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terça-feira, 24 de dezembro de 2019
Resenha Cinema: Star Wars: A Ascensão Skywalker
Desde o início há algo de intrinsecamente errado com o Star Wars da Disney. Algo tão errado que suplanta as mais estúpidas decisões de George Lucas (o homem que certa feita teve uma ideia brilhante e então dedicou sua vida a destruí-la). Talvez a mais imbecil de todas as decisões que a Disney tomou com relação a Star Wars (depois de colocar Kathleen Kennedy no comando da Lucasfilm) tenha sido a de criar uma nova trilogia para a saga sem que houvessem diretrizes para os filmes. A ideia de que cada diretor que chegasse simplesmente contasse a história que quisesse.
Isso transformou a trilogia da Disney em um grotesco Frankenstein composto por um filme que era basicamente igual a Uma Nova Esperança, mas com uma heroína infalível, o absolutamente seguro O Despertar da Força, e outro que era um longa de Star Wars para pessoas que odeiam Star Wars, a abominação conjurada por Rian Johnson para explicar aos fãs da saga que tudo o que eles amavam não importava pra ele em uma história mal ajambrada.
Se uma coisa ficou clara após Os Últimos Jedi, era que essa trilogia estava quebrada, e arrancar um final que fizesse o mínimo de sentido seria uma tarefa hercúlea.
O diretor originalmente contratado para comandar o terceiro filme, Colin Trevorrow, acabou saindo do projeto por "diferenças criativas" (ele teria pedido que Luke não morresse no episódio VIII, e não foi atendido, o que o teria deixado em um beco sem saída com a história que queria contar), e a solução da Lucasfilm de Kennedy, acostumada a demitir diretores e remendar projetos aos 45 do segundo tempo, foi chamar de volta Jar-Jar Abrams, comandante do Episódio VII para encerrar a história que ele meio que havia começado.
Sim. Abrams, notório por não ser particularmente inspirado com finais, estaria encarregado de concluir a trilogia da Disney e, ainda mais grave, concluir a saga Skywalker sob o escrutínio de uma base de fãs que obviamente não estava satisfeita e que foi abertamente hostilizada pela companhia que ajudou a transformar em uma potência do mundo do entretenimento após se queixar abertamente dos rumos que Star Wars estava tomando.
Fãs foram chamados de "minorias vocais", "homens bebês-chorões", "inseguros", "misóginos" e "racistas".
O resultado foi o surgimento da Fandom Menace, e a mais brutal represália que a Disney poderia imaginar: O inapelável fracasso de Solo: Uma História Star Wars nas bilheterias.
Sim. A companhia do Mickey podia ser a dona de fato de Star Wars, mas para ver a propriedade prosperar, precisava de seus donos de direito:
Os fãs.
Mesmo negando veementemente que qualquer mudança de curso fosse necessária, ficou óbvio que a Disny entendeu o recado quando o primeiro trailer do Episódio IX e seu título surgiram. A empresa ia tentar fazer as pazes com a base de fãs. O retorno de Palpatine foi revelado em um vídeo na D-23, e Abrams, um reconhecido mentiroso, disse que era parte do plano trazer o imperador de volta desde o início, convencendo exatamente o mesmo número de pessoas que acreditou que Benedict Cumberbatch não interpretaria Khan em Star Trek: Além da Escuridão.
Nos bastidores havia relatos de pessoas saindo no meio de sessões-teste do filme, regravações extensivas do terceiro ato, seis finais filmados. Um roteiro vazou, roubado pela faxineira de John Boyega, mas foi recuperado. Toda a trama do filme estava na internet dois meses antes do lançamento (sério. eu sabia tudo o que ia acontecer no filme antes que assistir) e o que todo mundo disse foi "nhé".
Ontem eu finalmente embarquei no meu galeão, hasteei minha bandeira negra e assisti ao filme.
O longa abre com o tradicional tapete de texto informando que Palpatine voltou dos mortos.
O imperador lançou uma mensagem informando que é o fundador da odiosa Primeira Ordem e que está de volta à galáxia para recuperar seu trono.
Se isso deixa a Resistência sob tensão, deixa Kylo Ren (Adam Driver) puto da vida.
Ele não assassinara Snoke, o ditador espacial com nome de cachorro, e se tornara o supremo líder da Primeira Ordem para ter que responder a um novo mestre.
Muito brabo, Kylo Ren mata um monte de gente e encontra um localizador capaz de levá-lo até Exegol, o planeta Sith nas regiões desconhecidas da galáxia (uma desculpa quando o pessoal quer justificar a existência de um planeta oculto...) que vem sendo a morada de Palpatine (Ian McDiarmid).
Lá, Kylo Ren encontra o imperador, que revela que criou Snoke, a Primeira Ordem, e que vem sendo cada voz na cabeça de Ben Solo desde o começo de sua jornada ao lado sombrio. Palpatine está disposto a entregar a seu discípulo uma monstruosa frota de destróieres estelares imperiais, cada um deles capaz de destruir um planeta, em troca, ele pede que Kylo lhe traga Rey (Daisy Ridley).
Enquanto isso, Finn (John Boyega), Chewbacca (Joonas Suotamo) e Poe Dameron (Oscar Isaac) descobrem que Palpatine está prestes a executar algo chamado de Última Ordem (sério), um ataque de proporções cataclísmicas que irá trazer o Império e os Sith de volta. A única chance que eles têm de impedir a execução da Ultima Ordem é chegar a Exegol em 14 horas, mas para isso, eles precisam encontrar o Localizador Sith pois, por sorte, há dois deles na galáxia.
