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sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Resenha Cinema: Yesterday


Após assistir 007 contra Spectre, o que, pra mim, foi um dos piores filmes de James Bond já feitos, cheguei a escrever nesse espaço que aquela fórmula já dera o que tinha pra dar, e que o próximo filme de James Bond seria o fiel da balança para saber se o 007 de Daniel Craig estaria na coluna de Sean Connery e Timothy Dalton (Sim, Dalton foi um baita 007), ou na coluna de George Lazenby e Roger Moore.
Quando o nome de Danny Boyle surgiu para a direção do novo filme do espião, eu pensei que os Broccoli e a MGM estivessem decididos a colocar Craig na primeira coluna. É esse o tanto que eu aprecio o trabalho do cineasta por trás de Cova Rasa, Trainspotting, Steve Jobs e Quem Quer Ser um Milionário.
Claro, eventualmente Boyle deixaria o projeto do novo James Bond por divergências com os produtores e 007 Sem Tempo para Morrer já não parece mais uma ideia tão divertida, mas o cineasta seguiu seu caminho e, ao lado do roteirista Richard Curtis (Um Lugar Chamado Notting Hill, Simplesmente Amor e quase todas as comédias românticas inglesas que chegaram aos cinemas em anos recentes), criou este Yesterday, que eu queria ver desde que assisti ao primeiro trailer alguns meses atrás.
No longa conhecemos Jack Malick (Himesh Patel).
Jack é um ex-professor tentando uma carreira na música sem grande sucesso em Suffolk, na Inglaterra.
Ele canta em calçadas, praias, festas infantis, bares, cafés ou tendas semi-abandonadas em festivais onde sua única audiência fiel são um grupo de amigos liderados pela doce Ellie (Lily James, terrivelmente adorável). Ellie é amiga de Jack desde a infância, e acumula as funções de roadie, empresária e motorista dele desde o início de sua empreitada de tentar a sorte no mundo da música.
Vivendo com os pais e trabalhando meio-expediente em um atacado, Jack está começando a ver o seu sonho musical se desvanecer, e após uma apresentação particularmente frustrante no festival de música Latitude, a despeito dos apelos de Ellie, ele está com um pé de volta às salas de aula.
É então que algo acontece. Um blecaute de proporções globais deixa o mundo inteiro no escuro por doze segundos, exatamente durante esse ínterim, Jack é atropelado por um ônibus para despertar no dia seguinte sem seu violão e dois dentes em um mundo onde os Beatles jamais existiram.
Quando Jack pergunta à Ellie se ela ainda vai precisar dele, se ela ainda irá alimentá-lo quando ele tiver 64 anos, ela pergunta "Veremos. Por que sessenta e quatro?".
E quando Jack ganha um novo violão de seus amigos e resolve tocar para eles Yesterday, dos Beatles enquanto bebe uma cerveja, arrancando lágrimas de Ellie, e elogios de todos os outros, que perguntam quando ele escreveu aquela música tão linda, ele tenta explicar que não é ele o compositor, mas Paul McCartney. Os Beatles. Mas ninguém sabe do que ele está falando.
Estupefato ele corre pra casa para procurar por seus discos dos Fab Four, mas eles não existem. Ele procura no Google, mas não há Beatles, apenas beetles, Não há John, Paul, George e Ringo, apenas João Paulo II, outras bandas, como os Rolling Stones ainda existem, mas os Beatles, não.
Eles jamais existiram.
Subitamente, Jack tem um dos maiores repertórios da história da música a seu inteiro dispôr, e a chance de se tornar, possivelmente, o maior compositor da história do Rock ao se apropriar do trabalho de quatro músicos que não existem para serem roubados.
Em um mês Jack vai de zero a sucesso mundial, mas começa a ser assaltado por sua consciência, ao mesmo tempo em que percebe que, talvez, a fama e o sucesso não sejam as coisas mais importantes de sua vida.
Yesterday é um filme adorável.
A história de amor entre os personagens de Patel e James é cheia de uma convicção tocante que torna o casal imediatamente gostável. Os dois atores vendem essa história de amor não consumada com habilidade e garantem que a audiência se flagre torcendo por eles. O roteiro é repleto daquela mistura entre sarcasmo e doçura que é característica do texto de Curtis, e toda a vez que esse roteiro ameaça emburacar pelo lado mais melado da Força, a mão de Boyle entra em cena, enchendo o longa de potência visual e narrativa. O diretor lança mão da bela fotografia de Christopher Ross e da edição acelerada de Jon Harris para encher de cor, vida e movimento o que ameaçava se tornar uma tela estática.
Há problemas no longa, que aventa perguntas interessantíssimas que acabam não sendo respondidas ou exploradas a contento. Por exemplo, como seriam a música popular e o rock em um mundo sem o Beatles? Qual seria a recepção à essas canções pelas audiências de hoje em dia se elas não fossem clássicas? Sem os quatro intérpretes, o fenômeno seria o mesmo? Um mundo com uma imitação dos Beatles seria um mundo melhor do que um mundo sem nenhum traço dos quatro rapazes de Liverpool?
Há ainda uma participação especial no final do filme (com um irreconhecível e não creditado Robert Carlyle) que me causou sentimentos conflitantes, mas que, de modo algum, estragam o filme.
O longa tem muitos acertos para isso, a começar por seu elenco. Lily James poderia estampar o verbete "doçura" na enciclopédia (não na minha. Conheço uma moça mais doce), Joel Fry (o Hizdahr zo Loraq de Game of Thrones) é um bem intencionado alívio cômico como o roadie maconheiro Rocky, Kate McKinnon transforma a empresária Debra Hammer em um nada lisonjeiro retrato dos executivos de gravadoras do mundo, e até Ed Sheeran está hilário interpretando a si próprio da maneira mais auto-depreciativa possível, mas o grande achado do filme é mesmo Himesh Patel.
O ator britânico tira de letra a indigesta tarefa de interpretar Beatles sem necessariamente imitar ninguém, e o faz com inegável talento, realmente cantando essas músicas com sua voz que evoca algo de Paul McCartney.
Além de seu elenco e equipe, Yesterday ainda possui a música dos Beatles em seu corner, o que inevitavelmente advoga em favor do filme, e coração em proporção industrial.
O longa dificilmente entrará para a história do cinema como o melhor trabalho da carreira de qualquer um dos envolvidos, e talvez a música dos Beatles merecesse um filme melhor, mas a despeito de seus eventuais tropeços, é um feel good movie bem-sucedido.
Eu saí me sentindo bem, e acreditando, ao menos por um momento, que amor é tudo o que você precisa.

"-É Yesterday. É a maior canção de amor já escrita!
-Não é a maior... Não é ruim, mas não é Coldplay... Não é Fix You."

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