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quinta-feira, 31 de março de 2011

Aprendendo.


O Alfeu roía as unhas naquela manhã. Nada de novo, o Alfeu tinha entre seu vasto arsenal de hábitos desagradáveis, o de roer as unhas. Perdera as contas de quantas vezes o haviam repreendido por aquilo, mas jamais deu ouvidos. Homem feito, ainda tinha as unhas roídas como um moleque. Não ligava. Não achava que tivesse obrigação de ter unhas bonitas e apresentáveis. Fazia questão de que estivessem limpas e era o suficiente para si própria.
Então, lá estava o Alfeu, roendo as unhas. Marcara um encontro ás cegas para o final daquele dia. Não sabia o que esperar. Não sabia como poderia ser a moça com quem marcara o encontro. Haviam conversado algumas vezes, é verdade. Ela parecera-lhe muito inteligente, divertida, mas quem é que garante que ela não falava com ele com a wikipédia aberta na janela do lado? Como podia ter certeza de que a moça em questão não era, na verdade, um sujeito solitário e obeso que cansado da completa e absoluta falta de contato humano travestira-se com os trejeitos de uma mulher de personalidade excitante para suprir a própria carência mesmo que de maneira fictícia?
Alfeu expôs esses temores a um amigo, que, primeiro, o taxou de lunático por marcar um encontro às cegas com uma (um) mulher (pederasta) desconhecida(o) pela web sem sequer ver uma foto da pessoa em questão.
De nada adiantou Alfeu dizer que vira fotos das mãos, pés, braços e pernas da pessoa com quem falava. Seu amigo apenas abriu o google e recortou mãos, pés e pernas de meninas em fotos e mostrou a Alfeu enquanto afinava a voz dizendo "Meu nome é Sebastião, opa, digo, Suzannah, sou loira, um metro e setenta, cinquenta e quatro quilos...". Alfeu riu sem dizer nada, continuou conversando com seu amigo, e ainda ouviria mais insultos, mas nada de traumático.
Se não servira para afastar as pessimistas teorias conspiratórias de Alfeu, ao menos foram suficiente para fazê-lo rir um pouco, desanuviar a cabeça. Alfeu pensou em não comparecer. Tinha medo do que podia acontecer se fosse. Não tinha certeza do que esperar, e, pessimista que era, tinha quase certeza de que, se a moça com quem conversara por tanto tempo via internet não fosse um homossexual com hábitos de higiene duvidosos, provavelmente não compareceria no encontro, ou pior, compareceria, o veria, e daria as costas indo embora sem jamais contatá-lo novamente.
Era a forma de ver o mundo de Alfeu. Sempre o pior dos cenários.
Pensou em contatar sua misteriosa interlocutora e expressar, tentando não parecer tão inseguro, seus temores. Mas não conseguiu. Não era de externar seus sentimentos, sempre conseguia engolí-los e controlá-los. Não era de dizer como se sentia. Talvez por isso fosse tão solitário e amargurado, já haviam lhe dito, úlcera, outra coisa que lhe disseram que engolir os sentimentos podia acarretar, jamais teve.
Não que Alfeu houvera sido sempre amargurado e solitário. Não. Alfeu já se relacionara. Já estivera em namoros, e, pelo menos uma vez, amara. Talvez tenha sido a única vez em que Alfeu tenha sentido alguma coisa de forma tão intensa que se viu obrigado a pôr pra fora. Fora sua primeira namorada. A única pessoa que ouviu da boca de Alfeu um "eu te amo" autêntico, e que significasse algo além de amizade.
Muita coisa mudara desde então. Alfeu crescera, envelhecera, aprendera algumas coisas e desaprendera outras tantas, mas jamais dissera "eu te amo" de novo.
Agora, após tanto tempo sozinho, após tantas noites mal dormidas em longas conversas quase secretas, após tanto pensar, resolvera colocar de lado suas dúvidas, ignorar seus alarmes internos, abdicar de seus mecanismos de defesa, e experimentar. Quem sabe, ao invés de um homem de cento e quarenta e oito quilos, não aparecia uma elegante representante do sexo feminino? Quem sabe, ao invés de uma mulher de passado duvidoso que o levasse a um motel barato e lhe roubasse um rim, uma pessoa que lhe levasse pra sua vida e lhe roubasse o coração. Sentiu-se um tremendo idiota após esse pensamento cruzar-lhe a mente. Mas a verdade é que, do jeito que estava, imaginava se, algum dia, diria "eu te amo" à alguém novamente.
Vestiu-se sem grande esmero. Calça jeans e camiseta. Não queria dar a impressão de ser alguém diferente do que era sempre. Nada de propaganda enganosa. Tênis, cabelo bagunçado. Respirou fundo... E foi ao local combinado no horário estabelecido.
Não podia, imaginou, ser pior do que os cenários que simulara em sua mente. E, se fosse tão ruim quanto imaginava que poderia ser, na pior das hipóteses teria uma nova e cabeluda história pra contar aos amigos e arrancar-lhes risos em algum churrasco pós-futebol.
Chegou ao destino e esperou. Minutos de atraso que pareceram séculos, e ela apareceu. De alguma forma, pareceu natural. Pareceu certo. Mas ele não precisou aprender a dizer "Eu te amo" à uma pessoa nova.

2 comentários:

  1. Nossa, agora sei porque as vezes tu comenta que não dormiu direito: é esse travesti de 140 kg que não deixa!!!

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  2. Ahahahahahahah, que horror, nem é, nada!

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