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terça-feira, 25 de junho de 2013

Epitáfio


Estavam sentados no bar de sempre, na mesa de sempre, enquanto o Everaldo tomava um chope e o Paulo Roberto uma Coca-Cola quando o Everaldo disse, casualmente, enquanto olhava de soslaio pra bunda bonita de uma morena que passava a seu lado:
-Gostaria de ter, escrito na porra da minha lápide, quando chegar o fim dessa vida de merda, a seguinte frase: Aqui Jaz Khaled Al Mansur, Herói da revolução.
O Paulo Roberto não riu, apenas desviou os olhos da TV e perguntou:
-Dessa revolução? - Apontava com o queixo para o aparelho, mostrando imagens da onda de protestos que se espalha pelo país.
Everaldo deu de ombros:
-Isso não é revolução porra nenhuma, Pê Erre... Isso aí é um bando de guri de apartamento criado a iogurte de morango querendo se aparecer...
-Aparecer. - Corrigiu Paulo Roberto.
-Dá na mesma, porra. É tudo um bando de universitário maconheiro que resolveu brigar por causa da passagem de ônibus. Isso começou como uma merda de uma manobra da "oposição". - Ele fez as aspas com os dedos.
-Por que "oposição"? - Perguntou o Paulo Roberto.
-Porque esses mesmos caras já foram situação e faziam exatamente a mesma coisa. E se ainda não foram, vão ser, Pê Erre. Essa merda fodida vai continuar igual, essa corja de filho da puta que comanda o Brasil a quinhentos anos vai continuar comandando a porra do país através de filhos, netos, bisnetos e tataranetos. Olha os Magalhães da Bahia? São uma porra de dinastia, caralho.
-Então o teu ponto é que isso aí - Paulo Roberto apontou de novo com o queixo pro Televisor -Não é uma revolução?
-Não é. Tô te dizendo, não é. Na hora do vamos ver, essa fedelhada vai se cagar e sair fora. Ano que vem tem eleição, aí, algum mequetrefe filha da puta de um desses partidos que vêm ganhando sempre vai lá, faz um projeto de governo que vá ao encontro de algumas das reivindicações populares, tem Copa do Mundo, e todo mundo esquece a merda toda...
-Não acho que seja por aí. Ou ao menos espero que não seja... Mas então como é que tu vai se converter ao islamismo e ser herói da revolução, Khaled?
-Não vou. Só quero essa merda escrita na minha lápide.
-Bom, eu tenho que admitir que é um bom epitáfio, embora a ausência de uma revolução durante o teu período de vida deixe ela meio carente de credibilidade.
-Que se foda... E tu, Pê Erre? Como tu gostaria de ter teu epitáfio? - Quis saber o Everaldo, empilhando bolachas de chope.
-Sei lá... Paulo Roberto Grevski, 1980 à 2063, Saudades... - Respondeu Paulo Roberto com pouco caso.
-Vai tomar no teu cu com esse epitáfio de merda... Cadê a emoção, porra? - Repreendeu, Paulo Roberto.
-Vai ser emocionante pra quem sentir saudades minhas a ponto de escrever "saudade" na tumba, oras...
-Te foder, Pê Erre... Vai te foder... Quem te ama vai sentir saudades tuas independente de estar escrito na merda do túmulo, ou não caralho. Lápide tu deixa pra potesrtidade, quer dizer, posteridade, porra.
-Como assim, posteridade? Vou escrever uma mentira na minha tumba? - Inquiriu Paulo Roberto, incrédulo.
-Sim! Caralho, imagina que a foder alguém passando pelo teu túmulo e lendo "herói da revolução"? - Sugeriu Everaldo, empolgado.
-Mas é mentira! - Protestou Paulo Roberto, erguendo as mãos.
-Que se foda que é mentira. Que se foda. Vai lá... Sem amarras, o que tu queria que as pessoas lessem no teu túmulo? Que elas olhassem, vissem e dissessem "Pica no meu cu... Olha só..." e balançassem a cabeça com a boca virada pra baixo de admiração. - Encorajou Everaldo, ilustrando as expressões que narrava.
-Hmmm... Pô, Everaldo... Deixa ver... Olha, pra deixar as pessoas de queixo caído, acho que gostaria de algo tipo o símbolo da ordem jedi e o código, "Não há emoção, há paz..." e tal. Ou então "Aqui Jaz Paulo Roberto, morto ao salvar trinta e seis crianças órfãs de um incêndio"... Alguma coisa assim. - Ele disse, enquanto olhava ao longe. Mas aí parou, olhando pra mesa -Mas o que eu gostaria, mesmo de poder escrever no meu epitáfio seria "Aqui Jaz um Homem que jamais cometeu um engano". - Completou Paulo Roberto com um suspiro enquanto deixava os braços caírem sobre o colo.
Everaldo não disse nada. Também baixou os olhos. Ficaram em silêncio algum tempo, apenas o ruído da TV. Mas aí o Everaldo disse:
-Aqui Jaz Khaled Al Mansur, Herói da Revolução... Ou então "Última Enterrada de Dirk Hanger, Lenda Pornô"...
Aí Paulo Roberto riu, de sair Coca-Cola pelo nariz.

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