culpa da genética. Tivesse uma barba farta e fechada ele a deixaria crescer e tornar-se longa e hirsuta como se fosse um discípulo do mago Gandalf. Porém, os genes o traíram, e Jurandir tinha uma barba rala e repleta de buracos, que, quanto mais deixava crescer, mais o tornava parecido com um sem-teto. Era por isso que Jurandir fazia a barba três ou quatro vezes por semana, como naquela manhã, em que passou o gel no rosto e se pôs a movimentar o barbeador recém retirado da embalagem pela face irregular.
Foi ali, enquanto fazia a barba, que Jurandir, ao errar de maneira bisonha o movimento e enfiar com força a lâmina na própria pele, e, ainda pior, ignorando a dor, continuar movendo-a e abrindo um corte considerável abaixo do olho direito, apenas após isso, enquanto via o sangue verter-lhe pela face e pingar manchando de escarlate a pia do banheiro, que Jurandir teve uma epifânia.
Sim, naquele instante, Jurandir entendeu, de fato, o que acontecia. O ser humano é naturalmente masoquista. Sim! Masoquista. É a única explicação, teve certeza Jurandir, para explicar a condição humana! O ser humano só é inteiramente feliz quando sofre! Por paradoxal que pareça, fazia sentido. As pessoas, vivessem uma vida plena de felicidade e realização, não se sentiriam felizes, nem tampouco realizadas. Elas estariam tristes. Elas estariam incompletas. Era como o agente Smith dissera a Neo em um dos Matrix, Jurandir não lembrava qual, mas em um diálogo, o cyber-vilão dizia a Neo, (Ou teria sido ao Morpheus?), que na sua primeira versão a Matrix era uma simulação de felicidade perfeita, mas que a mente humana não foi capaz de assimilar tal coisa, e gerações morreram negando a simulação de felicidade que lhe era oferecida.
Fazia sentido, não? As pessoas são incapazes de ser felizes. Elas não sabem viver sem sofrimento. É como disse Scott Flanagan, "Cuidado com o que você deseja, pode acabar conseguindo.", e não é por que pode não ser exatamente como você imaginava, não! É por que, ao conseguir, você será infeliz por ter que estar feliz e dar-se por satisfeito! Arrá! Pensou Jurandir. Sim, por isso ele continuou se cortando. A dor o deixou feliz. Isso explicava muitas coisas, entre elas, o por que de ele ser tão louco por ela. Sim... Fazia todo o sentido, afinal de contas. Era sua necessidade de ser infeliz, de viver com a dúvida, com o sofrimento, com a temeridade... Claro. Era nada senão amor ao sofrimento!
Enquanto lavava a ferida e abria o espelho do banheiro à procura de um band-aid, Jurandir teve a certeza de que não queria mais aquilo. Se o resto da humanidade amava a dor, beleza, isso era com eles, com ele, não, ah, não, muit'obrigado.
Colocou o curativo sobre o corte, com decisão. E lembrou-se dela. De seus olhos. De seu sorriso. De suas pernas, pele e gestos. E percebeu que, com mil diabos...
Valia a pena.

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