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sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Resenha Cinema: Era Uma Vez... Em Hollywood


Parece justo dizer que Quentin Tarantino é, à essa altura do campeonato, um dos cineastas fundamentais do cinemão contemporâneo (pelo menos), não? Por mais que ainda haja aqueles que torçam o nariz para o diretor que jamais frequentou um curso de cinema, mas frequentou cinemas como poucos de seus pares na indústria parecem ter feito, Tarantino conseguiu em sua carreira de pouco menos de trinta anos, tornar-se uma legenda.
Ontem, quando fui divertidamente admoestado pelo amor da minha vida por matar aula para ir ao cinema, repliquei "Mas é um filme do Tarantino!", na certeza inabalável de que essa sentença, por si só, carregaria suficiente justificativa para não dar o ar da graça na faculdade.
Afinal, o diretor nascido em Knoxville, Tennessee que criou uma assinatura autoral ímpar que mistura longos diálogos, linhas narrativas paralelas, referências quase enciclopédicas ao cinema em geral, à Hollywood em particular, explosões de violência e, por vezes, muito mais do que isso conseguiu se tornar um evento para cinéfilos inveterados.
Especialmente após ele ter afirmado que encerraria sua carreira no cinema com seu décimo filme (ele conta os dois volumes de Kill Bill como um único filme, e não entram na conta segmentos dirigidos por ele em longas estilo antologia como Grindhouse e Grande Hotel), colocando seus fãs, entre os quais me incluo, em uma contagem regressiva que vem, se não me falha a memória, desde Bastardos Inglórios, e que com esse Era Uma Vez... Em Hollywood, chega a seu penúltimo lançamento.
A maior parte de Era Uma Vez... Em Hollywood ocorre durante o fim do inverno de 1969, quando conhecemos Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e Cliff Booth (Brad Pitt).
Rick é um astro decadente de TV. Durante a década de 1950 ele teve seu próprio programa de faroeste, Bounty Law, que acabou colocando a perder quando tentou construir uma carreira de cinema. Agora, ele vive basicamente de participações em seriados onde interpreta vilões para alavancar heróis mais jovens, conforme lhe explica o agente Marvin Schwarz (Al Pacino), que acredita no potencial de Rick, mas quer vê-lo se reinventar longe da Hollywood que não o vê mais como um mocinho, mas em Roma, onde ele poderá voltar a ser a estrela que já foi protagonizando faroestes espaguete.
Rick não está muito seguro da proposta, Rick, na verdade, não está muito seguro de nada exceto que ele está envelhecendo, Hollywood não se tornará mais gentil com ele nos anos vindouros e ele precisa tomar uma decisão.
Cliff, por sua vez é um sujeito muito mais relaxado que Rick.
Também trabalhando na indústria do cinema, mas como dublê de Rick, Cliff mora em um trailer atrás de um drive-in com sua cachorra, a pit bull Brandy, conforme os trabalhos na indústria rareiam, Cliff tem se dedicado a ser chofer de Rick, parecer maneiro enquanto flerta com mulheres, geralmente à distância, e fazer pequenos reparos na casa do amigo enquanto ele trabalha.
A casa de Rick, por sinal, fica ao lado da residência onde Sharon Tate (Margot Robbie, terrivelmente linda. Radiante de tão linda), esposa de Roman Polansky (Rafal Zawierucha) vive, e o casal mais quente daquele inverno Hollywoodiano são apenas duas das personalidades reais que povoam essa versão de Hollywood idealizada por Tarantino onde também vemos gente como Steve McQueen (Damien Lewis), James Stacy (Timothy Olyphant), Jay Sebring (Emile Hirsch) e Bruce Lee (Mike Moh), além, claro, de Charles Manson (Damon Herriman)...
As histórias de Rick, Cliff e Sharon correm em paralelo até inevitavelmente se cruzarem na noite de nove de agosto de 1969, e isso é tudo o que eu vou dizer a respeito.
Era Uma Vez... Em Hollywood é um festival de sub-texto desde seu título, que referencia tanto os faroestes espaguete de Sergio Leone que servem de pano de fundo à trama central do filme, como Era Uma Vez no Oeste e Era Uma Vez a Revolução, quanto a maneira como Tarantino revisa a História (com H maiúsculo ) daquele verão que, de muitas formas pôs fim ao sonho hippie, para idealizar a estória que deseja contar.
Porque praticamente tudo no Nono Longa de Quentin Tarantino é uma estória.