Rey, por sua vez, está sendo treinada por Leia (Carrie Fisher, presente através de imagens de arquivo e CGI) para se tornar uma Jedi mas está frustrada porque os Jedi do passado não falam com ela (sim... Quando se é automaticamente capaz de fazer qualquer coisa, esbarrar em um obstáculo deve ser terrivelmente frustrante...), e resolve interromper seu treinamento para se juntar a Poe, Finn e Chewie na busca pelo localizador porque teve uma visão.
Começa então uma corrida dos heróis contra o tempo para chegar a Exegol fugindo de Kylo Ren e da Primeira Ordem para tentar impedir que a galáxia mergulhe novamente na escuridão, numa jornada que levará Rey à uma dolorosa viagem por suas origens.
A Ascensão Skywalker é, acima de qualquer coisa, uma tentativa da Disney de pedir desculpas por Os Últimos Jedi.
O filme pega a fórmula de nostalgia e fan service de O Despertar da Força e a eleva à enésima potência na tentativa de sustentar uma história que, não importa o quanto Jar Jar Abrams jure de pés juntos, nós sabemos que é uma contingência a todas as cagadas de Rian Johnson no episódio anterior.
Prova disso é que A Ascensão Skywalker parece muito mais uma sequência de O Despertar da Força do que de Os últimos Jedi, exceto pelas coisas que não podiam ser desfeitas, como a morte de Luke e de Snoke.
Essa decisão torna o filme terrivelmente corrido. Há trama demais. Coisas demais pra localizar. Personagens demais para apresentar e revisitar, linhas narrativas demais para atar e finalizar, de modo que mesmo que houvesse um diretor brilhante comandando o filme, seria um coelho difícil de tirar da cartola, e Jar Jar Abrams não é brilhante nem em seus melhores momentos.
A história do longa é toda remendada, e transcorre como ir de A a B para encontrar o item n°1 que mostrara como chegar até C e obter o item n° 2 dando a impressão de que estamos vendo alguém jogar videogame, e não um filme.
Em termos de produção e atuações, A Ascensão Skywalker é competente. A trilha está longe de ser a melhor da carreira de John Williams (que até faz uma ponta no filme), mas mantém a média alta, os efeitos visuais são ótimos, e o elenco principal trabalha da melhor maneira que pode com o que lhes é dado.
A melhor coisa do filme é provavelmente a dinâmica da amizade do trio protagonista.
Finn, Poe e Chewie me ganharam imediatamente, eu poderia ver uma trilogia inteira sobre as aventuras dos três na Millenium Falcon. Quando Rey se junta a eles, eu francamente estava preocupado. A minha antipatia pela personagem, a maior Mary Sue da história do cinema, é flagrante, e eu temia que ela estragasse o que era a única coisa funcionando pra mim no filme, mas a verdade é que, apesar de seguir resolvendo qualquer problema que aconteça porque simplesmente é toda-poderosa, Rey se insere bem no grupo.
Isso acaba depondo ainda mais contra a trilogia da Disney do que a favor. Porque esse breve período em que os três protagonistas estiveram juntos mostrou o tamanho da chance desperdiçada ao não usá-los em favor dos longas.
Kylo Ren, por sua vez, segue sendo o pior vilão de Star Wars em todos os tempos. Uma lástima, pois Driver é um ótimo ator, a origem do personagem era promissora e seu visual espetacular, mas quando ele aparece pra enfrentar Rey, a única coisa da qual a audiência tem certeza, é que ele não pode derrotar a heroína que já o venceu duas vezes.
O fato de a Lucasfilm de Kathleen Kennedy confundir força com infalibilidade pesa sobre Rey e, por consequência, sobre Kylo. Ao surgir, Rey parecia uma ótima personagem. Se ela tivesse algum tipo de jornada como a de Luke, falhado, treinado, e se reerguido, ela poderia ter sido a heroína que a Lucasfilm desesperadamente queria que ela fosse, e se em algum momento Kylo Ren tivesse tido alguma chance de sucesso sobre ela, talvez houvesse algum suspense sobre o desfecho da trama, mas não é o caso.
Especialmente porque, a exemplo de grande parte da imprensa especializada, Jar Jar Abrams, Chris Terrio e os demais roteiristas de A Ascensão Skywalker continuam achando que o que não funcionou em Os Últimos Jedi foi o filme subverter a expectativa da audiência, E NÃO FOI!
Nenhuma expectativa minha com relação àquele filme foi subvertida exceto minha esperança de ver um bom filme.
E com medo da reação da base de fãs, A Ascensão Skywalker parece ter medo de correr riscos, então acena com eventos capitais que são imediatamente desmentidos na próxima cena e isso torna todas as apostas do longa inócuas.
O longa ser terrivelmente covarde já seria motivo de sobra pra não gostar dele, mas pra piorar, ele ainda anula todos os eventos da Trilogia Original.
As mortes de todos os pilotos da Rebelião que deram suas vidas na Estrela da Morte II, o último ato de desafio de Luke frente a Palpatine, o sacrifício de Anakin Skywalker, de nada valeram.
Eram eventos importantes que já haviam sido enfraquecidos por terem dado origem a uma Nova República incompetente o bastante para permitir que a Primeira Ordem surgisse, e que foram totalmente anulados porque Palpatine não morreu.
Todos os sacrifícios feitos para derrotar o vilão foram em vão. Ele continuava vivo, e o final do filme ainda apresenta uma perspectiva ainda pior para o desfecho da Saga Skywalker.
Analisado isoladamente, A Ascensão Skywalker seria um filme nota cinco.
Como desfecho da trilogia da Disney, nota quatro.
Mas como desfecho da Saga Skywalker, é nota zero.
"Confrontar o medo é o destino de um Jedi."
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