Desde o brilhante design de produção, criado à perfeição para emular, não a verdadeira Hollywood de 1969, mas Hollywood que o cinema mostrava na época, passando pela genial trilha sonora, e até mesmo a maneira como os personagens reais são retratados no filme, Era Uma Vez... Em Hollywood é uma elegia à uma época em especial. Uma época que Tarantino provavelmente gostaria de ter vivido, pois ao longo das duas horas e quarenta e cinco minutos de projeção, em meio à todas as características dos longas do diretor, o companheirismo entre homens descolados, a enciclopédia de notas de rodapé de cultura pop, os pés femininos, a eventual explosão de ultra-violência e a esperteza dos diálogos, é difícil não divisar um elemento de melancolia, como se o longa tentasse alcançar alguma coisa que ainda pode ser vista, mas que já não está mais lá.
Talvez seja uma impressão causada pela presença constante de Sharon Tate, cujo destino trágico a maior parte das pessoas com algum interesse por cinema sabe ao menos por cima, e que é usada pelo cineasta menos como uma personagem e mais como um sentimento.
Margot Robbie interpreta a atriz como uma encarnação de otimismo e ingenuidade. A cena onde ela entra de fininho no cinema para assistir Arma Secreta contra Matt Helm, longa estrelado por ela, e abre um luminoso sorriso cada vez que a audiência reage à sua atuação é a epítome dessa abordagem, e todo o longa parece ser Tarantino tentando salvar a Hollywood de antigamente à sua maneira numa demonstração de que o sujeito que já foi o enfant terrible do cinemão norte-americano, não apenas amadureceu, mas já chegou àquela idade de olhar pra trás com nostalgia.
Dalton é a prova disso.
O personagem de DiCaprio é, de diversas maneiras, o avatar de Tarantino na trama, reexaminando sua carreira e pensando no que está por vir, mas ainda sendo capaz de ficar animado por estar "a uma festa na piscina de estrelar o próximo filme do diretor da porra d'O Bebê de Rosemary" ainda que chore copiosamente ao ler um livro sobre um vaqueiro que perdeu o jeito, e o ator está simplesmente brilhante no papel.
O vencedor do Oscar por O Regresso (nem de longe seu melhor trabalho, nem de muito, muito longe seu melhor filme) imbui Rick Dalton com essa mistura de otimismo e melancolia temperada com seu carisma de astro Hollywoodiano das antigas que eventualmente emociona, mas na maior parte do tempo é usada para arrancar risadas da audiência. Igualmente genial está Brad Pitt, que volta a trabalhar com Tarantino após Bastardos Inglórios e ganha do cineasta uma chance de mostrar o quão talentoso ele pode ser quando recebe o material certo e entrega uma de suas melhores atuações recentes.
Eu consigo entender muito da controvérsia que vem surgindo como reação a Era Uma Vez... Em Hollywood. Se partes da celeuma são os desejos de igualdade que contam a quantidade de falas de Margot Robbie e outras personagens femininas no filme, ou a filha de Bruce Lee, incomodada com o retrato de seu pai no longa (eu entendo o lado dela, mas achei a brincadeira divertida...), ou mesmo do uso dos assassinatos de Tate, Sebrig,Folger, Frykowski e Parent como linha narrativa secundária (revista sob a mais tarantinesca das lentes), o nono longa de Quentin Tarantino é uma obra demasiado ambiciosa e repleta de camadas para ser julgada por um ou outro deslize subjetivo.
É o produto de um cineasta ambicioso trabalhando com colaboradores em perfeita sintonia com a sua visão, do elenco (que ainda conta com Kurt Russel, Margaret Qualley, Dakota Fanning, Zöe Bell, Julia Butters, Luke Perry, Bruce Dern, Austin Buttler, Lena Dunham, Maya Hawke, Clifton Collins Jr., Scoot McNairy) à equipe técnica com destaques para o design de produção de Barbara Ling e a fotografia de Robert Richardson.
Amando ou odiando Era Uma Vez... Em Hollywood, não se pode negar que cada uma das escolhas do filme foi parcimoniosa, e o produto final, é exatamente o que o seu diretor queria que fosse. É um dos longas mais maduros de Tarantino, e, sem ter visto uma segunda vez (ou terceira, ou quarta, ou quinta, ou décima, como fiz com outros de seus longas), acho que é um dos meus favoritos.
Amantes de cinema têm a obrigação moral de assistir Era Uma Vez... Em Hollywood no cinema. Se irão gostar, ou não, veremos depois.
Uma das grandes qualidades do cinema de Tarantino, além de não abrir concessões, sempre foi a de gerar divertidos debates.

"-Ei, você é um bom amigo, Cliff.
-Eu me esforço..."

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